A vida secreta da tia de Kim Jong-un nos Estados Unidos
Mudou fraldas ao líder da Coreia do Norte mas, em 1998, desertou com o marido. Foram acolhidos pela CIA, que lhes deu 200 mil dólares.
"Ele não era problemático, mas era intempestivo e tinha pouca tolerância", diz Ko Yong Suk, 60 anos, acerca do líder da Coreia do Norte. É tia dele, irmã da mãe, e cuidou dele na infância, até que em 1998 decidiu desertar com o marido para os Estados Unidos, onde vive uma vida secreta desde então. Quebrou agora o silêncio, para uma reportagem do Washington Post, mas pediu ao jornal para não revelar os nomes pelos quais ela e o marido são agora conhecidos ou o local onde vivem.
"Não há nada que possamos invejar", diz Ko Yong Suk, satisfeita com a vida que leva nos Estados Unidos há 18 anos. Os três filhos, com 23, 29 e 32 anos, andaram em boas escolas - têm agora sucesso profissional - e tiveram uma vida sem grandes dificuldades. "Acho que alcançámos o sonho americano", comenta o marido, Ri Gang.
O casal gere um negócio de lavagem de roupa a seco. "A única coisa que podia fazer sem falar a língua era tratar da roupa", diz a tia do líder norte-coreano, que apesar de estar há quase duas décadas nos Estados Unidos ainda só fala o inglês básico. O marido, que tem um inglês mais fluente, trabalhava nas obras e fazia pequenos consertos e Ko Yong Suk sentia-se frustrada por não poder ajudar.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Vivem a algumas horas de viagem de Nova Iorque, numa casa de dois pisos - comprada parcialmente com os 200 mil dólares que a CIA lhes deu à chegada -, têm dois carros, uma televisão grande, grelhador no quintal, descreve a reportagem. Vão de férias a Las Vegas e, há dois anos, foram à Coreia do Sul.
E apesar de já não terem contacto com Kim Jong-un há quase 20 anos continuam a ser uma fonte de informação. Segundo contam, às vezes recebem visitas de agentes dos serviços secretos que lhes levam fotografias de norte-coreanos para identificarem.
Ko Yong Suk é irmã de Ko Yong Hui, que foi casada com Kim Jong Il e que é mãe do atual líder da Coreia do Sul, Kim Jong-un. Tomou conta dele em criança, nomeadamente na Suíça, onde este estudou. Foi para Berna em 1992 com Kim Jon Chol, o irmão mais velho de Kim Jong-un, que só chegaria em 1996, com 12 anos.
"Vivíamos numa casa normal e agíamos como uma família normal. Eu era como a mãe deles. Eu encorajava-os a trazer os amigos a casa pois queríamos que tivessem uma vida normal. Eu fazia doces para os miúdos. Eles comiam bolos e brincavam com legos", conta ao Washington Post.
Em casa falavam coreano e comiam comida da Coreia, mas iam passear à Euro Disney, fazer ski nos Alpes suíços, nadar na Riviera francesa ou conhecer Itália.
Segundo conta, Kim Jong-un adorava jogos e mecânica, tentava perceber como é que os navios flutuavam e os aviões voavam. "Ele não era problemático, mas era intempestivo e tinha pouca tolerância", diz. O líder da Coreia do Norte começou a jogar basquetebol porque a mãe lhe disse que ficaria mais alto se o fizesse. Tornou-se obcecado pela modalidade e grande fã de Michael Jordan. "Costumava dormir com a bola de basquete".
Publicamente, apenas em 2010 foi anunciado como o sucessor do pai, mas a tia percebeu em 1992 que isso iria acontecer, na festa do oitavo aniversário de Kim Jong-un: a criança recebeu um uniforme de general decorado com estrelas e os verdadeiros generais começaram a saudá-lo daí em diante.
"Era impossível ele crescer como uma pessoa normal quando as pessoas à volta dele o tratavam assim", comenta Ko Yong Suk.
Em 1998, a irmã descobriu que tinha cancro da mama e submeteu-se a tratamentos na Suíça e em França. Segundo Ko Yong Suk e o marido, a doença da mãe de Kim Jong-un, o elo do casal ao regime, terá estado na base da decisão de ambos desertarem para os Estados Unidos. Mas, lembra o Washington Post, há quem acredite que a verdadeira razão da mudança foi o receio de perder privilégios quando deixassem de ser necessários para o regime.
Ko Yong Suk tem saudades da terra-natal, mas não quer voltar. E também não quer que o marido volte. Mas Ri Gang sonha vir a fazê-lo: ainda é simpatizante do regime e está a tentar obter aprovação para visitar Pyongyang. Acredita até que poderá vir a ser um intermediário nas negociações entre os EUA e a Coreia do Norte. "Se Kim Jong-un é como me recordo, poderei encontrar-me com ele e falar com ele", diz.