Parlamento Europeu aprova Brexit e canta na despedida dos britânicos
Só era precisa uma maioria simples, mas o Brexit foi aprovado com 621 votos a favor, 49 contra e 13 abstenções. Este era o último obstáculo na ratificação do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, que se concretiza às 23.00 de sexta-feira.
O Parlamento Europeu aprovou esta quarta-feira a ratificação do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, o último obstáculo para garantir o Brexit às 23.00 da próxima sexta-feira. Foram 621 votos a favor, 49 contra e 13 abstenções, cantando-se depois a música "Auld Lang Syne" na despedida dos eurodeputados britânicos. "Um dia histórico" para uns, "triste", para outros, com algumas lágrimas no hemiciclo, nomeadamente de eurodeputados britânicos que eram contra o Brexit.
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"Auld Lang Syne" é um poema escocês escrito por Robert Burns em 1788 que foi adaptado a uma música popular de despedida que é muitas vezes cantada para comemorar o início do Ano Novo nos países de língua inglesa. A versão portuguesa da música começa com o verso: "Chegou a hora do adeus/Irmãos, vamos partir."
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No início do debate de duas horas, o eurodeputado belga Guy Verhofstadt, presidente do grupo de contacto durante todas as negociações do Brexit, começou por agradecer o trabalho do principal negociador europeu, o francês Michel Barnier. Em relação aos eurodeputados britânicos, disse que sempre trouxeram "charme, humor, inteligência (alguns deles)" ao Parlamento Europeu e que deixarão saudades.
"A votação de hoje não é uma votação a favor ou contra o Brexit. É uma votação em relação a um Brexit organizado em vez de um voto duro, selvagem. Se fosse uma questão de votar para travar o Brexit estaria aqui a pedir-vos para o fazermos", indicou. "É triste ver sair um país que por duas vezes nos libertou, que por duas vezes deu o próprio sangue para libertar a Europa", acrescentou.

Eurodeputados britânicos emocionados na hora do adeus.
© EPA/YVES HERMAN
"Como é possível que mais de 40 anos após uma maioria esmagadora, 70%, terem votado a favor de aderir à família europeia, 40 anos depois tenham decidido sair do projeto europeu?", questiona Verhofstadt. "Desde o resultado do referendo, há mais de três anos, ouvi muitas opiniões. Alguns dizem que eles têm medo de perder a soberania. Mas colegas, o que a soberania significa num mundo completamente dominado por potências como a China, a Índia, os EUA, num mundo em que temos que enfrentar problemas transnacionais como as alterações climáticas?" E conclui: "Os países europeus perderam a sua soberania há muito. A Europa é uma maneira de manter a soberania nos próximos anos."
Em relação ao argumento de que a culpa foi da imigração, o eurodeputado belga lembra os médicos e enfermeiras que trabalham no serviço nacional de saúde britânico, que pagam os seus impostos como todos os outros.

Deputados britânicos do Labour usam cachecol com as bandeiras europeia e britânica e a frase "sempre unidos".
© EPA/OLIVIER HOSLET
"O Brexit não começou há três anos e meio, começou há muito e acho que começou exatamente no dia em que começámos a ceder", diz Verhofstad, lembrando-se das negociações com o então primeiro-ministro britânico, David Cameron. E pede uma reforma da União Europeia, sem direitos de veto e votações por unanimidade. "É a falta de eficácia que é o problema que vimos no Brexit", referiu.
"Esta votação não é adeus, é apenas um até mais ver", conclui o eurodeputado belga.
Em nome do Conselho, a intervenção no debate coube à croata Nikolina Brnjac. "A saída do Reino Unido dará início a um período de transição curto", afirmou, defendendo que a União Europeia tem que estar preparada para todas as circunstâncias até e depois de 31 de dezembro.
Von der Leyen: "Quero que a UE e o Reino Unido sejam bons amigos e bons parceiros"

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
© JOHN THYS / AFP
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, prestou homenagem a todos os britânicos que deram uma contribuição importante de quase meio século para a integração europeia.
"Como presidente da Comissão Europeia, antes de mais quero prestar tributo a todos os britânicos que contribuíram tanto durante quase meio século de pertença do Reino Unido à UE, e penso em todos aqueles que nos ajudaram a criar as nossas instituições, pessoas como o comissário Arthur Cockfield, conhecido como o 'pai' do nosso Mercado Único, ou Roy Jenkins, presidente da Comissão Europeia que fez tanto para abrir caminho à nossa moeda única", declarou Ursula Von der Leyen.
"Penso em milhares de funcionários europeus de nacionalidade britânica que devotaram as suas vidas e carreiras à Europa e que fizeram tanto para construir a nossa União", afirmando que "farão sempre parte da família" europeia.
Von der Leyen diz que o acordo é o "primeiro passo" e que agora começam as negociações para uma "nova parceria". "Eu quero que a União Europeia e o Reino Unido sejam bons amigos e bons parceiros", disse a presidente da Comissão Europeia, falando em temas como as alterações climáticas ou a área da segurança.
Em relação ao futuro acordo comercial, a presidente da Comissão lembra que querem "tarifas zero e quotas zero", mas que há uma condição: que é a de as empresas europeias e britânicas continuarem a competir em plano de igualdade". "Não vamos expor as nossas empresas a concorrência injusta", alertou, desencadeando protestos dos eurodeputados britânicos a favor do Brexit."Vamos dedicar toda a nossa energia, todos os dias, 24 horas por semana, para conseguir resultados", indicou Von der Leyen.
"Só na agonia de nos irmos embora é que encontramos um amor que é eterno. Vamos sempre amar-vos e nunca estaremos longe", disse a presidente da Comissão, citando o poeta inglês George Eliot.
O "capítulo final" de Nigel Farage
O líder do Partido do Brexit, Nigel Farage, tomou a palavra para dizer que este é o "capítulo final, o final do caminho". Lembrou que o que os pais queriam era um mercado único, "não bandeiras, hinos ou presidentes".

Farage a celebrar o Brexit com uma cerveja.
© JOHN THYS / AFP
Farage diz que o Reino Unido está a chegar ao ponto de que não há regresso. "Depois desse momento não podemos voltar aqui", disse o eurodeputado, falando "no culminar" de todas as suas ambições políticas.
O eurodeputado lembrou que, no passado, franceses e holandeses votaram em referendo contra o Tratado de Maastricht, sendo-lhes depois imposto o Tratado de Lisboa, sem referendos. E que, quando os irlandeses votaram na mesma e rejeitaram esse tratado, foram obrigados a votar novamente. Farage diz que os europeus esperavam obrigar os britânicos também a votar outra vez, sem sucesso.
"Espero que seja o início do fim deste projeto, antidemocrático, que dá às pessoas poder sem elas serem responsabilizadas perante o eleitorado", indicou.
Farage falou depois da existência de uma "batalha histórica" a nível global "contra o populismo". "Mas o populismo está a tornar-se cada vez mais popular", afirmou.
Os eurodeputados do partido de Farage despedem-se acenando com pequenas bandeiras britânicas, sendo-lhes pedido que as retirem pela presidente da sessão, que cortou a palavra a Farage. Depois de gritos de "hurra", estes eurodeputados optaram por deixar o hemiciclo em Bruxelas. "Levem as bandeiras convosco, já que estão de saída. Adeus", disse a irlandesa Mairead McGuinness, primeira vice-presidente do Parlamento Europeu.
Barnier deseja maiores felicidades ao Reino Unido
No final do debate, o principal negociador europeu, Michel Barnier, lembrou que é preciso respeitar o resultado do referendo britânico e que o objetivo do seu trabalho foi dar resposta a todos aqueles que ficaram assustados com toda a incerteza que marca qualquer divórcio.
Em relação ao futuro, e às negociações sobre a futura relação entre Reino Unido e União Europeia, Barnier disse: "Vamos continuar este ano com o mesmo estado de espírito, defendendo com a maior firmeza os interesses quer da União Europeia, quer dos Estados-membros."
Barnier lembrou ainda que é preciso agora enfrentar as consequências do Brexit. "Não devemos nós ser europeus, além de sermos patriotas. Uma coisa não substitui a outra. Podemos ser patriotas e europeus. A questão europeia só dá mais relevo ao patriotismo nacional", indicou.
No final, desejou as maiores felicidades ao Reino Unido.

Michel Barnier, o principal negociador europeu do Brexit.
© JOHN THYS / AFP
Últimos passos
Na semana passada, a comissão do Parlamento Europeu responsável pelo dossier do Brexit votou a favor do acordo, com uma larga maioria (23 votos a favor e três contra).
O representante do Reino Unido diante da União Europeia, Tim Barrow (futuro embaixador do Reino Unido para a União Europeia), entregou durante a manhã no Conselho Europeu o documento oficial que mostrava que Londres tinha cumprido todas as suas obrigações legais para sair da União Europeia, mais de três anos depois de os britânicos terem votado nesse sentido no referendo do Brexit de 23 de junho de 2016.
Após 47 anos de uma relação por vezes difícil, a saída do Reino Unido será assinalada de forma sóbria em Bruxelas, sem cerimónia oficial do retirar da bandeira britânica. Um exemplar da "Union Jack" ficará no Museu de História Europeia, em Bruxelas. Já os eurodeputados britânicos que são a favor do Brexit, liderados por Nigel Farage, têm previsto uma festa.
No sábado, 1 de fevereiro, iniciar-se-á o chamado "período de transição", até 31 de dezembro de 2020, durante o qual as duas partes UE negociarão a relação futura, e no mesmo dia, em virtude de o Reino Unido se tornar num país terceiro, abrirá a nova delegação da União Europeia no Reino Unido, que será encabeçada pelo diplomata português João Vale de Almeida.