A Europa de Juncker: uma velocidade, um presidente, uma moeda

Presidente da Comissão Europeia defende alargamento aos Balcãs. Por outro lado, a Turquia está cada vez mais longe

O presidente da Comissão Europeia usou ontem o discurso do estado da União para mostrar qual é a sua visão para o futuro da Europa, cada vez mais unida, e passando uma mensagem de otimismo sobro o momento que agora se vive. Foram 70 minutos, em inglês, francês e alemão, que no final deram direito a que Jean-Claude Juncker recebesse uma ovação de pé de quem estava no Parlamento Europeu. "Dez anos desde que a crise nos atingiu, a Europa está finalmente a recuperar. E, com ela, a nossa confiança. Os nossos 27 líderes, o Parlamento e a Comissão estão devolver a Europa na nossa União. Juntos, estamos a devolver a Europa à nossa União", afirmou o luxemburguês.

"Quando olhamos para este discurso vemos uma forma de olhar para o futuro, para 2025, para aquilo que Juncker gostaria que a Europa fosse nessa data", disse ao DN Ana Isabel Xavier, professora e investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL). "O que Juncker pretende dizer é que a Europa deve permanecer unida do ponto de vista institucional e que com esta União Europeia e com estes tratados é possível proceder a alterações em benefício da União, a favor de uma lógica supranacional e em detrimento de uma gestão em que os Estados mais fortes sejam quem efetivamente manda na União Europeia", sublinhou Filipe Vasconcelos Romão, professor de Relações Internacionais na UAL e no ISCTE.

Governo Liderado por um só presidente

"A Europa funcionaria melhor se fundíssemos os presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu. (...) A Europa seria mais fácil de entender se um capitão estivesse ao leme do navio. (...) Ter apenas um presidente refletiria melhor a verdadeira natureza da nossa União Europeia, tanto como uma união de Estados como uma união de cidadãos." Esta é a proposta apresentada ontem por Jean-Claude Juncker, que pretende assim acabar com o cargo de presidente do Conselho Europeu, mas passá-la à prática não será fácil.

"A ideia de Juncker, na sua essência, não é negativa. A ideia é desburocratizar a União Europeia e fazer que os assuntos que, de alguma forma, dizem respeito ao futuro da Europa não estejam tão deslocalizados, e que era importante haver uma figura que centralizasse os assuntos de tal forma que não parecesse existirem vozes dissonantes", referiu Ana Isabel Xavier. "A ser implementada precisa desde logo de uma revisão dos tratados, porque vai alterar o funcionamento das próprias instituições comunitárias. Para haver uma reformulação dos tratados é preciso haver aprovação de todos os Estados membros da União Europeia, mas já há vozes dissidentes em relação a essa matéria", prosseguiu a académica.

Euro Superministro e uma moeda única

A ideia de existir uma espécie de superministro das Finanças e Economia não é nova, mas Juncker voltou ontem a apresentá-la, defendendo que este cargo deve ser ocupado pelo vice-presidente da Comissão com esta pasta, que também passará a presidir ao Eurogrupo. A par disso, e na sua cruzada por uma Europa a uma velocidade, o luxemburguês disse querer que o euro "seja mais do que a moeda de um grupo selecionado de países", mas sim a moeda de todos os Estados membros.

"Essa proposta do ministro das Finanças e da Economia europeu é um aspeto que é tangível, é algo que é possível num prazo relativamente curto", declara ao DN Filipe Vasconcelos Romão, que mostra uma visão diferente no que diz respeito ao euro para todos. "Acho que esta é a componente mais utópica e mais provocatória do discurso do Juncker. Continua a haver muitas reticências por parte dos Estados, mesmo os que estão dentro da zona euro, quanto mais os que não estão, em relação à moeda única."

Schengen Menos fronteiras e mais países

"Se queremos fortalecer a proteção das nossas fronteiras externas então temos de abrir o espaço Schengen à Bulgária e à Roménia imediatamente. Deveríamos também permitir que a Croácia se torne um membro pleno de Schengen assim que cumpra todos os critérios", declarou o presidente da Comissão Europeia, que referiu que o bloco deve manter uma perspetiva de alargamento aos países dos Balcãs.

Para a professora e investigadora do Centro de Estudos Internacionais, "esse alargamento a leste tem de exigir a esses Estados que venham a aderir que façam a sua adesão em pleno, ou seja, não podemos continuar a ter Estados que tenham cláusulas de exceção, como se existissem Estados membros de primeira e de segunda".

Comércio Novas acordos na mira

Jean-Claude Juncker anunciou ainda a intenção de abrir negociações comerciais com a Austrália e com a Nova Zelândia, sublinhando que "parceiros por todo o mundo começaram a fazer fila à nossa porta para concluir acordos comerciais connosco", mas deixando claro que a Europa defenderá sempre "os seus interesses estratégicos".

Na opinião deste professor de Relações Internacionais na UAL e no ISCTE, esta linha de pensamento é uma forma de "tentar aproveitar a oportunidade, que é muito negativa em vários aspetos, da presidência de Donald Trump, do protecionismo à economia norte-americana e de algum receio de que os parceiros comerciais estão a ter, demonstrando que há aqui um espaço europeu com um potencial grande do ponto de vista comercial".

Vizinhos Críticas fortes à Turquia

A Turquia, parceiro da União Europeia na crise dos refugiados e candidato a Estado membro do bloco há três décadas, recebeu ontem tudo menos palavras elogiosas por parte de Jean-Claude Juncker, que pediu a libertação dos jornalistas detidos pelo regime de Ancara. "Já há algum tempo que a Turquia tem dado passos de gigante para longe da União Europeia", sublinhou o líder comunitário.

"A União Europeia acaba por ter uma posição contraditória, quase esquizofrénica em relação à Turquia. Por um lado, quando lhe convém, pede à Turquia para que esta bloqueie a entrada de refugiados no espaço europeu. Por outro lado, é crítica com um regime que claramente vive uma deriva autoritária neste momento", defendeu ao DN Filipe Vasconcelos Romão. "Nesse sentido, a União Europeia não tem margem de manobra, mesmo que quisesse aceitar o país como membro, do ponto de vista dos tratados e de normas para a adesão de novos Estados membros."

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