22 outubro 2018 às 10h05

"Hipocrisia": campanha anti-tabaco da Philip Morris sob ataque

A maior tabaqueira do mundo quer que os fumadores deixem os cigarros tradicionais, mas os críticos dizem que é apenas uma forma de vender produtos alternativos e contornar as leis que proíbem a publicidade nesta área

Pedro Vilela Marques

"Uma tremenda hipocrisia". É assim que a sociedade britânica de investigação do cancro apelida a nova campanha da Philip Morris, onde a gigante tabaqueira apela aos consumidores que deixem de fumar os cigarros tradicionais. Mas para o movimento anti-tabagista, esta é apenas uma forma de a companhia que produz os famosos Marlboro contornar as leis que proíbem a publicidade nesta área, ao mesmo tempo que apela ao consumo de outros produtos, como o tabaco aquecido.

A Hold my Light (Segura o meu Isqueiro, em tradução livre para português), a mega e milionária campanha que a Philip Morris lançou no Reino Unido, tem um site próprio e veio acompanhada por um vídeo e um anúncio de quatro páginas a envolver o jornal Daily Mirror.

Naquele que também pode ser visto como um passo histórico, a maior tabaqueira do mundo encoraja os fumadores a largarem o vício do tabaco pelo menos durante um mês, com a ajuda de família e amigos. Isto porque está provado que quem deixa de fumar por um período mínimo de 28 dias tem cinco vezes mais probabilidades de cortar com os cigarros de forma definitiva.


O problema, para os críticos, está nas propostas da companhia. Porque se duas delas são inatacáveis - deixar de fumar, pura e simplesmente e a frio, com a ajuda de profissionais de saúde; ou comprar produtos que ajudam à cessação, como os conhecidos adesivos de nicotina -, outras duas apelam à troca dos cigarros por outros produtos, como os cigarros eletrónicos e o tabaco aquecido. Isto porque, no caso do vaping (a exalação do vapor produzido por cigarros eletrónicos), a empresa lembra que as autoridades de saúde já chegaram à conclusão que faz 95% menos mal do que os cigarros tradicionais.

"Isto é uma tremenda hipocrisia", dispara George Butterworth, da sociedade britânica de investigação sobre cancro, que em declarações à BBC acusa a companhia de apenas querer vender os seus produtos alternativos porque já percebeu que as vendas de tabaco tradicional registam uma queda acentuada no Reino Unido. "A melhor forma de a Philip Morris ajudar as pessoas a deixar de fumar era simplesmente deixar de produzir cigarros", continua o especialista, que lembra que a responsável pela marca Marlboro continua a promover o tabaco fora do Reino Unido.


As restritivas leis britânicas proíbem a maioria da publicidade ao tabaco e aos produtos a ele associados, e até os maços passaram a ser vendidos em pacotes sem as marcas e com avisos de saúde. A sociedade anti-tabágica Action on Smoking and Health (Ash, no acrónimo inglês, que é traduzido para Cinza) também lembra que a Philip Morris continua a publicitar os produtos da Marlboro onde ainda é possível faze-lo a nível global. "A verdade é que já não o pode fazer no Reino Unido, somos um mercado onde toda a publicidade e promoção estão proibidas, em que os cigarros vêm em maços simples. Então a Philip Morris opta par promover o nome da companhia, que está intrinsecamente ligado à Marlboro", argumenta Deborah Arnott, diretora executiva da Ash.

Missão "país livre de fumo"

A estas acusações, e quando lhe perguntam porque não deixa a Philip Morris simplesmente de produzir cigarros e se foca apenas nos seus produtos alternativos, o diretor geral da Philip Morris responde que isso faria apenas os fumadores mudarem para outras marcas. "Os cigarros ainda representam 87% do nosso negócio. Nós queremos um ambiente livre de fumo o mais cedo possível, e queremos vender produtos alternativos, mas isso demora o seu tempo", afirma Peter Nixon, citado pela BBC. Já em janeiro deste ano, a companhia tinha publicado anúncios em jornais ingleses onde manifestava o objetivo de deixar de vender cigarros no Reino Unido, naquilo que definiu como uma resolução de ano novo.

As autoridades de saúde britânicas têm a intenção de reduzir a taxa de consumo de tabaco de 15,5% para 12% em 2022. Corte que se insere num objetivo maior, o de fazer do país um território livre de fumo nas próximas décadas.