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15 abril 2021 às 05h00

Portela. Como um dos mais antigos centros comerciais de Portugal resiste aos "tubarões"

Foi inaugurado na Portela de Sacavém em 1975 e apesar da muita concorrência dos grandes shoppings, continua a mostrar grande vigor e a ser o principal ponto de encontro dos habitantes deste bairro às portas de Lisboa.

"Vou ao Centro. Precisas de alguma coisa?" Há muitos anos que esta é uma expressão proferida diariamente a familiares ou amigos por centenas de habitantes na Portela de Sacavém, às portas de Lisboa. O centro de que aqui se fala é o Centro Comercial da Portela, que em 1975 foi uma das primeiras grandes superfícies do género em Portugal.

Por estes dias, este equipamento voltou a ser notícia à escala nacional, fazendo recordar os tempos idos da década de 1970. Tudo porque um dos seus parques de estacionamento exteriores foi transformado em esplanada, para acolher restaurantes e cafés, que até 19 de abril não têm permissão para funcionar no interior.

Com três pisos e cerca de 250 lojas, abre todos os dias da semana, entre as 8.00 e as 23.00 horas. Boa parte dos centros comerciais de média dimensão na região de Lisboa desapareceram ou vivem com grande dificuldade. Na Portela de Sacavém, apesar da concorrência de grandes shoppings mais próximos como o Vasco da Gama, LoureShopping, Spacio Olivais ou o Colombo, continua a existir um grande afluxo diário de fregueses, com enchentes aos sábados e domingos de manhã.

Tiago Espinha, um dos administradores, encontra explicações simples para este sucesso. "Temos uma ligação muito direta com os clientes, ao contrário de alguma impessoalidade dos grandes shoppings. Aliás, nós não somos nem queremos ser um shopping, mas sim um ponto de encontro dos portelenses, onde eles se sintam em casa", refere, constatando com agrado que "as pessoas estão a voltar cada vez mais ao comércio tradicional".

Destaquedestaque"No início da década de 1980 as pessoas acotovelavam-se. Vinham excursões de pontos longínquos, todos queriam visitar o primeiro centro comercial do país"

Outra vantagem é o facto de a Portela de Sacavém - um dos maiores dormitórios nos arredores de Lisboa, com cerca de 12 mil habitantes - não contar com lojas de rua, excetuando dois quiosques de jornais, um camião que vende churros, uma banca de frutas e um café. "As pessoas que vivem no bairro precisam mesmo de vir ao centro comercial e sabem que aqui podem encontrar tudo, desde supermercado, farmácia, bancos, cafés, restaurantes, lojas de roupa, etc.", diz. Outro dos fatores que marcam a diferença, explica, é que "cada pessoa é dona da sua loja, ao contrário do que normalmente acontece nos shoppings".

Tiago Espinha acumula as funções de administrador com a de dono do Suportel, o supermercado do centro comercial. "É um negócio familiar, que já vai na terceira geração. Começou com o meu avô em 1977, depois passou para o meu pai e agora sou eu e o meu tio os principais responsáveis. Houve alguma quebra com o aparecimento há uns 30 anos dos grandes supermercados, mas nada de especial e continuamos a receber muitos clientes."

A 6 de abril abriu a grande esplanada num dos parques de estacionamento do centro, que junta 13 estabelecimentos, entre restaurantes e cafés. "A meio de uma noite, a ideia surgiu a Pedro Paula de Campos, um dos administradores do centro comercial. Comunicou-nos e depois da permissão do governo para a reabertura das esplanadas decidimos avançar rapidamente, após termos o aval da Câmara Municipal de Loures", revela Tiago Espinha.

Este responsável conta que inicialmente "houve resistência por parte de alguns estabelecimentos, mas depois só não aderiram aqueles que estão em lay-off ou que têm uma estrutura muito pequena". E garante que a iniciativa tem sido um sucesso e com grande adesão por parte dos portelenses.

Em 1975, a tabacaria-papelaria Mulembeira foi a primeira loja a ser inaugurada no Centro Comercial da Portela. Hoje tem o mesmo dono: António Machado. "Os primeiros tempos não foram fáceis. Quando começámos ainda havia muitas obras e as pessoas tinham uma grande parede à frente da loja, tinham de dar uma volta para aqui chegar. Mas fomos crescendo e começámos a ter uma base muito fiel de clientes e muitos deles mantêm-se desde o primeiro dia", conta.

Tempos houve em que a Mulembeira teve 20 funcionários ao balcão. "Era uma loucura! Abríamos às sete da manhã e fechávamos às 23.00, sempre com movimento. Depois, até à meia-noite eu e a minha mulher repúnhamos o material e só aí é que íamos jantar", relata, lembrando "as filas e filas de famílias que se formavam ao fim de semana nesses primeiros anos".

O café-restaurante O Tabuleiro é outra das lojas icónicas do centro comercial e o sucesso foi de tal ordem que abriu um segundo espaço. Mário Dias, que ali trabalha há 20 anos, garante que a casa "marca a diferença pela qualidade do serviço, a simpatia do atendimento e os clientes não trocam isso por nada".

O Estádio da Portela é outro dos lugares mais populares e aqui se juntavam verdadeiras multidões para assistir aos jogos transmitidos na televisão. "O último ano tem sido muito complicado e tenho recorrido às minhas poupanças de muitos anos para que o negócio prossiga", confessa o dono, Eduardo Marcelino, 75 anos e antigo padeiro. Este restaurante nasceu em 1981, na altura com o nome Alambique, mas mudou para Estádio da Portela em 2007. O dono recorda com saudades os primeiros anos. "No início da década de 1980 as pessoas acotovelavam-se por todo o centro comercial. Vinham excursões de pontos longínquos do país, pois todos queriam visitar o primeiro centro comercial em Portugal", recorda.

No centro da Portela destacam-se ainda a croissantaria Tarik - há quem jure que vende os melhores croissants com chocolate do país -, a Loja dos Cafés, famosa pelo que lhe dá nome e pelos chocolates vindos da Bélgica, e a Padaria, conhecida pelas várias fornadas de pão quente ao longo do dia.