"Assustador" para os vizinhos, Bouhlel não tinha ficha terrorista

Tunisino de 31 anos vivia desde 2015 em Nice e estava separado da mulher. Era conhecido da polícia, mas por crimes comuns

A identidade do autor do ataque de Nice não foi difícil de confirmar. No interior do camião, as autoridades encontraram o bilhete de identidade de Mohamed Lahouaiej Bouhlel, um tunisino de 31 anos, ao lado da arma que usou na troca de tiros com os polícias que o conseguiram finalmente travar, depois de ter morto 84 pessoas e deixado duas centenas de feridos ao longo de quase dois quilómetros no Passeio dos Ingleses. Mais difícil está a ser descobrir os motivos do ataque, com o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, a garantir contudo que "sem dúvida que está relacionado com terrorismo islâmico".

Motorista de pesados por conta própria, Bouhlel trocou Msaken (120 km ao sul de Tunes) por Nice em 2005, depois de se ter casado. Tinha autorização de residência. Pai de três filhos, segundo as autoridades tunisinas, estava separado da mulher há cerca de dois anos, depois de alegada violência doméstica. A ex-companheira foi ontem detida pela s autoridades francesas, que estão à procura de eventuais cúmplices. No prédio onde vivia (a sua casa foi alvo de buscas), os vizinhos dizem que Bouhlel era uma pessoa "solitária" e "silenciosa", que não parecia uma pessoa religiosa.

"Diria que ele era alguém que agradava às mulheres. Mas era assustador. Não tinha um rosto assustador, mas um olhar. Ficava a olhar para as crianças muito tempo", contou uma dessas vizinhas, Hanan, à AFP. Já Anthony, um amigo de Bouhlel, disse ao jornal L"Alsace que ele era "simpático, reservado e atencioso". Ainda incrédulo, acrescentou: "Bebia álcool e dizia "não gosto muito dos árabes porque eles estragam a nossa imagem". Quanto à religião, não ligava nenhuma". No Facebook, só é visível uma fotografia.

Ligação terrorista

A investigação está a cargo da secção antiterrorista da Procuradoria de Paris. O procurador François Molins disse que o objetivo é tentar descobrir se Bouhlel tinha cúmplices e "ligações a organizações terroristas islâmicas", lembrando que apesar de o atentado de Nice não ter sido ainda reivindicado "encaixa perfeitamente com os apelos dessas organizações terroristas".

Numa mensagem áudio, divulgada em 2014, o porta-voz oficial do Estado Islâmico, Abou Mohammed al-Adnani, encorajava os "soldados do califado" a utilizar qualquer arma que tivessem disponível. "Se não puderem acionar uma bomba ou disparar uma arma (...) atirem-lhes com o vosso carro", afirmava. Apesar de o ataque não ter sido reivindicado, nas redes sociais os apoiantes do Estado Islâmico congratularam-se com o número de mortos em Nice.

Desconhecido dos serviços de informações e sem ficha por suspeita de terrorismo, Bouhlel era contudo conhecido da polícia por crimes comuns. Tinha sido condenado uma única vez, em março, por causa de uma agressão numa discussão no trânsito em janeiro. "O terrorista responsável pelo atentado de Nice é o que me agrediu com um taco de baseball... Devia ter cumprido seis meses de prisão... Onde está a justiça? O mundo é pequeno, por isso parem de deixá-los a passear", escreveu no Facebook a sua vítima, Jean-Baptiste Ximenes.

O ataque começou por volta das 22.30, pouco depois do fogo de artifício, com o camião a percorrer quase dois quilómetros na Promenade des Anglais

Segundo o ministro da justiça francês, Jean-Jacques Urvoas, como era a primeira condenação, Bouhlel apanhou seis meses com pena suspensa, com a obrigação de contactar a polícia uma vez por semana. Urvoas disse que ele o fazia. O advogado de Bouhlel, Corentin Delobel, afirmou à France TV que ele "não parecia inquieto" e que "não queria acreditar" quando soube que era ele o responsável pelo ataque de Nice.

"Quando o defendi em março ele não tinha problemas psicológicos aparentes, nem tinha ar de radicalizado. Não tinha nem o aspeto barbudo muito religioso, nem o perfil de um assassino em massa", afirmou o advogado. "Mas não foi nada fácil de defender, porque não respeitava a polícia ou a justiça. Era calmo, despreocupado, descontraído. Nada o parecia atingir", concluiu.

Na Tunísia

As autoridades tunisinas estão também a interrogar os familiares de Bouhlel em Msaken, que o suspeito visitou a última vez há quatro anos. A localidade fica a 10km de Sousse, onde há um ano um atirador matou 38 turistas. Tunes desconhece qualquer ligação do suspeito a grupos terroristas. Ontem, à Reuters, o irmão Jabeur ainda dizia duvidar da culpa de Bouhlel: "Porque é que o meu irmão faria algo assim?"

Bouhlel alugou a 11 de julho o camião frigorífico branco de 19 toneladas, em Saint-Laurent-du-Var, próximo de Nice. O ataque começou por volta das 22.30, pouco depois do fogo de artifício, com o camião a percorrer quase dois quilómetros na Promenade des Anglais e a contornar uma barreira de segurança, seguindo pelo passeio. A certa altura, como havia obstáculos, teve que voltar para a estrada.

Bouhlel foi travado numa troca de tiros com três polícias, que começou perto do hotel Negresco e terminou 300 metros depois, junto ao hotel Palácio do Mediterrâneo. Um civil também tentou subir para o habitáculo e travar Bouhlel, que respondeu com tiros. Havia mais de 50 marcas de tiros no camião. No interior do veículo havia várias armas e granadas, mas todas falsas, além do bilhete de identidade, do telemóvel e de um cartão de crédito.

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