17 junho 2016 às 01h26

Homicídio de deputada suspende campanhas. Reino Unido em choque

Alegado homicida detido pela polícia fazia voluntariado e tinha histórico de perturbações mentais

José Fialho Gouveia

Acabara de sair da biblioteca de Birstall, onde tinha estado reunida com residentes locais, quando foi baleada e esfaqueada no meio da rua. Três tiros e várias facadas mataram-na aos 41 anos. Jo Cox tinha sido eleita deputada em 2015 pelo Partido Trabalhista.

A polícia deteve um suspeito com 52 anos e está a investigar o crime. Ainda não há um motivo. Nem sequer certezas sobre o que de facto aconteceu ontem, ao início da tarde, pelas 13:00.

Algumas das informações até agora divulgadas pela imprensa britânica são contraditórias. Ainda assim, alguns dos testemunhos recolhidos parecem indicar que terá havido premeditação no crime. Essa é a versão de Clarke Rothwell, que estava presente no momento do ataque. "Deu-lhe um tiro. E depois outro. Debruçou-se sobre ela e disparou mais uma vez para a zona da cara. Um homem estava a tentar controlá-lo quando ele puxou de uma faca e começou a esfaqueá-la", descreveu à BBC, acrescentando que o agressor estava propositadamente à espera de Jo Cox.

Pelo menos duas outras testemunhas asseguram que ouviram o atacante gritar "Britain First" - um partido de extrema-direita que tem feito campanha a favor do brexit. Os responsáveis da força política em causa rapidamente condenaram aquilo que definiram como um "crime desprezível", sublinhando que a relação do alegado homicida com o partido não passa de um rumor.

Jo Cox defendia a permanência do Reino Unido na União Europeia. A deputada trabalhista foi declarada morta às 13:48.

A notícia levou a que as duas frentes em confronto no referendo suspendessem as atividades de campanha. Também David Cameron, em Gibraltar, cancelou o discurso que tinha preparado (ver peça ao lado). "A morte de Jo Cox é uma tragédia. Era uma deputada dedicada. Os meus pensamentos vão para o seu marido Brendan e para os seus dois filhos", escreveu o primeiro-ministro no Twitter. "Perdemos uma estrela com um coração enorme", acrescentaria ainda Cameron.

Boris Johnson, ex-presidente da câmara de Londres e principal rosto na campanha em favor do brexit, também suspendeu imediatamente as ações de campanha depois da notícia que qualificou como terrível".

Na sequência do ataque, a polícia prendeu um homem de 52 anos que a imprensa britânica identificou como sendo Thomas Mair. De acordo com o The Guardian, os vizinhos descrevem-no como uma pessoa "sossegada e educada".

Tommy, como é conhecido no bairro onde vive, em Birstall, aparentemente não tem emprego, mas faz trabalhos como jardineiro de forma voluntária e é um assíduo frequentador da biblioteca local. "É obcecado por livros. Tem a casa cheia deles", contou ao The Guardian uma amiga da mãe do suspeito, acrescentando que se trata de "um filho dedicado".

Thomas Mair tem um histórico de perturbações mentais, como o próprio chegou a admitir em tempos, numa entrevista a um jornal local. "O voluntariado tem-me feito melhor do que toda a medicação e toda a psicoterapia do mundo".

Ontem a polícia britânica procedeu a buscas no domicílio de Tommy. Desde que a avó morreu, há 20 anos, o suspeito vivia sozinho.

Jo Cox nasceu na cidade de Batley, a 22 de junho de 1974, e em 1995 licenciou-se em Estudos Sociais e Políticos pela Universidade de Cambridge.

Foi a primeira pessoa da família a entrar no ensino superior, mas a experiência académica na elitista e prestigiada instituição não foi fácil. "Durante cinco anos deu cabo de mim. Foi aí que percebi que importa o sítio onde nasceste, que importa a forma como falas, que importa quem conheces. Eu não falava bem nem conhecia as pessoas certas. Os meus verões eram passado a embalar pastas de dentes na fábrica onde o meu pai trabalhava", chegou a confessar numa entrevista ao Yorkshire Post.

Depois dos estudos, Jo dedicou-se a trabalhar em várias organizações não governamentais com objetivos humanitários, como a Oxfam ou a Save the Children. Em 2015 acabou por dedicar-se à política e foi eleita deputada pelo Partido Trabalhista. Gordon Brown, ex-líder do Labour, que a conheceu de perto, descreveu-a como "a amiga mais dedicada que alguém pode ter".

Jo Cox deixa dois filhos, um de três e outro de cinco anos. "Era uma mulher que acreditava num mundo melhor e que batalhava todos os dias com uma energia e um entusiasmo que esgotariam a maior parte das pessoas. Eu, os amigos e a família vamos lutar toda a vida para criar os nossos filhos e para lutar contra o ódio que a matou ", escreveu o marido em comunicado.