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27 junho 2022 às 18h09

O adeus a António Ribeiro Ferreira, antigo diretor adjunto do DN

Integrou a direção do Diário de Notícias entre 1996 e 2003. Morreu aos 73 anos. Funeral será esta sexta-feira (dia 1).

DN

A verve irreverente e contestatária que praticou nas lutas estudantis antifascistas e no Movimento da Esquerda Socialista (MES), de que foi um dos fundadores nos meses seguintes ao 25 de abril, transportou-a ao longo de toda uma vida dedicada ao jornalismo, onde António Ribeiro Ferreira se destacou como um jornalista "inteiro", de "enorme coragem", "alma de repórter" e uma "força viva na redação", de onde era geralmente o último a sair nos tempos em que os jornais fechavam já de madrugada, depois de um dia em que podia intercalar o grito fácil com a mais humana e sonora gargalhada. No Diário de Notícias, foi diretor-adjunto, entre 1996 e 2003, integrando a direção de Mário Bettencourt Resendes, num dos melhores períodos da história do jornal. António Ribeiro Ferreira morreu esta segunda-feira (27 de junho), aos 73 anos, vítima de doença oncológica.

Esta sexta-feira (1 de julho) haverá uma missa do corpo presente, às 09.00, na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa,. O funeral será às 13.30 no cemitério do Alto de São João.

"Ele vinha da escola de O Independente, onde a irreverência era a norma. Quando entrou para adjunto do Mário [Bettencourt Resendes], essa irreverência teve que ser algo controlada, mas nunca foi apagada, tendo surpreendido a redação com várias capas diferentes para o que o jornal estava habituado", recorda João Céu e Silva, na altura editor da Sociedade no DN, cargo no qual vivenciou de perto o estilo "aguerrido e incansável" de Ribeiro Ferreira. "Ele chegava ao jornal cedo e começava logo a pensar na manchete. Quando eu chegava ele já sabia o que queria e o que tínhamos de desenvolver", recorda, lembrando o antigo diretor-adjunto do DN como um homem de "convicções fortes", que "não gostava de ser contrariado", mas que "sabia render-se aos argumentos válidos" dos outros.

"Quando achávamos que não tinha razão, o que não era frequente, tínhamos de ter argumentos para provar que estávamos certos. E quando assim era ele aceitava. Não era pessoa de relações difíceis, pelo contrário. Era de trato pessoal muito fácil. Não era o diretor clássico em que tínhamos de bater à porta para entrar no gabinete. Aliás, a porta dele estava sempre aberta. E fez absoluta questão de ficar no meio da redação, enquanto o Mário ficava mais reservado. Ele era o operacional daquela direção. E era um acérrimo defensor do jornal. Queria fazer jornalismo e queria que o DN vendesse jornais", conta Céu e Silva.

"Do Ribeiro Ferreira existem milhares de histórias, como algumas que ele viveu quando foi à guerra do Iraque. Sim, porque ele também lá foi. Fazia questão de ir para a frente das batalhas. E na redação contávamos sempre com ele. Ele fazia a nossa retaguarda", recorda.

"Antes de mais perdi um amigo, e um amigo daqueles que é um amigo fraterno", diz José António Santos, que foi editor-executivo no Diário de Notícias na época de Ribeiro Ferreira. "Retenho a imagem de um camarada admirável, por um lado pela dimensão humana, por outro pela devoção e excelência profissional. O DN deve-lhe muito, deve muito ao seu entusiasmo, às vezes nalguns excessos, mas até nos seus excessos era admirável", conta o também antigo jornalista do DN, salientando a "coragem" de Ribeiro Ferreira "no dia-a-dia da redação" e a postura de "doa a quem doer, vamos em frente". "Era um jornalista inteiro, com grande sentido ético e de lealdade".

"Foi a época de ouro do DN na segunda metade do séc XX", acrescenta José António Santos. "O grande sucesso editorial é conseguido com essa direção do Mário Bettencourt Resendes e isso também se deveu muito ao Ribeiro Ferreira", sublinha.

Maria de Lurdes Vale, coordenadora da equipa de Turismo da embaixada de Portugal em Espanha, que foi editora de política e editora-executiva no DN, lembra o "motivador que tinha aquela capa áspera de pessoa dura, cáustica, ácido nos seus editoriais, mas era um ser humano extraordinário, próximo, interessado nas pessoas e muito motivador. Era a pessoa que punha o motor da redação a trabalhar até ir embora, às tantas da noite, era o último a sair, com a sua forma carrancuda, de cigarro sempre na mão, mas sempre capaz de nos surpreender com aquela gargalhada sonora mesmo nas alturas mais difíceis".

Nascido em Lisboa, António Ribeiro Ferreira formou-se em engenharia no Técnico, experimentou então a agitação política do pós-25 de abril no MES, onde foi companheiro, entre outros, do ex-presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues, mas vingaria a sua vocação jornalística. Confessou mais tarde, nas páginas do jornal I, que foram as cheias de 1967, que mataram centenas de pessoas na zona da grande Lisboa, que o fizeram mudar de rumo e decidir que queria ser jornalista.

Começou o percurso nas redações pelo semanário O Tempo, em 1978, e passou rapidamente a chefe de redação. Esteve depois no semanário Liberal, com Maria João Avillez, e em 1989 integrou, como redator de fecho, o Diário de Lisboa, na equipa de Mário Mesquita e Diana Andringa. Saiu em 1990 para ingressar na equipa de O Independente, convidado por Paulo Portas, onde esteve até 1996 e onde foi chefe de redação, antes de se mudar, em outubro desse ano, para o Diário de Notícias. Na redação da Avenida da Liberdade permaneceu até 2003. Passaria ainda pelo Correio da Manhã, onde foi redator principal, e posteriormente pelo jornal I, onde foi diretor e ocupou outros cargos de chefia até se aposentar.

Nas palavras de José António Santos, "o jornalismo perdeu um grande jornalista e o Diário de Notícias perdeu um dos seus melhores".

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou hoje a morte de António Ribeiro Ferreira, que classificou como "figura incontornável do jornalismo que tanto elevou a classe ao longo da sua vida profissional".

Numa nota colocada na página da Presidência na Internet, apresenta ainda à família do jornalista as suas "mais sentidas condolências".