Portugal usado como exemplo no debate de investidura de Sánchez

Quase três meses após a vitória eleitoral sem maioria, líder socialista chega ao debate de investidura sem ter garantida a vitória. No discurso não falou da Catalunha. E as críticas não tardaram.

Pedro Sánchez apresentou esta segunda-feira de manhã, no seu discurso de investidura, as suas seis propostas para um governo "progressista, europeísta, ecologista e feminista" em Espanha. Contudo, quase três meses após a vitória eleitoral sem maioria, o líder dos socialistas chegou ao Parlamento espanhol sem ter finalizado um pacto com a Unidas Podemos, cujos votos precisa para deixar de ser primeiro-ministro interino e dar início a uma nova legislatura.

No seu discurso de quase duas horas, Sánchez, de 47 anos, não fez qualquer referência à questão da Catalunha. E terminou com um apelo ao Unidas Podemos de Pablo Iglesias no sentido de ter o apoio da aliança e, assim, ser aprovado. "Viemos de duas tradições distintas da esquerda. Nada que merece a pena é fácil. E o que temos por diante merece muito a pena", disse o líder socialista espanhol perante o novo Parlamento saído das legislativas de 28 de abril.

Nas reações posteriores, recolhidas pela imprensa espanhola, essa omissão foi amplamente criticada pelo Partido Popular, Ciudadanos, Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Navarra Suma, Coligação Canárias, Compromís, Partido Regionalista de Cantábria e até pelo Bildu (independentistas bascos ligados ao antigo Batasuna). O líder parlamentar da ERC no Parlamento espanhol, Gabriel Rufián, classificou tal omissão como uma atitude "irresponsável e negligente" por parte do líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Rufían, entre outros, chegou ao Parlamento com ramos de flores amarelas, em homenagem aos presos catalães que estão a ser julgados por causa do referendo ilegal de 1 de outubro de 2017.

Na parte da tarde, foi a vez de os líderes dos outros partidos falarem, podendo Sánchez responder. Cada líder tem direito a 30 minutos de intervenção, mais 10 e, depois, mais três. Cada intervenção tem direito a resposta do primeiro-ministro. A réplica do candidato à investidura como chefe do governo de Espanha não tem, porém, limite de tempo. A ordem das intervenções é do partido maior, para o mais pequeno. A última tem que começar até às 20.30 (19.30 em Lisboa). A sessão encerra depois, prosseguindo terça-feira, seguida de votação. Sánchez precisa de maioria absoluta. Numa segunda votação, que a ser necessária acontecerá na quinta-feira, dia 25, já bastará apenas a maioria simples.

"Os socialistas ativaram um campo de minas do qual não sabem sair"

O primeiro da tarde a intervir foi o líder do PP, Pablo Casado, que começou precisamente por assinalar a ausência de referências à questão da Catalunha. "Não o vi falar do elefante que estava mesmo aqui", assinalou Casado, acusando os socialistas de terem "ativado um campo de minas do qual não sabem sair". E recordou a Sánchez que chegou ao poder depois derrubar, com a ajudar dos nacionalistas catalães, o governo de Mariano Rajoy. "A moção de censura geriu-a o elefante com o laço amarelo que o senhor não queria ver. O senhor chegou ao governo pela mão deles. E agora tem vergonha deles?"

"Não disse nada sobre o problema do bilinguismo, sobre os espiões linguísticos. Não disse nada sobre se vai equiparar os salários das Forças de Segurança do Estado. Nada disse tampouco sobre a proposta de renovar a prisão preventiva passível de revisão. Nada disse sobre a Catalunha. Queremos lembrar-lhe que o senhor foi primeiro-ministro com uma aliança contra o Estado. Porque não disse nada sobre os seus sócios? Os seus sócios não são só os independentistas da Catalunha. São [Pablo] Iglesias, [Arnaldo] Otegi, que foi à televisão espanhola dizer que deseja que o senhor volte a governar", declarou o sucessor de Mariano Rajoy, referindo-se ao líder da Unidas Podemos, bem como ao coordenador-geral da Bildu. Neste ponto, Pablo Casado foi amplamente aplaudido no Parlamento espanhol.

Em seguida o líder do PP foi contrapondo argumentos às promessas feitas por Sánchez em seis áreas: emprego digno e sustentabilidade das pensões, revolução tecnológica, alterações climáticas, igualdade entre homens e mulheres, desigualdade social e a posição global de Espanha, dentro da Europa, dos seus ideais e valores. Casado lembrou ainda as vezes em que o PP, por razões de Estado, como o Orçamento do Estado ou a ativação do Artigo 155.º na Catalunha, apoiou o PSOE. "Vamos votar Não, senhor Sánchez, porque não estamos de acordo que venha aqui ocultando negociações com outras formações políticas. Não estamos dispostos a que culpe as formações da oposição. A sua obrigação é dar a esta câmara é informação sobre que governo quer formar e com que sócios. O PP formará uma oposição. Leal".

Sánchez faz ultimato a Casado: ou abstenção ou novas eleições

Em resposta a Casado, Sánchez pediu-lhe para clarificar o que quer fazer, em nome do PP: "O senhor fala como se nem sequer tivesse havido as eleições de 28 de abril. Se não quer que haja uma repetição das eleições e quer ser líder da oposição deve abster-se. Vocês têm a chave para o governo para que Espanha não dependa das forças independentistas. O senhor e o senhor [Albert] Rivera é que têm a chave". Em relação às acusações sobre a Catalunha, o líder do PSOE diz que falou de todas as autonomias espanholas e que quando fala dos problemas sociais isso, para ele, também é falar da Catalunha.

"Os senhores não tiveram nada que ver com o que aconteceu nestes últimos oito anos na Catalunha? Vocês, senhor Casado, vivem do conflito territorial", apontou Sánchez, atirando em seguida com a corrupção, calcanhar de aquiles do PP. "O senhor Casado tem que facilitar um governo em Espanha através da abstenção. Faça um exercício de coerência sobre as suas próprias palavras e abstenha-se para que haja um governo em Espanha".

Retorquindo ao apelo do primeiro-ministro interino, o líder do PP reforçou que o partido não vai abster-se, por considerar que Sánchez não é de confiança. "Se nos insultar um pouco mais, talvez nos abstenhamos", brincou Casado. E voltou à carga com a questão catalã. E a forma como o líder socialista lida com ela. "O problema na Catalunha é jurídico, não é um questão política que se possa relativizar. E o senhor está a relativizar. Isso é gravíssimo. [Quim] Torra disse na semana passada que o senhor é primeiro-ministro graças aos votos dos nacionalistas. Esse é o elefante no hemiciclo. Mesmo que não o queira reconhecer". Em relação a uma aliança com o Unidas Podemos o líder do PP deixou um aviso: "Pode ser investido com os radicais, mas não vai conseguir governar ".

Parece-me que o debate se esgota aqui, desabafa Sánchez, ao retorquir à segunda intervenção de Casado. "Não peço que se abstenha de forma grátis, não peço nada do outro mundo, a não ser respeitar o resultado eleitoral". Nas legislativas de 28 de abril, que foram antecipadas depois de Sánchez não ter conseguido fazer aprovar o Orçamento do Estado para 2019, o PSOE elegeu 123 deputados, o PP 66, o Ciudadanos 57, o Unidas Podemos 35, o Vox 24, a ERC 15 e as outras formações políticas elegeram três dezenas de deputados no Parlamento espanhol.

"A sua verdadeira cara é que tem um projeto de rutura para Espanha. Está a dar a carta da soberania a uma minoria na Catalunha que está fora da legalidade. Não nos peça que sejamos cúmplices. Não podemos facilitar a investidura porque seria muito prejudicial para Espanha", reiterou Casado, na sua intervenção final de três minutos, depois de o líder do PSOE ter revalidado o seu apelo aos deputados populares no sentido de se absterem. Se não está terça-feira, na quinta-feira.

"Sabe o que se passou em Portugal? Um governo de esquerda passou uma lei para permitir a gestação de substituição. São fascistas também?"

A seguir a Casado, foi a vez de Albert Rivera, líder do Ciudadanos, que recusa aliar-se a Sánchez. "Puro teatro, senhor Sánchez, puro teatro. Trouxe aqui um discurso com a voz bem colocada, enquanto, nos bastidores, se reúne com o Podemos e com os independentistas. O seu plano, senhor Sánchez, é um plano bom para si e para os seus sócios, mas é um plano mau para os que defendem a liberdade neste país. Vamos opor-nos ao modelo de uma Espanha sectária que o senhor quer", atirou o líder do partido que nasceu na Catalunha contra a ideia de uma Catalunha independente.

"Sánchez quer estigmatizar todos os que não têm cartão do Partido Socialista. Estigmatizar a meia Espanha. Cada vez que alguém discorda do seu plano, é um fascista, para si, senhor Sánchez. Mas é o senhor que alimenta o ódio entre os espanhóis. Prefere dividir e vencer, prefere fazer acordos com os que não querem o artigo 155.º da Constituição. Trata-se de criminalizar os moderados, os constitucionalistas e de aplaudir os radicais", acusou Rivera, instando o líder do PSOE a demitir-se se os socialistas forem condenados no âmbito do caso de corrupção dos ERE [na Andaluzia].

O líder do Ciudadanos, que não esconde a ambição de ser o líder da oposição ou, até mesmo, chefe do governo, acusou Sánchez de ter um plano oculto de tomada do poder para nele se perpetuar. "Vem de longe o seu plano. O senhor chegou ao poder com os nacionalistas e populistas e quer perpetuar esse plano. Vem fazendo isso desde a moção de censura. Hoje traz aqui um governo Frankestein. Temos uma má notícia para si, senhor Sánchez: Vamos desmontar o seu plano".

Rivera, com o tom inflamado e acusatório que o caracterizou nos debates para as eleições de 28 de abril, acusou os socialistas de bloquearem políticas amigas das famílias. "Deixem de bloquear a guarda partilhada. Não sejam antigos. Basta de hipocrisia. As famílias com gestação de substituição têm que ir à Ucrânia porque Carmen Calvo [vice-primeira-ministra espanhol] as está a criminalizar. Sabe o que se passou em Portugal? Um governo de esquerda passou uma lei para permitir a gestação de substituição. São fascistas também os seus parceiros socialistas portugueses? As famílias se querem ter filhos, neste país, não podem. Não podem permitir-se a isso".

No que toca à questão da Catalunha, disse Rivera: "Discordo dos que dizem que o senhor não disse nada sobre a Catalunha. Ao não dizer nada, disse tudo. O que o senhor faz é olhar para o lado quando a maioria catalã se sente desamparada perante o seu governo. Nós opomo-nos a que os golpistas proponham juízes no meu país, como propõe o senhor e o senhor Torra [presidente da Generalitat da Catalunha]" A sedição, a prevaricação não é política, é um delito. Com os que querem liquidar o nosso país não podemos falar. Eu sou catalão, mas não quero privilégios para a minha terra relativamente aos demais".

Terminando a sua primeira intervenção, Rivera sublinhou, para que não haja margem para dúvidas: "O mais responsável é opor-se ao seu plano, senhor Sánchez. O mais fácil seria o contrário. Vamos votar Não, com as duas mãos, não a Sánchez e não ao seu bando". E cita Fernando Savater para dizer que isso é o mais sensato a fazer.

"Teatro, senhor Rivera, é pactuar com a extrema-direita e depois tentar fazer parecer que é um acidente"

Em resposta ao líder do Ciudadanos, Sánchez garantiu não haver nenhum problema pessoal com Rivera, mas avisou-o de que está enganado. "Teatro, senhor Rivera, é pactuar com a extrema-direita e depois tentar fazer parecer que é um acidente". Refere-se ao pacto entre Ciudadanos e PP para governar a Junta da Andaluzia com o apoio do Vox de Santiago Abascal. Sánchez recordou que existe um intenso debate interno no Ciudadanos, que em Barcelona [o ex-primeiro-ministro francês e ex-candidato do Ciudadanos Manuel] Valls facilitou um governo não independentista na câmara. E houve fundadores do partido que já o abandonaram.

"O senhor, senhor Rivera, matou cada debate interno. Cada vez está mais só na sua torre de marfim. Para si, as feministas são fascistas. Os que não concordam consigo são fascistas. Para vocês todos são fascistas menos a extrema-direita. A sua etiqueta, senhor Rivera, é reversível, como os casacos [com dois lados]. Não sei porque obedece ao cordão sanitário que pôs à volta do PSOE. Rogo-lhe, senhor Rivera, que o senhor e o seu grupo se abstenham, pelo bem de Espanha, para que haja um governo", declarou o primeiro-ministro interino.

Sánchez insta Rivera a informar-se melhor sobre o que diz. "Em Portugal, senhor Rivera, essa lei de gestação de substituição foi travada pelo Tribunal Constitucional".

Na réplica, Rivera voltou a acusar o líder do PSOE de tudo permitir a extremistas, separatistas e terroristas. E instou-o a dizer que, se proíbe homenagens ao ex-ditador espanhol Franco, que proíba também homenagens ao presidente da Venezuela Nicolás Maduro e a etarras como Josu Ternera. "A memória histórica não pode perdoar que haja homenagens a terroristas. Não quero homenagens nem a Franco, nem a Maduro, nem a etarras. E os senhores permitem que isso aconteça. Permitem que haja homenagens a Josu Ternera. A mim dói-me a alma, senhor Sánchez".

Desafiador, repetiu uma e outra vez que vai votar contra o plano Sánchez. "Senhor Sánchez, não vamos apoiar o seu plano. Essa é a nossa responsabilidade histórica e vamos opor-nos. Mais de quatro milhões de pessoas votaram em nós para os vigiarmos e para as defendermos do plano Sánchez. Se quer um cheque em branco da oposição, por parte do Ciudadanos não o vai ter. Vai ter vigilância estreita. Vamos votar Sim a Espanha e Não ao bando e ao plano de Sánchez".

No período de resposta, Sánchez disse apenas: "Ouvimos e entendemos a sua mensagem". E nada mais. Rivera, por seu lado, aproveitou o tempo da terceira intervenção para voltar a desfiar as acusações sobre o sectarismo, sobre o plano Sánchez para privilegiar os militantes do PSOE e para se perpetuar no poder. "Senhor Sánchez, se acha que isto vai ser um passeio, engana-se". Tomando a última palavra, Sánchez volta a dizer que o líder do Ciudadanos não tem outro remédio a não ser abster-se se não quiser atirar Espanha para novas legislativas antecipadas.

"Não nos proponham ser um elemento de mera decoração no vosso governo, porque isso não podemos aceitar"

Pablo Iglesias começou por lembrar três mulheres assassinadas a semana passada em Espanha e por considerar que a violência de género é um flagelo. O líder do Unidas Podemos pediu em seguida a Sánchez que retificasse o que dissera no seu discurso de manhã. "O senhor disse que em 1975 acabou a ditadura. Não, em 1975 morreu um ditador numa cama. Quero pedir-lhe que, em respeito pelos que lutaram contra a ditadura, retifique essas palavras".

Ao contrário dos anteriores interlocutores, Iglesias foi passando em revista as promessas feitas de manhã por Sánchez, como a de reformar o artigo 99.º da Constituição. "Se os cidadãos votam em várias forças políticas é porque querem que se entendam. Se os cidadãos quisessem que o seu partido governasse sozinho ter-lhe-iam dado a maioria absoluta", atirou Iglesias a Sánchez.

"O senhor está a demonstrar que só está a negociar connosco porque não tem outro remédio. Ao mesmo tempo em que negoceia connosco, apela à abstenção do PP e do Ciudadanos. Peço-lhe que não faça o mesmo com o Vox", declarou o líder do Unidas Podemos, em tom irónico.

"A experiência de um governo à portuguesa fracassou. E fracassou porque tivemos um governo instável. Espero que tratemos de construir uma maioria estável, para um governo estável", sublinhou Iglesias.

Sobre a Catalunha, Iglesias também notou que Sánchez não falou sobre aquilo a que chamou "o conflito catalão". E instou o líder socialista a retificar também as referências que fez aos independentistas. O líder do Unidas Podemos garantiu que não há linhas vermelhas - uma vez que os socialistas elegeram muito mais deputados do que a sua formação - por parte da aliança e enumerou várias razões pelas quais quer formar um governo de coligação com o PSOE.

"Não nos proponham ser um elemento de mera decoração no vosso governo, porque isso não podemos aceitar. Senhor Sánchez, apenas lhe pedimos respeito e reciprocidade. Creio que os espanhóis não entenderiam se fossemos de novo para eleições antecipadas e que este país perdesse a oportunidade de ter um governo de coligação de esquerda", afirmou Iglesias. Em nome do Unidas Podemos falaram também Jaume Asens, Alberto Garzón e Yolanda Díaz, respetivamente, do En Comú Podem, da Esquerda Unida e da Galicia en Común.

Ao tomar a palavra, Sánchez recordou que falou de vários pactos de Estado possíveis, pactos que podem unir o PSOE e o Unidas Podemos. E justificou-se: "Não renuncio a entender-me com o Unidas Podemos, mas se não chegarmos a um acordo qual é a solução? Instalar o bloqueio político? Merece Espanha ficar sem governo depois de esta sessão de investidura? Que eu exija a abstenção do PP e do Ciudadanos não significa que esteja a fazer acordos com eles".

Respondendo ao Unidas Podemos, Sánchez falou finalmente sobre a Catalunha: "Vimos de tradições políticas distintas, embora pertençamos ao âmbito da esquerda. Se entramos nas questões de Estado, é evidente que diferimos na forma de resolver as coisas. Mas nós queremos resolver a crise na Catalunha. O problema é de convivência. Não é uma crise entre um povo oprimido e um Estado opressor. Não há presos políticos em Espanha".

O primeiro-ministro interino de Espanha prosseguiu: "Eu falei de Catalunha, sim, mas da forma como eu penso que se deve falar da Catalunha. Temos dificuldade em abordar a solução da crise política catalã. Fala-se de forças soberanistas que querem romper a ordem constitucional. Nós defendemos o Estado das autonomias e a ordem constitucional". Sánchez diz estar disposto a correr o risco de se aliar ao Unidas Podemos e agradeceu a Iglesias que tenham desistido da sua exigência de ocupar o cargo de vice-primeiro-ministro. Enquanto falava, no Twitter do Podemos classificava-se como "desculpas" os argumentos usados pelo líder do PSOE para justificar que ainda não haja acordo de coligação.

"Se não chegarmos a um governo de coligação, há outras opções, outros cenários de acordos de legislatura sem necessidade de incorporação do Unidas Podemos. Peço-lhes generosidade e responsabilidade. Peço-lhes que meditem sobre o vosso e que facilitem, pelo menos, um governo progressista para Espanha nos próximos quatro anos. Estou aberto a um governo de coligação. A mão está estendida, mas insisto, se não chegarmos a acordo, peço-vos que meditem sobre o vosso voto e facilitem um governo do Partido Socialista". Juntos, PSOE+Unidas Podemos somam 158 deputados, ou seja, não chegam à maioria absoluta de 176 deputados.

"A cooperação existe em Portugal, na Dinamarca, existiu estes 10 meses em Espanha"

Retorquindo, na segunda intervenção, Iglesias disse duvidar das intenções de Sánchez em formar uma coligação entre PSOE e Unidas Podemos, uma vez que, segundo o dirigente de extrema-esquerda, o líder socialista quer oferecer um "papel meramente decorativo a uma força com 3,7 milhões de eleitores". De regresso à Catalunha, o líder do Unidas Podemos sublinhou: "O que devem reconhecer é que a Catalunha é um problema de Estado. Vocês renunciaram muitas vezes a uma solução por via democrática para solucionar um problema histórico".

Em resposta, Sánchez insistiu: "Não digo que não vamos chegar a acordo... Dá a sensação que só vê o negativo naquilo que eu digo. Já disse aí pelo menos umas cinco vezes que quero chegar a um acordo convosco. Não me parece sério que repita que o que lhe oferecermos é ser objeto decorativo num governo. Se não chegarmos a acordo, pensem bem que vão votar ao lado da extrema-direita contra a investidura de um primeiro-ministro socialista. Façam vocês então um acordo entre PP, Ciudadanos, Vox e Unidas Podemos, certamente têm a maioria. A cooperação existe em Portugal, na Dinamarca, existiu estes 10 meses em Espanha. Falam de um governo de coligação só à imagem daquilo que vocês querem. Não queremos uma investidura falhada e uma repetição das eleições".

Iglesias, por seu lado, insiste no papel meramente decorativo. "Quando dissemos o que queríamos, competências nas áreas das Finanças, do Trabalho, da Igualdade, da Ciência... para desenvolver o programa que queremos pactar convosco, mas disseram que nem pensar. O que é que nos ofereceu? Explique aqui a esta sala. Não nos vamos deixar pisar nem humilhar por ninguém. E se não for assim, tem alternativa, faça um governo de grande coligação com o PP ou com o Ciudadanos, ou entenda-se com o Vox para mudar a Constituição".

"Já sabemos como pensa lutar contra o envelhecimento da população, com uma lei da eutanásia"

O último a tomar a palavra foi o líder do Vox, Santiago Abascal, começando por homenagear guardas-civis mortos e por recordar as suas origens bascas. "O Vox não vai apoiar a sua investidura. Ameaça-nos, embora não o diga, com um governo apoiado por extremismos políticos. O início da normalização dos terroristas na vida política é fruto das negociações do senhor Zapatero", acusou o líder da extrema-direita, queixando-se de ameaças e agressões contra membros do partido.

Referindo-se à Catalunha, Abascal declarou: "A Generalitat da Catalunha está em permanente rebeldia contra a soberania nacional. Espanha não chegou até aqui para que a derrotem uma pandilha de sediciosos. Enquanto a esquerda implanta uma sufocante ditadura progressista e os separatistas conspiram contra a Constituição, os espanhóis devem continuar a pagar as suas faturas, uma fatura que o senhor quer ampliar ainda mais".

Abascal, neto de um autarca franquista, afirmou que não é contra os homossexuais nem contra as mulheres. "Os grupos LGTBI que atacaram o Ciudadanos não falam em nome de toda a comunidade. Nem sequer os animalistas falam em nome dos animais, apesar do seu discurso tão totalitário. O Vox veio para ficar, representamos muitas mulheres, homossexuais, bascos, catalães que não pensam como vocês. Representamos milhões de espanhóis que estão fartos, que não pensam como vocês e estão fartos que lhe digam o que devem pensar, fazer e dizer".

Abascal acusou os socialistas de quererem resolver o problema do envelhecimento da população com a eutanásia. "Não haverá mais emprego aqui enquanto as nossas indústrias e o nosso campo lutar com produtos de outros países que não oferecem garantias. Já sabemos como pensa lutar contra o envelhecimento da população, com uma lei da eutanásia".

Além disso, o líder da força que ganhou grande base eleitoral na Andaluzia, onde há muitos imigrantes, afirmou: "No Vox somos contra a imigração ilegal, que vocês apoiam. E por causa disso chamam-nos racistas, xenófobos. Se vocês são partidários de que se possa entrar em Espanha de qualquer maneira, têm direito a sê-lo, mas digam isso ao povo espanhol. Nós aceitamos uma imigração legal e regulada. E exigimos que os estrangeiros que cometem delitos graves sejam deportados para os seus países".

Referindo-se à insistência de Sánchez e dos socialistas em exumar os restos mortais do ditador Franco, Abascal sublinhou: "A lei da memória histórica é um ataque à igualdade e uma tentativa de impor uma visão sectária da História".

Na réplica a todas as acusações, o primeiro-ministro interino afirmou: "Ouvimos um discurso carregado de revisionismo, de melancolia, relativo a décadas passadas, por causa das quais ainda sofrem muitos neste país. Ouvimos um discurso que questiona a igualdade entre espanhóis, um discurso carregado de ódio de raiva, por parte daqueles que perderam as riquezas conquistadas durante a ditadura franquista. Por isso devemos ter consciência que tudo o que conquistámos ao longo dos anos devemos defender ainda com mais afinco".

Olhando para a União Europeia, sublinhou Sánchez, a extrema-direita não representa o mesmo que representa noutros países como a Alemanha e etc... Mas, "graças ao PP e ao Ciudadanos", a extrema-direita conseguiu ter influência em governos locais de Espanha, embora, constatou, tenha perdido votos entre o 28 de abril e o 26 de maio (eleições europeias). "Senhor Rivera, senhor Casado, ouvem-na? É a extrema-direita".

Abascal, em resposta, atirou: "O senhor não tem credibilidade, não tem escrúpulos, apenas ambição de poder. Creio que vá ser eleito chefe do governo com os votos dos inimigos da Nação. Não lhe desejo sorte. Mas a História há-se julgá-lo". Sánchez dirige-se a Casado e Rivera: "Peço-lhes que ouçam o que disse o senhor Abascal. E se não me ouvem a mim. Que ouçam o que dizem os partidos liberais e populares a nível europeu".

Os seis desafios de Sánchez para o presente e futuro

Sánchez defendeu, no discurso que fez esta segunda-feira de manhã, que há "seis desafios onde Espanha joga o seu presente e futuro mais imediato". Um deles responde à principal preocupação dos cidadãos: "o emprego digno e a sustentabilidade das pensões".

"O segundo desafio tem a ver com a revolução tecnológica", defendeu Sánchez, alertando para o facto de 21,7% dos empregos em Espanha estarem em risco de automatização e de desaparecerem. Quer que o país lidere a revolução digital na Europa.

O terceiro desafio enumerado por Sánchez são as alterações climáticas, lembrando que este é um desafio global mas que Espanha está "especialmente exposta". O líder socialista quer que Espanha lidere a luta contra as alterações climáticas, "convertendo este grande desafio numa grande oportunidade de prosperidade e progresso seguro para o conjunto da sociedade espanhola".

O quarto desafio é a igualdade "real e efetiva" entre homens e mulheres, com Sánchez a falar nos números trágicos da violência de género -- que, em 2018, representou quase um quinto dos homicídios registados em Espanha e que, numa década, houve mais de mil mulheres assassinadas.

"Este flagelo tem um nome, violência machista, não tem apelido ou eufemismo, é cometido em casa ou numa manada. Quem quiser inventar conspirações, que tenha algo claro: vão ter-nos pela frente", disse, sendo novamente aplaudido.

O quinto desafio de que Sánchez fala é a desigualdade social: "Vivemos numa sociedade que não dá as mesmas oportunidades a todos e não é certo que a desigualdade seja consequência da falta de mérito", afirmou, falando, por exemplo, da "insuportável taxa de pobreza infantil" que afeta 26% dos menores. E reiterou que quer Espanha "na primeira linha da luta contra a desigualdade social".

O sexto e último desafio é a posição global, defendendo a proteção da Europa, dos seus ideais, valores, de um modelo social único no mundo. "Todos os países europeus juntos somos um gigante", defendeu, falando da Europa como o "espaço no qual se superam os nacionalismos que levaram a duas guerras mundiais". E acrescentou: "Europa é paz".

E numa única referência à Catalunha, sem a mencionar diretamente, afirmou: "Que sentido tem fomentar a desunião, a desagregação, a divisão dentro de Espanha quando precisamos de mais União Europeia?", questionou Sánchez. "A superação das nossas tensões territoriais derivará de um projeto coletivo de inspiração europeísta", acrescentou.

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