Cidades europeias em guerra com os turistas, mas eles continuam a vir
Veneza e Barcelona são dois símbolos da revolta dos locais. Dubrovnik pode perder título da UNESCO se não controlar entradas
Em 2016, os 28 países da União Europeia receberam cerca de 500 milhões de turistas, 40% do total mundial, um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao ano anterior e o sétimo ano consecutivo de crescimento sustentado. No que diz respeito a 2017, nos primeiros quatro meses, 125 milhões passaram por estes países, mais 8 milhões que no período homólogo, e estamos a falar da chamada época baixa.
Estes números podem fazer sorrir os governos europeus devido ao impulso económico, mas estão a deixar furiosos os moradores de muitas cidades Europa fora, que se queixam que o fluxo de turistas está a tornar as suas vidas intoleráveis. Nalgumas cidades, as autarquias locais já estão a tomar medidas para limitar o impacto do turismo, noutras os residentes têm saído à rua para mostrar a sua indignação.
Com cerca de 7 milhões de turistas anuais, Roma, por exemplo, está a considerar limitar o número de visitantes em determinadas zonas da cidade, como a Fonte de Trevi. Foi também implementado um plano de multas, que podem ir até aos 240 euros, para quem tiver um comportamento inapropriado nos monumentos da capital italiana, como molhar os pés em fontes históricas.
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No início do mês passado, em Veneza - cidade com 55 mil residentes registados e 70 a 90 mil visitantes diários - cerca de dois mil residentes desfilaram pelas ruas em protesto contra o descontrolo turístico, usando o slogan "Não me vou embora". "A mensagem geral é a de que, apesar de Veneza estar a ser vendida, os venezianos não vão a lado nenhum e exigem uma cidade com habitação, serviços e oportunidades para os moradores", disse à edição italiana do The Local Valeria Duplot, uma das fundadoras do movimento Venezia Autentica. "Veneza está a transformar-se num parque temático e os locais e os visitantes sofrem com isso", acrescentou.
Em Espanha estes protestos têm soado mais alto e de forma mais ameaçadora. Nas paredes de Barcelona - que recebe cerca de 8 milhões de visitantes por ano - podem ser vistos graffitis com uma silhueta negra com um alvo vermelho na cabeça acompanhada da mensagem "Porquê chamar-lhe época turística se não os podemos abater?". A autarquia da capital catalã está a planear um novo imposto sobre os passageiros de navios de cruzeiro.
Na semana passada, foram divulgados vários vídeos intitulados "o turismo mata os bairros". Num deles, indivíduos encapuzados param um autocarro turístico em Barcelona, rasgando-lhe os pneus. Noutro, em Palma de Maiorca, ativistas atiram petardos no exterior de um restaurante cheio de turistas.
Na quarta-feira, em Bilbau, a sede da Agência Basca do Turismo foi vandalizada com tinta vermelha. Nesse dia, o primeiro-ministro Mariano Rajoy lembrou que o turismo é uma fonte de receitas e emprego - representa 11% do PIB espanhol e dá emprego a 2,5 milhões de pessoas. "Nunca pensei que tivesse de defender o setor turístico espanhol. É realmente inédito", disse.
Tal como em Barcelona, a cidade croata de Dubrovnik recebe muitos dos seus quase um milhão de turistas anuais via navios de cruzeiro. Um passeio pelos cerca de 300 metros pedestres no centro da cidade velha pode demorar agora cerca de 40 minutos e a UNESCO já avisou a classificação de Património da Humanidade poderá estar em risco. Para evitar o excesso de turistas no local, a autarquia está a ponderar diminuir de cinco para dois o número de cruzeiros que atracam na cidade.
Portugal espera um recorde de 27 milhões de turistas este ano, menos um milhão da estimativa para a Grécia, mas em nenhum destes países existem sinais de protestos. No entanto, têm sido tomadas medidas para controlar o fluxo de visitantes. Em Lisboa, por exemplo, a câmara municipal anunciou, no final de julho, a proibição da circulação de autocarros turísticos com mais de nove lugares nos acessos à Sé e ao Castelo de São Jorge, de forma a evitar problemas para os moradores ao nível do ruído e do congestionamento do trânsito. A Confederação do Turismo Português já pediu esta semana a suspensão da medida.
Em França, as relações entre turistas e residentes também parecem continuar sem sobressaltos, apesar da tentativa feita por um humorista de sugerir o contrário. Em meados de julho, Remi Gaillard arranjou uma avioneta para sobrevoar a praia de Carnon, transportando uma faixa que, em inglês, dizia aos turistas para irem para casa.
A coisa não passou de uma partida e na realidade vai contra a filosofia do governo em relação aos turistas. Há duas semanas, o primeiro-ministro Édouard Philippe anunciou que vão reduzir para 48 horas o prazo de entrega de vistos aos cidadãos de Rússia, Índia e outros seis países asiáticos de forma a impulsionar o turismo, ainda a recuperar dos atentados de Paris e Nice.