Aviv Oreg: "Esta é a altura para um novo mapa no Médio Oriente"
Conheceu o jornalista Henrique Cymerman na realização do documentário Jihad Now, no qual entrevistaram agentes dos serviços secretos, diplomatas, imãs e terroristas. Acolaboração prosseguiu no formato de livro: O Terror entre Nós - A ameaça do terrorismo islamista ao modo de vida ocidental (Porto Editora). Está em Lisboa pela primeira vez para o lançamento da obra, que decorreu ontem no Museu das Comunicações.
O que pretende Israel que saia da guerra na Síria?
Quer segurança, basicamente. Esse é o nosso interesse principal. O problema é que a Síria colapsou e os Estados Unidos estão fora. A Rússia controla a situação e isto é algo pelo qual Israel nunca passou. Sempre contámos com o apoio dos EUA. Os iranianos - que no passado declararam querer destruir o Estado de Israel - estão no terreno e ninguém faz nada. Esta é a maior ameaça.
O regime de Bashar al-Assad continua a representar um perigo para Israel?
Nunca tivemos paz com os sírios. A situação complicada na Síria e em todo o Levante deve ser vista como uma oportunidade. O acordo Sykes-Picot de 1916 foi feito no interesse do Reino Unido e da França e ninguém olhou para os interesses das populações. Dividiram o mapa e com isso os povos e comunidades. Esta é a altura para um novo mapa no Médio Oriente que reflita os diferentes povos - e ninguém deve ter medo. Esta iniciativa deve envolver as grandes potências, os Estados Unidos, mas também a Europa. Temos os alauitas, 13%, que vivem na costa síria, temos a grande maioria de sunitas, 70%, que vivem no centro, ao longo do rio, temos os xiitas no Iraque e temos os curdos.
Essa é outra fonte de problemas. O Curdistão deve ser um país?
Sim. E antes de tudo, de um ponto de vista moral, merecem-no. Estão a combater os jihadistas, e são um povo com valores. Comecemos pelo Curdistão no Iraque e vamos ver até onde vai.
Depois teremos um conflito com os turcos.
(Risos) É espantoso. Há 15 anos, estava ainda no exército, e estive numa reunião com turcos. E só nos falavam dos palestinianos. E no final perguntámos: e os curdos? Quer o Iraque quer a Síria são artificiais.
Conseguirá Israel passar a mensagem a Moscovo?
Temos boas relações com a Rússia. O primeiro-ministro diz que tem uma relação pessoal e próxima com Putin. Cooperamos ao nível militar. Os nossos aviões de caça fazem operações na Síria e avisamos os russos de cada vez que o fazemos. Mas há duas semanas ocorreu uma mudança de tom que está a levar para um novo caminho, que ninguém sabe qual será. Como disse: os EUA não estão no terreno. Até Obama esteve, quando em 2013 exigiu que Assad destruísse as armas químicas. 96% a 97% das armas químicas foram destruídas.
Os russos não vão querer sair da região.
O seu interesse fica-se pelos alauitas que dominam a costa. Não querem saber dos outros xiitas que estão ao longo do Eufrates e do Tigre. A mudança é fazível. Mas tem de envolver os EUA e este presidente, cujas ligações à Rússia ainda não se sabem quais são.
Qual foi o objetivo do livro?
O objetivo é tentar olhar para o tema de forma diferente e acima de tudo não assustar as pessoas. Existe um problema e uma ameaça. Todos os jihadistas são menos de 0,5% de todo o mundo muçulmano, ou seja, 99,5% quer uma vida pacífica. A questão é que existem muitos muçulmanos no mundo, portanto existem 5 milhões de potenciais jihadistas. Isto é mais do que o maior exército do mundo. Acreditamos que a forma de abordá-los, ao contrário do que se fez até hoje, é abraçar os muçulmanos moderados para combatermos juntos contra os extremistas. Este é um dos pilares. O outro pilar é tolerância zero para os extremismos. Um clérigo muçulmano que diga "Viemos conquistar-vos" não pode continuar a pregar.
Qual é a maior ameaça ao Ocidente? A teoria dos mil punhais?
É a maior em termos de números. Há outra preocupação: a de um ciberataque no qual alguém se apodere de uma barragem, do sistema de um aeroporto ou de uma central nuclear. Um ataque com estas dimensões mudaria o jogo por completo. Há quatro fontes de ataques jihadistas no Ocidente. Primeiro, a Al-Qaeda e o Estado Islâmico (EI), que têm uma unidade para operações no exterior. São os mais profissionais em termos de ataques espectaculares. A Al-Qaeda não está operacional desde 2005, mudaram-se para o Iémen, junto da afiliada Al-Qaeda na Península Arábica. Esta última organização foi a responsável pelos ataques ao Charlie Hebdo. O EI é que tem feito os maiores ataques nos últimos anos: Paris, Bruxelas e Manchester. Este último é muito curioso porque foi planeado na Líbia. Desde que perdeu na Síria, o EI mudou as operações para a Líbia. Depois há os grupos locais inspirados na Al-Qaeda e no EI, e atuam tanto na península do Sinai como na Nigéria, por exemplo. Depois a grande maioria dos ataques são feitos por indivíduos tendo como base a teoria dos mil punhais. Inspirados na ideologia da jihad global realizam ataques de acordo com a sua iniciativa e capacidade. São indivíduos que não saem do país, não conhecem ninguém dos grupos terroristas, mas decidem agir. A maioria destes ataques fica-se por atirar pedras ou ir ao cemitério vandalizar campas de judeus. Em casos mais extremos, há ataques com facas ou atropelamentos de peões, como aconteceu em Nice.
E qual é a quarta fonte de ataques?
Entre as operações especiais dos grupos terroristas e os indivíduos neles inspirados, há ainda algo que fica a meio dos dois. Indivíduos do Daesh que procuram indivíduos na internet com um perfil certo para serem radicalizados. Nunca se conhecem pessoalmente, é tudo feito na internet, e seguem-nos até ao último minuto antes do ataque. Por vezes fornecem-lhes o acesso a explosivos ou armas. Vimos este padrão na Alemanha, em França, e cremos que o ataque em Barcelona, no verão passado, foi conduzido desta forma. Uma grande percentagem de todos os jihadistas, 25%, são convertidos ao islão. O processo de radicalização não se faz de um dia para o outro, leva tempo, na maior parte dos casos dois a três anos. E durante o processo são dados muitos sinais que podem ser interpretados se soubermos o que estamos a procurar: o comportamento, o vestuário, às vezes a barba. E os primeiros que devem agir são os outros muçulmanos.
O papel das mesquitas é fundamental.
Sim. Quando estive em Berlim com o Cymerman na rodagem de Jihad Now conhecemos um imã que andava pelas ruas a falar com os muçulmanos, a convencer os jovens a não partirem para a Síria. "Aquilo não é o islão", dizia.
O que aprendeu ao fazerem o programa de TV Jihad Now?
Tinha um palpite, mas não imaginei que houvesse tantos muçulmanos que queiram juntar-se à luta contra os jihadistas. Outra coisa que me surpreendeu foi que o Ocidente não estava à espera. Como é possível, após décadas a declararem-lhe guerra? Os britânicos tinham um pacto com os muçulmanos: façam o quiserem desde que não haja sangue aqui. Até que foram surpreendidos com o ataque de 2005. Só depois é que tomaram algumas medidas.
E o cibercontrolo?
Depende... Sabe o que fazem nos EUA? Um miúdo de 15 anos foi ao Google e por curiosidade escreveu jihad. Fizeram-lhe uma emboscada e prenderam-no. A resposta não pode ser esta. Quando um jovem procura este tipo de informação deve ser encaminhado para o imã, que o educa que aquele não pode ser o caminho. Só se este passo falhar é que se deve recorrer a condenações e eventualmente à prisão. Outro problema é que os familiares não sabem o que fazer. Conheci muitos muçulmanos que viram os filhos radicalizarem-se e não atuaram porque pensaram que se fossem à polícia o filho acabaria por ser condenado à prisão. Nenhum pai ou mãe quer isso. E há um caso em França de um pai que recorreu à polícia, o filho esteve dois anos preso e saiu da prisão ainda mais radicalizado.
O clima político na Europa e nos EUA não ajuda. Não há um perigo de alienar os muçulmanos?
Concordo totalmente. A Al-Qaeda tem uma ideologia e uma cronologia que não é controlável. Começou com o 11/9, com o que Bin Laden chamou de "despertar muçulmano". O próprio disse que após a Al-Qaeda alguém continuaria. Outro marco importante dessa cronologia é o tomar consciência, por parte dos muçulmanos, de serem jihadistas. E isso em resultado do crescente antagonismo por parte das pessoas de outras religiões. Deixa de haver médicos muçulmanos, artistas muçulmano, futebolistas muçulmanos, são todos terroristas. E nos últimos anos, com a deriva à direita... Quando Trump foi eleito os jihadistas celebraram. O objetivo final dessa cronologia é uma terceira guerra mundial, entre muçulmanos e não-muçulmanos. O nosso objetivo não é ganhar a guerra, é preveni-la.
Mencionou o Iémen e a Líbia como os novos centros operacionais da Al-Qaeda e do EI. Serão os próximos locais de conflito jihadista?
Após o Iraque e a Síria vão procurar novos lugares. Os dois factores principais são a localização e o caos. Querem estar junto ao coração do Médio Oriente, estiveram no Afeganistão e conseguiram fazer o seu trabalho, mas querem estar mais perto. E querem estar num estado sem lei. Apesar de haver uma grande organização no Sinai, os egípcios estão a dar luta. Por isso pensamos que o Iémen é mais atrativo, mas a Líbia também tem as duas características.
Num capítulo dedicado a Portugal, concluem que a passividade da segurança pode levar à transferência de operações para cá. O governo deve fazer mais?
Sim. Propomos a criação de uma entidade que envolva as comunidades locais e autoridades que monitorizem, uma conjugação de serviços de informação e policiais. Se ignorarmos o que se passa um ataque acabará por acontecer e não sabemos a sua origem.
O jihadismo pode ser derrotado?
Acredito que um dia será derrotado, sim. Vai levar tempo. Quando era miúdo o comunismo tinha uma enorme força, os grupos terroristas na Europa eram de esquerda. O comunismo durou 70 anos, talvez o jihadismo dure outro tanto. Até lá vai continuar a haver muito sangue, muitas crises e muito sofrimento humano.
Aviv Oreg
» Nasceu em Israel em 1962.
» Especializado em contraterrorismo, reformou-se do exército em 2007, como major no serviço de informações militar.
» É co-autor do livro The Global Jihad Movement .
» Fundou e gere a CeifiT (Civil Effort in Fighting International Terrorism), empresa de consultoria procurada por empresas, governos, organizações policiais e militares.