As estudantes feministas que lutam pela democracia na Tailândia
Palco de gigantescas manifestações de jovens a exigir democracia desde janeiro, o país vai ver mais uma nesta quarta-feira. Na primeira fila estará Panusaya, de 21 anos, e várias outras jovens que exigem menos poderes para o rei e igualdade de género.
Na Tailândia, a lei permite condenar a 15 anos de prisão quem "difamar, insultar ou ameaçar" o rei, a rainha ou o herdeiro. Mas Panusaya Sithijirawattanakul decidiu arriscar. Perante milhares de pessoas, a estudante de 21 anos leu uma lista de dez exigências: reformas que diminuam o poder e a riqueza do monarca; que este não volte a validar golpes de Estado; que deixe de ser proibido criticá-lo.
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Foi em agosto, e Panusaya, apesar de indiciada pelo crime de sedição (que implica até sete anos de prisão) - não de difamar o rei, o qual terá decidido que não deve haver acusações nesse sentido -, voltou à carga no final de setembro, quando ocorreram mais manifestações. Não só repetiu o que tinha dito antes como entregou as exigências do movimento estudantil aos guardas do palácio real. E dirigiu-se diretamente ao rei no seu discurso: "Sou uma pessoa do povo, que talvez veja como pó sob os seus pés. Mas quero dizer-lhe que poeira como nós tem direitos e voz."
Nesta quarta-feira, os estudantes, que usam um gesto copiado da saga The Hunger Games/Jogos da Fome - três dedos erguidos -, como símbolo da luta pela democracia, voltam à rua, depois de 21 membros do movimento que estavam a juntar-se na noite de terça na zona do protesto serem presos e de grupos lealistas terem anunciado uma contramanifestação. Estes acusam Panusaya e os outros líderes do movimento de odiar a Tailândia e de serem marionetas de interesses ocultos e até de poderes estrangeiros. "A nação não é a monarquia. A nação é o povo, as pessoas. Portanto, não odiamos a nação como eles dizem", responde a jovem universitária, que está a tirar Sociologia, ao jornal britânico The Guardian. Quanto à ideia de que está a ser manipulada ou dirigida "de fora", é-lhe igualmente ridícula: "Até a minha mãe é incapaz de me manipular. Quem poderia fazê-lo?"
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Acrescenta que os pais bem tentaram convencê-la a não se meter em sarilhos. "Tinham medo de que fosse presa e agredida." E certo é que está sob ameaça de ser julgada por sedição e por ter violado as regras de prevenção da pandemia para participar em ajuntamentos. Por outro lado, foi denunciado que nove dissidentes tailandeses no exílio desapareceram nos últimos anos. Aliás, observadores creem que os estudantes tanto podem conseguir reformas através da pressão que têm vindo a exercer sobre o governo e a monarquia como ser alvo de repressão violenta pelos militares.
Mulheres em maioria nas manifestações
Mas, numa monarquia em que só um homem pode ascender ao trono, os conselheiros do rei são todos homens, os golpes de Estado dirigidos por militares - homens - são uma constante há quase 90 anos e o clero budista, exclusivamente masculino, tem muito poder, a irrupção de jovens mulheres na cena política como caras dos protestos por democracia é em si uma quase revolução.

Panusaya faz o gesto dos três dedos numa manifestação pró-democracia em Banguecoque a 20 de setembro.
© SuwanRumpha/AFP
Ao mesmo tempo que exigem uma reforma constitucional, estas raparigas lutam por alterações na lei do aborto, protestam contra o alto preço dos produtos menstruais e denunciam regras escolares que obrigam as raparigas a vestir de uma certa forma e a conformarem-se a um determinado tipo de "feminilidade".
"A monarquia e os militares têm o poder na Tailândia", disse Panusaya ao The New York Times no final de setembro. "Não devemos ter medo de dizer que os homens têm quase todo o poder no país." Já Chumaporn Taengkliang, ativista feminista e LGBTI, que é uma das fundadoras da ONG Women for Freedom and Democracy, uma aliança política que tem estado nas manifestações, garante que "as mulheres não vão no banco de trás. Estamos na linha da frente".
A quantidade de mulheres e raparigas nos protestos foi confirmada pelo NYT num artigo publicado a 24 de setembro: "Muitos dos mais notórios e vocais organizadores das manifs são raparigas estudantes. E nos protestos mais recentes as mulheres pareciam ser a maioria dos participantes."
Jutatip Sirikhan, outra jovem estudante universitária entrevistada pelo NYT que foi detida em setembro por participar nos protestos, proclama a inovação: "Os anteriores movimentos pró-democracia eram formados quase exclusivamente por homens. Até agora, a Tailândia não tinha tido um movimento político a lidar com as questões de género."
"Destruir a superioridade estrutural do homem"
Mas o primeiro-ministro em funções, o general Prayuth Chanocha, que liderou o golpe de Estado em 2014 e se manteve no lugar após as eleições de 2019 (em relação à lisura das quais os manifestantes têm dúvidas), não esconde a sua oposição à igualdade de género: "Dizem que temos de instaurar justiça e que os homens e as mulheres têm de ter direitos iguais", disse num comício em 2016. "Porém, a sociedade tailandesa iria deteriorar-se se pensássemos desta forma." As mulheres já mandam em casa, acrescentou. "Fora de casa, somos [os homens] grandes. E no trabalho temos o poder."

© Lillian Suwanrumpha/AFP
Prayuth já disse que poderia atender a algumas das exigências no que respeita à Constituição, mas que a monarquia não devia ser criticada. Quanto ao rei, Maha Vajiralongkorn, de 68 anos, que ascendeu ao trono em 2016, após a morte do pai, e passa grande parte do tempo na Alemanha, nada disse até agora em relação aos protestos.
As mulheres são apenas 14% dos deputados e tem havido até passos atrás em termos de igualdade: depois de a academia de polícia ter estado aberta a candidatas femininas, passou a interditá-las de novo no ano passado. E o monarca já teve quatro mulheres, duas das quais repudiou, tendo recuperado uma figura, a da "consorte real" - a "concubina oficial" - que fora extinta desde o fim da monarquia absoluta, em 1932. A qual repudiou também em 2019, acusando-a de "deslealdade", para em setembro passado a ter "reintegrado", sem explicar porquê.
Numa das últimas manifestações, a ativista feminista e LGBTI Chumaporn dirigiu-se à multidão, pedindo autorização para acrescentar mais um ponto à lista de dez exigências: "Destruir a superioridade estrutural do homem na monarquia."
Organizações de defesa dos direitos humanos têm denunciado as tentativas das autoridades de conter os protestos quer prendendo manifestantes e seus líderes quer exercendo pressão nas universidades e junto dos pais para que estes por sua vez convençam os estudantes a não continuar. O Facebook foi solicitado a bloquear conteúdos desfavoráveis à família real, incluindo uma página que tinha um milhão de participantes. Mas o criador da mesma, Pavin Chachavalpongpun, um crítico da monarquia exilado, já criou outra que excedeu o número de membros da anterior.
"O que os estudantes dizem hoje, se fosse dez anos antes ia tudo preso", disse ao NYT, aquando da manifestação de setembro, um antigo ativista. "Mas hoje não se atrevem a prendê-los."