O espetáculo vai ao bairro para dar palco
"O Bairro no Palco é mais um projeto de intervenção social do Chapitô. Vão dar aulas na antiga Curraleira, para ajudar mais novos e mais velhos através da arte.
O circo e o teatro vão aos bairros da Quinta do Lavrado e do Horizonte, antes conhecidos como a Curraleira. Ficam na Penha de França, em Lisboa, e o objetivo é trabalhar com a população mais vulnerável tendo em vista a sua inclusão na sociedade. É mais um projeto do Chapitô na área social, a que deram o nome de O Bairro no Palco. As inscrições para quem quer participar estão abertas. No final, é no palco que se vão encontrar professores, artistas, jovens e menos jovens, num grande espetáculo das duas comunidades.
"É um projeto financiado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e que parte de uma ideia simples, mas poderosa: o espetáculo tem um papel estruturante na autoestima de pessoas que normalmente são identificadas como vulneráveis e vistas pelas suas não competências", explica Américo Peças, assistente para as questões sociais e educativas do Chapitô. Sublinha que essas pessoas estão numa situação de vulnerabilidade por questões culturais, económicas e, também, etárias.
Os bairros da Quinta do Lavrado e Horizonte ficam nas Olaias, numa zona conhecida no século passado por Curraleira e que já foi denominada de "supermercado de droga". Má fama, e muitos problemas sociais, que têm vindo a ser combatidos com intervenções habitacionais, sociais e culturais, também pela mudança do nome.
Estão numa situação particular de vulnerabilidade os mais novos e os mais velhos, os grupos com quem o Chapitô se propõe trabalhar. O projeto foi aprovado pela CML em novembro, no âmbito do programa BipZip - Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa, que vai na décima edição. Elegeram 37 propostas, no valor total de 1,6 milhões de euros, e que "assentam no reforço da empregabilidade, na educação e no apoio direto às comunidades e grupos vulneráveis pela cidade". A ação da escola de circo recebe uma comparticipação de 47 850 euros.
Pontes entre gerações
A proposta da associação cultural e educativa é que os mais novos participem em ateliês de artes circenses e os mais velhos se envolvam no teatro. Os folhetos informativos para as pessoas se inscreverem começaram a ser distribuídos na semana passada, numa arruada de cariz cultural e social. Esperam atrair as gentes do bairro, para tudo arrancar quando este novo período de confinamento acabar.
O projeto O Bairro no Palco vai até 5 de setembro, com duas sessões semanais. Dirige-se aos jovens entre os 14 e os 19 anos e que poderão aprender artes circenses, particularmente o equilibrismo e o malabarismo. Os melhores têm acesso a uma bolsa de estudo. Aos seniores são propostas aulas de introdução ao teatro: expressão dramática e movimento.
Os dois grupos encontram-se todos os meses para partilhar experiências. "É uma forma de se conhecerem e de irmos construído pontes, porque vão construir um espetáculo final em conjunto", diz Américo Peças. Todas as atividades se irão realizar em estruturas da freguesia da Penha de França.

Ação de sensibilização nos bairros. Estão abertas as inscrições
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Cada grupo é constituído por 20 pessoas, o que não significa que todos terminem a formação a atuar para uma plateia. A ideia é fornecer competências numa área artística alargada, nomeadamente na montagem e na parte técnica inerente a um espetáculo.
Todo o programa tem vindo a ser desenvolvido em cooperação com as associações já existentes nos bairros, o que também facilita a adesão dos membros das duas comunidades. Os próximos tempos serão para perceber quais as dinâmicas que melhor funcionam com as duas comunidades, por exemplo, ver se os ateliês são separados ou se se juntam as duas populações.
Vertente social e educativa
O Chapitô é um espaço de apresentação de espetáculos, um bar e um restaurante, uma escola de artes circenses, mas tem, também, uma vertente social e educativa importante. São muitas as ações desenvolvidas junto de centros educativos e de inserção para jovens que praticaram crimes.
"Esta componente social faz parte do ADN do Chapitô, logo nos anos 1970 , quando a Teresa Ricou o criou", diz Américo Peças. Defendem que "as artes são instrumentos de superação humana, promotoras da melhor cidadania. O Chapitô antecipou o que é hoje um dado adquirido na educação: as artes ajudam ao desenvolvimento de competências consideradas fundamentais para a cidadania".
Teresa Ricou é a presidente da direção do Chapitô. Formou-se na Escola de Circo da Hungria, em Budapeste, também estudou na Escola de Mímica Jean Jacques Lecocq, em Paris. Regressa a Portugal com o 25 de Abril e forma a associação cultural em 1981. Fundou a Escola de Circo Mariano Franco, embrião da Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo.
"A ação social é uma parte importante do nosso trabalho, vai desde os centros educativos aos centros para refugiados. Fazemos isto há muitos anos e temos desenvolvido várias atividades. O Bairro no Palco é mais um desses projetos", salienta Teresa Ricou.
Um dos projetos que consideram mais inovador insere-se no programa PARTIS, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e no âmbito do qual têm ganho vários projetos de intervenção. Entre estes, destaca-se a Mala Mágica (desde 1985), animação com jovens que estão em centros educativos. O outro é Forças Combinadas, que leva as artes circenses às crianças e aos adolescentes que cumprem medidas tutelares educativas no Centro Educativo Padre António de Oliveira em Caxias, que depende da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

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Ambas as iniciativas resultam de uma parceria com o Ministério da Justiça. "O trabalho do Chapitô com os jovens sob tutela da Justiça é continuamente avaliado e com resultados quantitativa e qualitativamente impressivos, tem sido objeto de reconhecimento nacional e internacional", refere a direção.
Em tempos de pandemia, criaram uma caixa solidária, para entregar em várias instituições.
Os espetáculos na Tenda do Chapitô foram adiados, pensavam regressar a 28 de janeiro, quando foi decretado o novo confinamento. Programavam apresentar Napoleão ou o Complexo de Épico e manter a digressão This Is Me. O restaurante mantém-se como cantina para os alunos, uma vez que a escola de circo está ativa. Ou seja, a equipa mantém-se em andamento: "As artes existem para servir dentro toda a dimensão social. O Chapitô é circo em circulação e continua dinâmico e sempre atento ao que se passa no mundo."z
40 anos de atividade
"O primeiro ano dos artistas de circo fora do chapitô" é o título de uma reportagem do DN, publicada antes do Natal, num ano marcado pela ausência de circo na quadra natalícia devido à pandemia. É usada a palavra "chapitô" em referência à tenda do circo, o termo usado por artistas circenses, numa adaptação da grafia francesa - chapiteau - à portuguesa. E que merece uma explicação dos responsáveis do Chapitô, espaço cultural e escola profissional circenses fundada em 1981. "Quando, há 40 anos, resolvemos fazer uma adaptação muito especial do original francês chapiteau estávamos longe de imaginar que, um dia, a nossa versão iria passar a fazer parte do comum léxico nacional. É mais uma responsabilidade acrescida."
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