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27 março 2023 às 05h00

Nazaré. População mobiliza-se contra obra de estabilização das arribas

Um movimento cívico em defesa do promontório da Nazaré levantou-se nas últimas semanas. Populares e entidades acusam a Agência Portuguesa do Ambiente de não dialogar com as gentes da terra, para encontrar "uma outra solução".

Paula Sofia Luz

Uma petição para impedir a realização da obra de estabilização das arribas está a mobilizar a população da Nazaré, por diversos meios. Depois de uma manifestação no Sítio, há uma semana, que reuniu centenas de pessoas, o Movimento Cívico Pela Defesa do Promontório quer agora chegar à fala com o Governo. Em causa está a uma obra prometida há mais de 15 anos, enquadrada no reforço da segurança de pessoas e bens. Mas agora que está prestes a avançar, desencadeou um autêntico "terramoto" entre a população.

A 26 de janeiro deste ano a APA assinou o contrato de adjudicação desta obra. Mas disso os moradores só souberam um dia antes, quando começaram a ver movimentações no local. "Se me falar da prevenção e da segurança das pessoas, nós somos os primeiros a aplaudir. A questão aqui é a forma como o vão fazer. O que lamentamos é que vão mexer numa zona que é património histórico - não só para a Nazaré como para o mundo - e não tenha havido discussão pública. E que as entidades que estão no terreno, nomeadamente a Confraria, que tem todo o património classificado e é proprietária do muro que eles querem destruir, não tenha sido chamada à discussão nem sequer ouvida neste processo". Nuno Batalha, presidente da Confraria Nossa Senhora da Nazaré, também envolvido no Movimento Cívico que entretanto surgiu na vila, traça ao DN um retrato muito nítido do que está em causa.

"Eu fiquei a saber que isto ia avançar no dia 25 de janeiro, quando os trabalhadores da empresa que ganhou a empreitada se deslocaram à Confraria, a pedir para fazer ligação de luz e água para o estaleiro da obra", adianta Nuno Batalha, que não se conforma com a forma como o processo decorreu. Para mais, sublinha, "é uma obra que vai fechar durante meses as únicas casas de banho de acesso público, aos milhares de visitantes que acorrem ao Sítio". É dali, do miradouro, que os turistas captam as imagens tornadas cartão de visita da Nazaré: a vista sobre o imenso areal e o casario.

Por outro lado, o presidente da Confraria lembra que "parte desta obra vai destruir o muro do Bico da Memória, mandado construir há mais de 250 anos". Em poucas semanas estava constituído o Movimento Cívico, que agora se desdobra em ações e contactos. Um deles resultou na ida, à Nazaré, de algumas figuras da Arqueologia e Geologia do país. "Alguns deles são professores universitários. Ficaram impressionados como é que não há sequer uma maqueta da obra, para que as pessoas percebam o que vai acontecer".

No meio deste corrupio, o Movimento convidou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), promotora da obra, para participar em umas jornadas alusiva ao tema, "a fim de podermos encontrar uma solução conjunta, que não passe pela demolição do muro, e eles nem sequer quiseram aparecer", acrescenta Nuno Batalha, igualmente preocupado com outra parte do projeto. "A ideia é construir um maciço de betão ao lado da Ermida da Memória. Ora, nós sabemos que há ali um achado arqueológico subterrâneo, que não está estudado e precisa de ser preservado", conclui.

O Movimento invoca a "falta de diálogo e postura quase ditatorial da APA" para avançar noutro sentido. E por isso continua a recolher assinaturas numa petição que pretende levar ao parlamento.
Enquanto isso, já escreveu ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro e ao ministro da Cultura.

"Já sabemos que ele despachou o assunto para a secretária de Estado. Se entretanto não houver desenvolvimentos, nós vamos até ao nosso limite para impedir que a obra seja feita", afirma Nuno Batalha.

Ao mesmo tempo, o departamento jurídico da Confraria estuda a possibilidade de interpor uma providência cautelar. "Uma das coisas que invocamos é o facto de não existirem estudos geotécnicos disponíveis, apesar de já sabermos que a APA contesta isso", adianta Nuno Batalha.

Contactada pelo DN, a APA reconhece que o projeto inicial sofreu algumas alterações, de acordo com o parecer da Direção Geral do Património Cultural (DGPC), e que todos os trabalhos "vão ser acompanhados por um arqueólogo", tal como designado por aquela entidade.

"O local objeto desta intervenção corresponde à zona de cota superior da arriba da praia da Nazaré, no denominado "Sítio da Nazaré". A zona do miradouro, localizada na envolvente da capela de N.ª Senhora da Nazaré, situa-se numa arriba com características geométricas, morfológicas, físicas e de ocupação variáveis ao longo de cerca de 340 metros de extensão, que determinam a presença de diferentes mecanismos de instabilidade e, consequentemente, diferentes graus de risco", explica Francisco Teixeira, diretor do departamento de comunicação e cidadania ambiental da APA. As situações de risco identificadas naquele trecho dizem respeito a "queda de blocos, por vezes de grande dimensão, com possibilidade de atingir o areal da praia da Nazaré; presença de três consolas calcárias com grande balanço no topo da arriba, uma delas com espessura reduzida já em situação de estabilidade muito precária; presença de edificado junto à extremidade da arriba assente sobre consolas de fraca espessura; drenagens pluviais que descarregam livremente para a face da arriba, em particular, na zona da consola de espessura reduzida e que são potenciadoras dos fenómenos de instabilidade, e ainda fenómenos de erosão por escoamento superficial", acrescenta a APA.

Já na zona conhecida pelo "Milagre da Nazaré", o "Bico da Memória", "prevê-se a instalação de uma plataforma, com a mesma localização e com a mesma configuração da consola natural, mas elevada e ancorada ao terreno mais interior (maciço mais estável), transferindo para uma zona mais segura todo o peso da intensa utilização, com vista a diminuir os fatores de risco e a carga sobre o maciço". A ideia será "manter a configuração que a arriba atualmente apresenta, como se de uma projeção desta se tratasse".

A APA justifica que a consola também terá um muro, para contenção do acesso, "com a mesma configuração estética do muro atualmente existente, de forma a manter o enquadramento visual deste local".

Num (longo) comunicado enviado às redações no início desta semana, o município da Nazaré expõe a linha cronológica do desenho desta obra, desde 2006. O executivo liderado por Walter Chicharro anuncia nesse documento uma reunião marcada para esta segunda-feira, entre a autarquia e a APA, com a promessa de uma sessão de esclarecimento à população "a realizar em data a confirmar, ainda durante o mês corrente e em local a informar".

dnot@dn.pt

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