San Suu Kyi pede resistência à "ditadura militar"

A líder de Myanman, Aung San Suu Kyi, foi detida pelas Forças Armadas birmanesas. O Exército declarou o estado de emergência e promete novas eleições dentro de um ano. Conselho de Segurança da ONU reúne de emergência.

O partido da líder de Myanmar, Aung San Suu Kyi, detida pelo Exército, apelou à população para que se oponha ao golpe de Estado e ao regresso a uma "ditadura militar".

A Liga Nacional para a Democracia (LND), que venceu as eleições de novembro com grande vantagem, publicou um comunicado na rede social Facebook, em nome de Aung San Suu Kyi, afirmando que as ações dos militares são injustificadas e violam a Constituição e a vontade popular.

De acordo com a agência de notícias France-Presse (AFP), terá sido a própria Aung San Suu Kyi quem "deixou esta mensagem à população", segundo explicou no Facebook o presidente do seu partido, Win Htein.

O Exército de Myanmar declarou o estado de emergência e assumiu o controlo do país durante um ano, informou um canal televisivo controlado por militares, após a detenção da chefe de facto do Governo, Aung San Suu Kyi, do Presidente do país, Win Myint, e de outros líderes governamentais.

De acordo com a promessa deixada pelo Exército, o objetivo é organizar novas eleições quando terminar o estado de emergência de um ano.

"Estabeleceremos uma verdadeira democracia multipartidária", anunciaram os militares num comunicado publicado na rede social Facebook, acrescentando que o poder será transferido após a realização de "eleições gerais livres e justas".

Entretanto, O Conselho de Segurança das Nações Unidas irá reunir-se terça-feira em Nova Iorque, de emergência, para analisar uma reação ao golpe de Estado militar de em Myanmar (antiga Birmânia).

A informação da reunião de emergência consta do programa de trabalho da presidência britânica do Conselho de Segurança, hoje divulgado, que adianta que a reunião será por videoconferência, e à porta fechada.

O Reino Unido, que hoje inicia a presidência mensal do Conselho de Segurança, tinha prevista uma reunião sobre a situação em Myanmar para esta quinta-feira, seguida de consultas à porta fechada entre os países-membros, mas os acontecimentos das últimas horas no país asiático determinaram a alteração.

Questionado sobre as expectativas do secretariado das Nações Unidas para as consultas no Conselho de Segurança, o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, afirmou que "o mais importante é que a comunidade internacional fale a uma só voz" em relação ao golpe.

Militares acusaram a comissão eleitoral de não ter posto cobro às "enormes irregularidades"

Os bancos fecharam pouco depois da proclamação dos militares, segundo um comunicado da Associação de Bancos do país, estando as comunicações e o acesso à internet condicionados.

De acordo com a AFP, formaram-se filas em frente aos distribuidores automáticos, com muitas pessoas a tentarem retirar dinheiro.

Numa declaração divulgada na cadeia de televisão do exército Myawaddy TV, os militares acusaram a comissão eleitoral do país de não ter posto cobro às "enormes irregularidades" que dizem ter existido nas legislativas de novembro, que o partido de Aung San Suu Kyi venceu por larga maioria.

Os militares evocaram ainda os poderes que lhes são atribuídos pela Constituição, redigida pelo Exército, permitindo-lhes assumir o controlo do país em caso de emergência nacional.

UE condena golpe militar e EUA ameaçam reagir caso líderes não forem libertados

As detenções e a proclamação do Exército surgem num momento em que o parlamento eleito nas anteriores eleições se preparava para iniciar a sua primeira sessão, dentro de algumas horas.

Os Estados Unidos exigiram já a libertação dos líderes detidos e ameaçaram reagir em caso de recusa.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, condenou "firmemente" a detenção da chefe de facto do Governo de Myanmar, considerando as ações dos militares um "rude golpe" contra as reformas democráticas.

Austrália, Singapura e Japão também condenaram as ações dos militares.

Há várias semanas que os militares denunciam irregularidades nas legislativas de 08 de novembro, ganhas pela LND, que obteve 83% dos 476 assentos parlamentares.

No dia seguinte às eleições legislativas, o chefe do Exército birmanês, Min Aung Hlaing, afirmou, numa intervenção perante as Forças Armadas, que se deveria abolir a Constituição se a Carta Magna não for cumprida, o que foi interpretado como uma ameaça ao país, que esteve submetido a uma ditadura militar entre 1962 e 2011.

A Comissão Eleitoral de Myanmar negou que tenha existido qualquer fraude eleitoral nas eleições de novembro.

A delegação da União Europeia (UE) e várias embaixadas, incluindo a britânica, norte-americana, australiana e de vários países europeus, avisaram que reprovam "qualquer tentativa" para alterar os resultados eleitorais ou "impedir" a transição democrática.

"Condeno firmemente o golpe em Myanmar e apelo aos militares para que libertem todos aqueles que foram ilegalmente detidos em operações por todo o país", escreveu o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, na sua conta oficial na rede social Twitter.

Charles Michel acrescenta que "o desfecho das eleições deve ser respeitado e o processo democrático necessita de ser restaurado".

Também o Alto Representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, recorreu à rede social Twitter para condenar "firmemente o golpe levado a cabo pelo exército de Myanmar" e reclamar igualmente "a libertação imediata dos detidos".

"Os resultados eleitorais e a constituição têm de ser respeitados. O povo de Myanmar quer democracia. A UE está a seu lado", escreveu o chefe da diplomacia europeia.

Num comunicado entretanto divulgado pelo Serviço Europeu de Ação Externa, Josep Borrell reforçar que o golpe constitui "uma clara violação da Constituição do país e uma tentativa dos militares de reverter a vontade do povo de Myanmar e o seu forte compromisso com a democracia".

"As ações de hoje trazem de volta memórias dolorosas de décadas passadas. A democracia deve prevalecer. Estamos em contacto com os nossos parceiros internacionais nesta questão urgente para assegurar uma resposta coordenada", conclui.

Japão, França e Reino Unido condenam ação dos militares

Também o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, condenou o golpe de Estado e pediu a libertação dos civis que se encontram presos.

"Eu condeno o golpe de Estado na Birmânia e a prisão ilegal de civis, entre os quais Aung San Suu Kyi", escreveu o primeiro-ministro britânico numa mensagem transmitida pelo Twitter.

"A Assembleia Nacional deve reunir-se de novo pacificamente", acrescentou o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab.

De referir que Myanmar foi uma colónia britânica entre 1824 e 1948.

A França, através de uma posição demonstrada pelo porta-voz do governo de Paris, Gabriel Attal, apelou também para "que o voto dos birmaneses seja respeitado".

"Realizaram-se eleições no passado mês de novembro, Aung San Suu Kyi foi eleita. Nessas condições nós apelamos para que o o resultado do voto dos birmaneses seja respeitado", disse Attal à estação de rádio France Info.

O porta-voz disse ainda que Paris está em contacto com os "parceiros da França nas instâncias internacionais" no sentido de discutir a situação no país.

O governo japonês pediu igualmente aos militares golpistas a libertação de Aung San Suu Kyi frisando que a democracia deve ser restabelecida no país "sem derramamento de sangue".

Através de uma nota oficial, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Tóquio exorta "o Exército Nacional a restabelecer rapidamente o sistema político democrático".

As supostas irregularidades foram denunciadas em primeiro lugar pelo Partido da Solidariedade e de Desenvolvimento da União (USPD, na sigla em inglês), a antiga força política no poder, criada pela então Junta Militar antes de esta se dissolver.

O USDP foi o grande derrotado das eleições, ao obter apenas 33 lugares no parlamento, tendo recusado aceitar os resultados, chegando mesmo a pedir a realização de nova votação, desta vez organizada pelo Exército.

Os militares, responsáveis pela redação da atual Constituição, detêm um grande poder no país, tendo, à partida, garantidos 25% dos lugares no parlamento, bem como os influentes ministérios do Interior, das Fronteiras e da Defesa.

Em novembro de 2020, o Centro Carter -- organização criada pelo antigo Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, que enviou observadores às eleições --, emitiu um comunicado em que considerou as eleições livres e justas.

A vitória eleitoral de Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz 1991, demonstrou a sua grande popularidade em Myanmar, apesar da má reputação internacional pelas políticas contra a minoria rohingya, a quem é negada a cidadania e o voto, entre outros direitos.

Estas foram as segundas eleições legislativas desde 2011, o ano da dissolução da Junta Militar que se manteve no poder durante meio século no país.

Refugiados Rohingya no Bangladesh satisfeitos com detenção de Aung San Suu Kyi

Os refugiados Rohingya no Bangladesh manifestaram-se satisfeitos com a detenção da chefe do governo de Myanamar, Aung San Suu Kyi, tal como o Presidente do país, Win Myint, e outros líderes governamentais.

"Sinto uma sensação de alegria, porque Suu Kyi é em grande parte responsável pelo genocídio contra nós", disse Mohammad Jubair, líder da Sociedade Arakan Rohingya pela Paz e Direitos Humanos, de Kutupalong, o principal campo de refugiados em Cox's Bazar, no sudeste do Bangladesh.

Cerca de 738 000 Rohingya fugiram para esses campos após o início, em agosto de 2017, de uma campanha de perseguição e violência do exército birmanês no país vizinho, que a ONU descreveu como um exemplo de limpeza étnica e possível genocídio, algo que os tribunais internacionais estão a investigar.

"Violaram as nossas mães e irmãs, mataram o nosso povo, tiraram as nossas terras e obrigaram-nos a morar aqui neste pequeno abrigo, mas ela (Suu Kyi) não fez nada. Bem-vindo (a prisão e o golpe militar). Vou comemorar", disse Jubair.

No entanto, o líder Rohingya disse não acreditar que o golpe militar vá afetar o processo de repatriação dos refugiados para a Birmânia, já que considera que depende sobretudo da comunidade internacional.

"A Birmânia não aceitará o nosso regresso sem a pressão da comunidade internacional. Está a decorrer um processo judicial. Assim que estiver concluído, esperamos poder regressar", disse.

Por seu turno, Abdur Rahman, que lecionava na Birmânia antes de fugir para o Bangladesh, reconheceu em declarações à agência de notícia espanhola Efe que "nenhum golpe é bom".

O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Bangladesh, AK Abdul Momen, também se mostrou preocupado com o que se passa na Birmânia, pois acredita no "princípio da democracia" e também, como país vizinho, espera "paz e estabilidade".

"O processo constitucional deve ser respeitado na Birmânia. Iniciamos seriamente as negociações para a devolução dos Rohingya e esse processo deve continuar em qualquer circunstância", garantiu o ministro.

Duas tentativas de iniciar a repatriação falharam até agora, já que membros dessa minoria de maioria muçulmana se recusaram a regressar até que a Birmânia lhes garantisse a cidadania e a segurança na sua terra natal.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG