Internacional
03 junho 2023 às 23h08

Tudo em aberto na Guiné numa campanha condicionada pelo PR

Desencanto político com a atuação de Sissoco Embaló e descontentamento com a situação económica devido à inexistente venda da castanha de caju podem influenciar voto nas legislativas deste domingo.

Vinte partidos e duas coligações disputam o voto de quase 900 mil guineenses nas sétimas legislativas desde que o país deixou o regime de partido único para trás. O escrutínio para os 102 lugares na Assembleia Nacional Popular decorre mais de um ano depois de esse órgão ter sido dissolvido pelo presidente Embaló e de a data ter sido adiada de dezembro para agora. O ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano, enquanto chefe da missão de observadores da União Africana, quis afastar receios na antevéspera do dia de voto e disse que "o país precisa de andar". Contudo, o papel desproporcionado de Embaló numa campanha que primou pela ausência de debates e por alguns constrangimentos deixa alguns observadores apreensivos sobre o momento pós-eleitoral.

A principal coligação, PAI - Terra Ranka, liderada pelo PAIGC, queixa-se de jogo sujo. Segundo denunciaram os seus dirigentes, um avião oriundo da Índia com material de campanha não obteve autorização para aterrar, tendo sido desviado par a Gâmbia. Mas uma vez aí as autoridades gambianas não deram autorização para que a carga fosse transportada num camião, o que levou o líder do PAIGC Domingos Simões Pereira a criticar a "deriva autoritária de um regime sem rumo nem propósito". Já ao partido do presidente Umaro Sissoco Embaló, Madem-G15, não faltaram cartazes - e logo com a figura do presidente ao lado do símbolo do partido ou junto do líder do partido Braima Camará.

Acusado de falta da neutralidade que o seu cargo impõe, Embaló não se ficou pelo empréstimo da imagem. Durante a cerimónia de inauguração do porto de pesca artesanal de Bissau (mais uma obra pública realizada pela China), o presidente voltou a interferir na campanha. Desta vez ao avisar que não irá indigitar as duas figuras principais do PAIGC, tendo argumentado que estes têm contas a prestar à justiça. Por outro lado, admitiu um governo formado pela PAI e pelo Madem-G15.

"Uma afronta à democracia na Guiné-Bissau", comentou à Lusa o investigador guineense Wilson Té, que prevê ainda que Embaló queira ter a última palavra na escolha de ministros para as pastas mais importantes. Também à Lusa, Domingos Simões Pereira disse que em caso de vitória da sua coligação, ao presidente só resta acatar as leis e a vontade popular. Dias antes a coligação escrevera uma carta aberta a pedir o fim da interferência de Embaló nas eleições.

DestaquedestaqueJoaquim Chissano diz que é tempo da Guiné-Bissau andar, mas resultados podem afundar o país em nova crise política.

A juntar à tentação do presidente, uma outra questão poderá vir a inflamar os ânimos nas próximas horas, consoante decorra o processo eleitoral: a legitimidade da Comissão Nacional de Eleições, cujo secretariado executivo está a funcionar com o mandato expirado graças à dissolução do parlamento. Para o analista político Rui Jorge Semedo, as legislativas não podem ser consideradas transparentes, livres e justas. "Estamos a viver um período de não estado de direito e ninguém consegue ter acesso aos princípios fundamentais, à defesa dos seus direitos", disse.

Os direitos das mulheres, por exemplo: apesar de a lei da paridade prever um mínimo de 36% de mulheres nos lugares de tomada de decisão, as listas dos partidos não cumpriram o estipulado e o Supremo Tribunal nada fez. Se na última legislatura havia 13 deputadas agora só 11 estão em lugares elegíveis, agora só 11 estão em lugares elegíveis, segundo a Deutsche Welle.

O momento político está também afetado pela campanha da castanha de caju, que até agora salda-se por um desastre. Os negociantes não estão a oferecer aos agricultores o preço base de um produto de que 80% da população depende. "É uma situação muito difícil e há fome de verdade", comentou o líder da APU e primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam.

"Fiasco total", resumiu à AFP Buli Camará sobre a campanha do seu partido, Madem G-15 devido à questão do escoamento da castanha de caju. O seu líder, Braima Camará, disse que vai demitir-se caso não obtenha uma maioria.

Umaro Sissoco Embaló

Quando o protagonista das legislativas é o presidente do país muito está dito. A cara de Embaló está nos cartazes do seu partido, Madem-G15, uma situação que desvalorizou ao dizer que todos os partidos estão autorizados a usar a sua imagem. O chefe de Estado já avisou que vai ter a última palavra na formação do governo.

Nuno Gomes Nabiam

Em contraste, o primeiro-ministro e líder da APU-PDGB fez uma campanha discreta. O seu partido enfrentou uma cisão que levou à perda de dirigentes, pelo que o principal objetivo de Nuno Gomes Nabiam é manter deputados na assembleia.

Domingos Simões Pereira

O líder do PAIGC, que concorreu nas últimas presidenciais com Embaló, é a figura principal da aliança de cinco partidos PAI- Terra Ranka, que fez uma campanha centrada nos jovens e nas mulheres. Se a coligação for a mais votada, nem Simões Pereira nem o seu vice Geraldo Martins serão indigitados chefes do governo, advertiu o presidente. O PAIGC venceu as legislativas de 2019, mas passou para a oposição em 2020, após Embaló ter demitido o PM Aristides Gomes.

cesar.avo@dn.pt