Depois de Mossul? Retirada para o deserto e mais terror
Unidade antiterrorista do exército iraquiano entrou ontem na cidade ocupada há mais de dois anos. Combates ainda vão durar meses, mas isso não será o fim do grupo
Duas semanas depois do início da ofensiva final para recuperar o controlo de Mossul, nas mãos do Estado Islâmico desde junho de 2014, as forças especiais antiterroristas do exército iraquiano entraram ontem no leste da segunda maior cidade do Iraque. Mas a eventual perda de Mossul, a partir de onde Abu Bakr al-Baghdadi declarou a criação do califado, não será o fim do grupo terrorista que além de manter o seu reduto em Raqqa, na Síria, planeia uma retirada para o deserto e a continuação do reino de terror. Na Europa, autoridades têm receio e preparam-se para o eventual regresso dos combatentes estrangeiros.
"Se o Estado Islâmico perder Mossul, o grupo tem um plano de contingência claramente articulado, uma estratégia que expressou frequentemente em múltiplas plataformas nos últimos cinco meses: inhiyaz, ou retirada temporária, para o deserto", escreveu num artigo de opinião no The New York Times Hassan Hassan, investigador do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente e autor do livro ISIS: Por Dentro do Estado do Terror.
Segundo Hassan, o antigo porta-voz do Estado Islâmico Abu Muhammad al-Adnani, morto em agosto num bombardeamento norte-americano, falou disso em maio. "Adnani explicou que as perdas territoriais não significavam a derrota e que os militantes iriam lutar até ao fim e depois retirar para o deserto, preparando-se para um regresso, como fizeram entre 2007 e 2013", escreveu o investigador, referindo-se ao Estado Islâmico do Iraque, antecessor do atual grupo terrorista.
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Não é com uma fuga para o deserto mas com o eventual regresso a casa dos combatentes estrangeiros que os diferentes serviços de informação europeus estão preocupados. "Mais perdas militares, mais pressão militar contra eles na região, pode levar a um aumento da resposta do grupo na Europa", disse o diretor da Europol, Rob Wainwright, ao The Washington Post. Atentados como os de Paris ou de Bruxelas envolveram europeus que receberam treino junto do Estado Islâmico.
Também o comissário europeu da Segurança, Julian King, alertou para o risco que existe, mesmo que só regressem uma mão cheia de jihadistas, falando numa "ameaça séria para a qual nos temos de preparar". Em declarações ao jornal alemão Die Welt, o comissário britânico disse que ainda há cerca de 2500 combatentes europeus nas zonas de conflito no Iraque e na Síria.
"Eles não têm por onde fugir, ou morrem ou entregam-se", disse o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, referindo-se aos combatentes, numa declaração televisiva. Mas os combates ainda devem demorar meses, com as agências humanitárias a temer as consequências para a população (cerca de um milhão de pessoas), preparando-se para receber milhares de deslocados. Na segunda-feira, o Estado Islâmico tentou levar 25 mil pessoas para a cidade, para servirem alegadamente de escudos humanos, mas graças ao apoio aéreo dos EUA, muitos dos camiões foram obrigados a voltar para trás.
Em Mossul, os combates decorrem no leste da cidade, onde o exército conseguiu entrar no edifício da estação da televisão estatal. Habitantes locais, citados pela Reuters, falam em explosões ensurdecedoras e balas cruzadas, dizendo que não saem para a rua há dois dias. O Estado Islâmico está a responder com atiradores furtivos, artilharia pesada e carros armadilhados para travar o avanço dos militares e dos aliados - desde os peshmerga curdos às milícias xiitas. Mas, do outro lado da cidade os media ligados ao grupo terrorista mostram que a vida decorre com normalidade.
A cidade é de maioria sunita e teme-se que a saída dos terroristas dê lugar à violência confessional, caso as autoridades de Bagdad (xiitas) não encontrem uma solução para o futuro de Mossul.