UE. História, investimentos e gás ameaçam unidade frente à Rússia
Empresários italianos e governo alemão dão sinais divergentes perante a apregoada resposta de unidade europeia face a uma possível ofensiva russa na Ucrânia.
Em março de 2020, enquanto a União Europeia mostrava as típicas hesitações e divisões entre os seus pares, uma Itália atordoada com a primeira vaga de covid-19 recebia um destacamento de militares russos e material sanitário. "Dalla Russia con amore", lia-se em cada caixa. A diplomacia das máscaras foi uma oportunidade para o regime de Vladimir Putin explorar os sentimentos de uma população pouco interessada na defesa dos valores democráticos e ressentida com a UE, segundo têm mostrado as sondagens.
Relacionados
Devido às relações entre Moscovo e Roma, alguns analistas consideram a Itália o cavalo de Troia da Rússia. Exagero ou não, ontem o presidente russo presidiu a um encontro virtual que juntou ministros russos de um lado e líderes empresariais italianos do outro, para embaraço do governo de Mario Draghi. Numa altura em que as chancelarias europeias discutem uma resposta, ao nível de sanções económicas, à hipótese de a Rússia invadir a Ucrânia, o Kremlin apresentou este encontro como um troféu.

Vladimir Putin durante a videoconferência ítalo-russa.
© EPA/ALEKSEY NIKOLSKYI/SPUTNIK/KREMLIN POOL
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Antes de os italianos se tornarem no centro das atenções, o alvo estava virado para a Alemanha. Perante o aumento de tensões relacionado com a Ucrânia, Estados Unidos, Reino Unido e países bálticos anunciaram o envio de equipamento de defesa para Kiev, enquanto outros, como a Dinamarca, Espanha ou França, além dos EUA, enviaram ou mostraram iniciativa para reforçar a presença naval e aérea no Mar Negro e no Báltico. De Berlim a única movimentação é o envio de um hospital de campanha para a Ucrânia, um gesto que não chegou para apaziguar a irritação entre aliados e Kiev.
O novo governo da coligação social-democrata-verde-liberal prometeu ser mais duro do que o anterior no que respeita à Rússia e à China, mas para já a prudência é tanta que não autorizou que a Estónia enviasse canhões para a Ucrânia, contou o Wall Street Journal. As peças de artilharia em questão, de fabrico soviético, estavam estacionadas na República Democrática Alemã quando se deu a reunificação. Mais tarde foram vendidas para a Finlândia, que por sua vez as passou para o vizinho do sul, mas Berlim mantém um poder de veto sobre o destino a dar aos obuses. "A nossa posição restritiva é bem conhecida e está enraizada na história", disse a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, em Kiev, ao lado do homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba.
Se o envio do armamento em questão não iria mudar o desequilíbrio de forças na região, o veto alemão é mais um sinal de que não é preciso muito esforço para encontrar divisões entre europeus. "A ideia da Alemanha entregar armas que depois poderiam ser utilizadas para matar russos é bastante difícil de suportar para muitos alemães", comentou o analista político Marcel Dirsus ao New York Times.
Dias depois da declaração de Baerbock, o vice-almirante Kay-Achim Schönbach disse que Vladimir Putin merece "respeito" e que a Crimeia "nunca" deverá ser devolvida à Ucrânia. A sua demissão não chegou para aplacar as emoções. "Esta atitude paternalista subconscientemente também lembra aos ucranianos os horrores da ocupação nazi, quando os ucranianos eram tratados como sub-humanos", comentou o embaixador da Ucrânia na Alemanha, Andriy Melnyk.
Além das questões históricas, a Alemanha e a Rússia têm apostado no desenvolvimento de uma estreita relação no fornecimento de energia russa. O gasoduto Nord Stream 2, construído em paralelo ao 1 sob o Mar Báltico, está pronto, aguardando uma certificação do regulador alemão. Criticado por Baerbock, o projeto foi iniciado no ano seguinte à anexação da Crimeia, durante a grande coligação que juntou Angela Merkel e o partido do atual chanceler Olaf Scholz.
Aliás, pouco depois de perder as eleições para Merkel, em 2005, o antigo chanceler social-democrata Gerhard Schröder tornou-se administrador da Nord Stream, propriedade da Gazprom, empresa detida pelo estado russo. Uma jogada de alto nível que a oposição russa chamou de "schoderização" e que passou a servir para referir-se à corrupção da elite política de um país alvo.
Italianos e alemães mostraram vulnerabilidades, mas nos próximos dias multiplicam-se sinais de unidade para com a Ucrânia. O comissário europeu para o alargamento Olivér Verhály está de visita a Kiev, onde os chefes da diplomacia francesa e alemã também irão nos próximos dias, tal como uma delegação do Parlamento Europeu.
Um argumento de 175 mil milhões
Parceria desigual
Apesar das sanções económicas à Rússia na sequência da anexação da Crimeia, Moscovo tem no bloco europeu o principal fornecedor de bens e serviços estrangeiros (37,3% em 2020). Em sentido oposto, as importações da Rússia pesam 4,8% no total da UE. No total, foram transacionados 174,3 mil milhões de euros.
A perder gás
A dependência do gás russo acentuou-se com o gradual encerramento de centrais a carvão e nucleares. Mas nos últimos meses, graças a um menor fluxo da Gazprom e à exportação dos EUA de gás em navios contentores, o gás russo pesa menos no total da UE, cerca de 30%.
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal