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21 maio 2022 às 22h08

De Alfama à Estrela, Lisboa está a arranjar-se para os Santos Populares

A cidade está em contagem decrescente para o início de junho, que marca o regresso das Festas de Lisboa, após dois anos de interregno. Em Alfama, há quem tire férias para montar os balcões e em Santos já funciona uma feira popular.

Quando se entra em Alfama pelo Largo do Chafariz de Dentro e se caminha em direção ao coração deste bairro típico de Lisboa, além do burburinho causado pelos grupos de turistas, começa a ouvir-se o inconfundível som dos martelos. Estamos a poucos dias do início de junho, que marca o regresso das Festas de Lisboa após dois anos de interregno devido à pandemia. O os moradores de Alfama estão numa azáfama, a montar os balcões e os retiros onde irão receber quem quer celebrar os Santos Populares com comes, bebes e muita alegria castiça. É numa das ruas estreitas de Alfama que encontramos as primas Deolinda Moreira e Fátima Graça, sentadas junto à banca de ginjinha desta última.

"Estou satisfeitíssima com o regresso dos Santos! Há dois anos que é só tristeza, agora já se vê o nosso bairro enfeitado e com música. Agora é um mês de alegria", diz Fátima, de 56 anos, "nascida e criada em Alfama" em conversa com o DN. "Os preparativos estão a correr bem. Agora é preciso que apareça pessoal", acrescenta Deolinda, moradora no bairro desde que nasceu, há 59 anos.

Junho é o ganha pão para o resto do ano para alguns moradores de Alfama e muitos deles até metem férias para poderem montar o seu retiro ou balcão. Deolinda, Fátima e o marido não são exceção. "A minha prima tem um retiro com mesas, estilo restaurante, e eu tenho um balcão, vendo bebidas, pastéis e bifanas durante o mês todo", conta Deolinda. "Aqui é o meu território, pelas escadas abaixo e naquele patiozinho, que ainda não está enfeitado porque o meu marido só começa no sábado, que é quando tem férias", refere Fátima, enquanto aponta para as escadas do Beco do Pocinho e para a Travessa de São Miguel.

As caras das duas primas até se iluminam quando se lhes pergunta pela marcha de Alfama, a mais premiada das Festas de Lisboa, mas que, em 2019, ficou em segundo lugar. "É a mais bonita, sem comparação!", dizem em uníssono.

O único momento de alguma tristeza, que tentam espantar com um "os que cá estão fazem a festa!", é quando se fala no facto de Alfama ter visto muitos dos seus partirem nos últimos anos. "Com os alojamentos locais, praticamente morreu, o que é muito triste, porque isto vem de geração para geração, todas as famílias faziam arraiais. As casas antigamente também passavam de pais para filhos e agora passaram a ser alojamento local", lamenta Deolinda, enquanto a prima assente com a cabeça.

João Ramos, o coordenador da Marcha de Alfama, partilha deste sentimento. "O espírito da marcha é distinto do espírito do bairro, pela simples razão de que no bairro, infelizmente, já são poucos os que lá vivem, poucos os portugueses e, de entre os portugueses, poucos os marchantes. Há dez anos, todos vivíamos no bairro, hoje devem viver uns cinco ou seis", explica ao DN. "Aquelas noites emblemáticas, do regresso da Avenida ou do Pavilhão Atlântico para o bairro, já não tem aquele sentimento de estarmos em casa, tendo em conta o que aconteceu nos últimos anos. Aquele mar de gente e de afetos que nós recebíamos, desde que as pessoas foram saindo de Alfama, deixou de se sentir", justifica.

Dentro do grupo da marcha, o espírito é de que está "tudo controlado, tranquilo, sempre com ansiedade, mas isso é próprio". "É tudo muito jovem e, portanto, eles também têm uma entrega enorme aos ensaios, que são das 21.30 às 23.30 horas, a ponto de às vezes a ensaiadora entende que são 23.25 e não faz sentido introduzir um passo e eles ficam furiosos. Está-lhes na massa do sangue. Muitos deles estão ligados às marchas por laços de afinidade e parentesco e isto para eles é um momento de absoluta afirmação do quanto gostam do bairro. É preciso viver-se nos bairros para se perceber este sentimento que eles têm", prossegue João Ramos.

E será que este ano vão conquistar o primeiro lugar? "O que podemos esperar é sempre uma marcha que fará tudo para estar ao nível das responsabilidades e expectativas das pessoas do bairro, que são sobretudo aquelas que mais nos interessam. Se a nossa exibição for do agrado do bairro de Alfama essa é a nossa grande vitória, o resto será sempre a cereja em cima do bolo", argumenta.

Na freguesia da Estrela não se esperou por junho para dar início aos Santos Populares. No Terrapleno de Santos está a decorrer desde 13 de maio e até ao Dia de Santo António, o evento Santos Em Santos, uma feira com diversões que vão desde os carrinhos de choque à roda gigante, com zona de restauração e um palco por onde irão passar artistas como Quim Barreiros (27 de maio), Toy (3 de junho) e Rosinha (dia 9).

"O que nós pretendemos é convidar todos quantos querem descontrair e divertir-se neste período que antecipam os Santos Populares, que já beneficia do bom tempo. Podem fazê-lo numa zona especialmente criada para o efeito, distante das zonas residenciais onde tradicionalmente ocorrem muitas destas festividades", explica ao DN Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, que no início do ano organizou no mesmo local a Feira de Inverno. "A adesão tem sido fantástica. Estamos a falar de uma média de 1500 a 2000 pessoas por dia durante a semana, e aos fins de semana estamos a falar de um pouco mais do dobro disso", disse.

Com um horário de funcionamento entre as 14.00 e as 2.00 aos dias de semana e as 12.00 e as 2.00 aos fins de semana (na noite de Santo António irá até às 4.00), a verdade é que no início tarde da passada quarta-feira poucos eram os visitantes no recinto. Uma acalmia que desanima, para já, quem faz negócio, mas que confia em maior animação neste regresso dos Santos. "Nós já estávamos há dois anos sem faturar, mas agora vamos ver se isto começa a entrar nos eixos e começamos a ganhar algum", desabafa José da Silva Simões, que trouxe duas pistas de carrinhos de choque. "Isto não tem estado assim muito famoso, mas temos que aproveitar tudo. Os Santos são uma melhoria para o negócio e isto é bom para todos. O pessoal da nossa atividade estava a ficar um bocadinho desanimado. Vamos a ver se nos conseguimos animar."

Carla Duarte está à frente da rulote Tasquinha com Rodas, um negócio que começou com o marido pouco antes da pandemia. "Esta semana é natural que isto esteja mais parado, porque as pessoas ainda não conhecem. No início da Feira de Inverno também foi assim, a primeira semana foi mais parada e depois ficámos com filas enormes", recorda a empresária, adiantando que depois de sair de Santos ainda estará com a sua rulote no Arraial de Benfica entre os dias 23 e 26 de junho. "Eu acho que os Santos este ano vão ser muito bons!", exclama Carla.

Abertura

As Festas de Lisboa abrem a 28 de maio com o concerto "O que nos une" com Tito Paris e que terá como convidados Cremilda Medina, Joana Amendoeira, Paulo Gonzo e Djodje. O espetáculo começa às 22.00 horas junto à Torre de Belém.

Marchas e casamentos

As Marchas Populares estão de volta, começando com as exibições no Altice Arena (dias 3, 4 e 5), às 21.00. Na noite de Santo António, apresentam-se na Avenida da Liberdade a às 21.45 horas. Também no dia 12, mas a partir das 11.30, realizam-se os Casamentos de Santo António.

Estreia das Casas Regionais

Este ano, as Casas Regionais da cidade também se juntam ao programa das Festas de Lisboa, levando ranchos folclóricos, tunas, bombos e fado até à Quinta das Conchas nos dias 25 e 26 de junho.

Fado no Castelo

Nos dias 17 e 18, o Castelo de São Jorge recebe, a partir das 22.00, encontros musicais improváveis: o fadista Ricardo Ribeiro junta-se ao pianista de jazz João Paulo Esteves da Silva e Teresinha Landeiro interpreta duetos inéditos com os artistas Agir e Mimi Froes.

Arraiais

De 2 a 30 de junho, Alcântara, Carnide, Estrela, Misericórdia, Olivais, Santa Maria Maior e São Vicente terão arraiais organizados por algumas das coletividades destas freguesias. Neste mês de junho também poderá encontrar-se animação com o Arraial dos Navegantes (de 3 a 5) no Parque das Nações, o arraial "A Minha Penha é Linda" (de 9 a 12) no Mercado de Sapadores, o Arraial da Vila Berta (de 3 a 13) e o Grande Arraial de Benfica (de 23 a 26). No dia 25, na Praça do Comércio, realiza-se mais uma vez o Arraial Lisboa Pride.

Encerramento

A Praça do Comércio, no dia 30, a partir das 22.00 horas, será palco do concerto de encerramento das Festas de Lisboa, intitulado de "Cheira a Lisboa", uma homenagem aos 100 anos do Parque Mayer. Em palco, a Orquestra Metropolitana de Lisboa acompanha Anabela, FF, Katia Guerreiro, Luís Trigacheiro, Lura e Marco Rodrigues, que irão recriar 22 clássicos da música popular com novas roupagens, como "Cheira a Lisboa", "Mocidade" ou "Zé Cacilheiro".

ana.meireles@dn.pt