O último dia da potência que ruiu com a mudança
Depois de transferir os poderes para o presidente da Rússia, Gorbachev saiu do Kremlin há 30 anos, onde a bandeira soviética foi recolhida e hasteada a russa.
No dia 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev demite-se de presidente da União Soviética, cargo criado pelo próprio no ano anterior, e entrega os seus poderes, códigos nucleares incluídos, ao presidente da Rússia Boris Ieltsin. Este tinha acordado, duas semanas antes, com os homólogos eslavos, a independência da Ucrânia e da Bielorrússia e a criação da Comunidade de Estados Independentes. Depois de anos em declínio e de uma guerra perdida no Afeganistão, a URSS sucumbia aos ventos de mudança trazidos pela glasnost e pela perestroika, e o seu artífice acabou engolido. Sonho tornado realidade para milhões ou "maior catástrofe geopolítica do século XX" para Putin, a dissolução do espaço soviético marcou e continua a marcar os nossos tempos.
Relacionados
Bielorrússia
Sob o signo do ditador
A história da Bielorrússia no espaço pós-soviético confunde-se com a história do autocrata Alexander Lukashenko, o primeiro e único presidente. É uma história de eleições fraudulentas, de candidatos perseguidos ou presos, numa sociedade autoritária, a par de uma economia inspirada no modelo soviético - mas que nos últimos anos havia desenvolvido um importante setor tecnológico -, sem que as aspirações da população contem.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.

© DN
Em 1999, Minsk e Moscovo assinaram um tratado de união que tem conhecido uma história de avanços e recuos, ao sabor dos ventos das relações entre Lukashenko e Vladimir Putin, nem sempre tão fraternais quanto aparentam.
Em 2019, o bielorrusso não quis avançar com uma integração que incluiria uma moeda única e instituições políticas comuns. No entanto, após as contestadas eleições de 2020, e sob o peso de novas sanções ocidentais, Lukashenko vingou-se com a criação de uma crise migratória à UE, enquanto se voltava para Moscovo. A integração regional de tropas e uma doutrina militar da união são os passos mais recentes.
Ucrânia
Ameaçada, anexada e adiada
A revolução ucraniana de 2014 foi uma inspiração para os bielorrussos e um pesadelo para o Kremlin. À revolta popular contra o fim da aproximação à UE ditada pelo presidente Ianukovich, a Rússia respondeu com a anexação da Crimeia e o apoio aos secessionistas do leste. A Ucrânia já sofrera na primeira década da independência com uma economia em farrapos e uma corrupção galopante e em 2004 vivera a revolução laranja, na qual o candidato Iuschenko, entretanto envenenado, desafiou com sucesso os resultados oficiais. Mas Kiev, dependente da energia russa, manteve-se sempre na órbita de Moscovo. Apesar das reformas e apoios ocidentais, o país continua adiado.
Moldávia
O país com uma faixa viva da URSS
Entalada entre a Roménia (com a qual partilha a língua) e a Ucrânia e sem acesso ao mar, a Moldávia independente é uma novidade desde o século XVI. Com a indústria e a produção de energia para lá do rio Dniestre - na Transnístria, faixa de território de facto independente, russófona, com tropas russas estacionadas, e cuja bandeira e tradições remetem para o imaginário da URSS - o país de maioria rural pendeu entre comunistas e pró-ocidentais. Mas a anexação da Crimeia determinou a assinatura do acordo de associação com a UE.
Países Bálticos
Casos de integração e sucesso
Estónia, Letónia e Lituânia são os únicos estados saídos da União Soviética que se integraram em 2004 na União Europeia e na NATO, em paralelo com países da antiga cortina de ferro. Foram também os primeiros a declarar a independência do regime comunista: Vilnius em março de 1990, Riga em maio e Talin em agosto de 1991.
Em janeiro de 1991, tanques soviéticos invadiram a capital lituana, uma manobra repressiva a lembrar outros tempos, mas a mobilização popular falou mais alto. Com uma economia aberta aos vizinhos escandinavos e tensões com a minoria russa, a Estónia sofreu uma ciberguerra não declarada de Moscovo, o que levou o país a criar uma unidade de ciberdefesa e a NATO um centro de excelência de ciberdefesa em Talin. Os três países são casos de sucesso na reconversão económica e social e de ativismo na defesa das liberdades, seja no apoio à oposição bielorrussa seja em solidariedade para com Taiwan.
Cáucaso
Instabilidade e conflitos
A Geórgia, a Arménia e o Azerbaijão têm culturas bem distintas, mas partilham uma história recente de instabilidade e de conflito armado. A Geórgia viveu logo um golpe de Estado, uma guerra civil e, por fim, em 2008, uma guerra com a Rússia, o que levou à independência de facto da Abecásia e da Ossétia do Sul. O acordo de associação com a UE foi o culminar da aproximação com o Ocidente. Já o processo de entrada na NATO, uma aspiração reconhecida pela aliança desde 2011, está em hibernação. Tal como em relação à Ucrânia, a Rússia opõe-se frontalmente.
A cristã Arménia e o muçulmano Azerbaijão entraram em guerra ainda na vigência da URSS devido ao enclave do Nagorno-Karabakh, à qual voltaram em 2020. A Arménia mantém um acordo militar com a Rússia, que por sua vez mantém boas relações com a autocracia azeri.
Ásia central
A região do "autoritaristão"
Os cinco países da Ásia Central que se tornaram independentes - Turcomenistão, Usbequistão, Tajiquistão, Quirguistão e Cazaquistão - partilham a mesma religião predominante, o islão, e a mesma família linguística, túrquica, exceto os tajiques. Se fossem um bloco fariam fronteira a norte com a Rússia, a sudoeste com o Irão, a sudeste com o Afeganistão e a leste com a China, pelo que não é de espantar que também estes Estados, em menor ou maior grau (Turcomenistão à cabeça), sejam autoritários.
A exceção notável era a República Quirguiz, mas também esta, através de seis eleições e referendos em pouco mais de um ano, acabou por redesenhar a frágil democracia em favor do presidente Japarov. A meio da crise política, este país envolveu-se numa guerra fronteiriça de três dias com o Tajiquistão. Noutra frente, em agosto militares russos comandaram exercícios com tajiques e usbeques junto da fronteira com o Afeganistão, prova de que Moscovo continua a ser um importante ator na região, apesar da crescente influência chinesa. O maior destes cinco países, o Cazaquistão, é também o mais industrializado.
Rússia
Do caos à ordem putinista
A Rússia, coração e cérebro da União Soviética, foi o país que mais convulsões políticas sofreu, a começar pelo golpe falhado de agosto de 1991 - que apressou o desmoronamento da URSS - e prosseguindo com a crise de 1993. Nesse ano, o presidente russo Boris Ieltsin, que levava a cabo duras reformas, e os deputados envolveram-se num conflito que passou pela destituição do chefe de Estado e a nomeação de um governo paralelo, e que acabou com dezenas de mortos após a intervenção do exército.

Vladimir Putin.
© EPA/ALEXEI DRUZHININ / SPUTNIK
O sucessor de Ieltsin, Vladimir Putin, consolidou o poder ao longo de mais de 20 anos, ora perseguindo ora associando-se a oligarcas, exercendo em paralelo um controlo sobre o aparelho de segurança e militar. Apoiado num círculo de confiança em posições chave, Putin quis restaurar a imagem de uma Mãe Rússia forte, tradicionalista e conservadora, recorrendo a todos os meios, de guerras sem lei como a da Chechénia, à liquidação de adversários ou de vozes críticas. Tendo dado provas de intervencionismo, arroga-se no direito de vetar a entrada da Ucrânia e da Geórgia na NATO.
cesar.avo@dn.pt
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal