Nadia Calviño: "Bom entendimento entre Sánchez e Costa tem sido um dos grandes motores de ação da UE"
A ministra espanhola dos Assuntos Económicos e Transformação Digital e ex-diretora-geral do Orçamento da Comissão Europeia reuniu-se ontem, em Madrid, com o ministro português das Finanças, Fernando Medina, para falar das perspetivas económicas e financeiras da União Europeia.
Os quatro anos como diretora-geral do Orçamento da Comissão Europeia converteram Nadia Calviño numa das grandes figuras da equipa do governo criado por Pedro Sánchez na sua chegada à Moncloa, em 2018. Desde então, afirma ter trabalhado numa política económica responsável, com uma boa capacidade de gestão e um reforço do papel de Espanha no cenário europeu e internacional. Um trabalho que se traduz também na confiança no país por parte dos agentes económicos e sociais. Nesta segunda legislatura presidida por Sánchez, ocupa também a segunda vice-presidência.
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Ontem, em Madrid, reuniu-se com o ministro das Finanças português, Fernando Medina, para falar das perspetivas económicas e financeiras da União Europeia, num encontro organizado pelo Real Instituto Elcano. Na conferência na capital espanhola, Medina defendeu a criação de um orçamento europeu para investimentos estratégicos, assim como "um instrumento de estabilização macroeconómica para enfrentar choques". Medina reconheceu que não existe, por agora, consenso unânime nas propostas para impulsionar novas regras fiscais na UE.
Depois, ambos os ministros, Calvinõ e Medina, abordaram os temas bilaterais.
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Em que temas estão a trabalhar em conjunto?
Tivemos uma reunião muito produtiva e construtiva onde abordámos a cooperação bilateral e os temas europeus porque Portugal e Espanha estão muito alinhados em matéria de regulação energética, regulação financeira, revisão regras das fiscais, ajudas públicas...Neste momento, quando a atenção está centrada no nordeste da Europa, é importante reivindicar atenção para a Península Ibérica. Este sudoeste europeu está a contribuir muito, com os governos irmãos e amigos, para orientar as respostas europeias mais progressistas, mais social-democratas, aos desafios que temos pela frente. É muito importante continuar a nossa colaboração para aumentar o nosso peso.
Nas próximas semanas vai ter lugar a cimeira ibérica. Que temas querem tratar?
Vamos dar seguimentos aos temas acordados na cimeira anterior de colaboração bilateral, como o desenvolvimento da economia da raia, a cooperação no âmbito dos transportes, digital, projetos do plano de recuperação, investimentos... De certeza que vamos dar seguimento a esta cooperação e que vamos abordar a resposta europeia aos desafios europeus.
Concordam na necessidade de novas regras fiscais na UE. Pode ser um dos pontos máximos da presidência espanhola?
É imprescindível avançar o quanto antes nesta matéria. O ministro Medina e eu combinámos instar a Comissão Europeia a apresentar uma proposta legislativa para poder avançar durante a presidência sueca, e sobretudo chegar a um acordo na presidência espanhola. Não faz sentido voltar a regras que não eram válidas antes da pandemia, agora ainda menos. Sim, sem dúvida, será um dos principais temas da presidência espanhola. De forma geral, no segundo semestre do ano serão preparados um conjunto de expedientes que estão muito inter relacionados e que vão marcar o futuro da Europa das próximas décadas. Entre eles está a revisão do marco financeiro, novos recursos próprios, as regras fiscais, a revisão da regulação energética, a revisão do quadro da concorrência... esperamos também chegar a acordos comerciais importantes com o Mercosul, México, Chile, que também interessam muito à Península Ibérica e ao espaço latino-americano. O bom entendimento entre Sánchez e Costa tem sido um dos grandes motores de ação da UE nestes últimos anos. Espero poder continuar nesta linha para reforçar o papel da Península Ibérica na Europa e aproveitar a presidência europeia para fazê-lo.
Continua a pensar que há desconfiança na UE em relação aos países do Sul?
O ambiente mudou muito. A resposta à pandemia foi totalmente diferente à resposta dada à grande crise financeira. Aprendemos a lição, mas também países como Espanha e Portugal...somos um exemplo de responsabilidade fiscal compatível com o crescimento económico e a criação de emprego. E é o melhor antídoto contra a desconfiança e o estabelecimento de trincheiras. Em matéria da revisão de regras fiscais, apresentámos um non-paper com a Holanda para tratar de quebrar as linhas que marcavam os debates no passado. Este ano vai ser fundamental continuar no caminho do crescimento, com resultados económicos positivos, e continuar a cumprir os compromissos fiscais para poder ter uma negociação com resultado positivo.
É uma grande defensora de estender a exceção ibérica no gás à UE.
É uma solução ibérica. Num contexto de grande volatilidade e subida intensa dos preços do gás, conseguimos dissociar o mercado ibérico. Se é uma ilha para o mal, que seja uma ilha para o bem. E conseguimos que o preço do gás pague só pelo gás e não pela energia toda. Com a alta penetração das energias renováveis vemos como cada dia baixam os preços dos nossos sistemas energéticos e tudo isto dá uma enorme competitividade a Portugal e a Espanha. Estamos a atrair investimentos, porque temos baixos custos de energia em termos relativos. A solução ibérica já trouxe grandes lucros para os cidadãos e as empresas da Península Ibérica e deve servir de estímulo para o resto da UE para atualizar o quadro regulatório. O quadro não serve para um novo contexto internacional.
Há sinais de que possa vir a acontecer em breve?
O debate mudou. Há um ano e meio não percebiam o nosso discurso, não davam crédito. Agora perceberam que tínhamos razão no diagnóstico e tivemos razão ao articular as soluções. Temos uma posição forte e influente na Europa. Temos que estender esta solução a nível europeu enquanto não tivermos as regras adequadas.
Que crescimento económico espera para Espanha este ano?
Em Espanha levamos dois anos seguidos de crescimento económico muito forte, um 5,5% do PIB , em 2021 e 2022. Para este ano o crescimento não vai ser igual, mas começamos sobre uma base mais alta e mais sólida. Evitamos os cenários mais negativos, não aconteceu a catástrofe que alguns esperavam e o resultado superou as expectativas mais otimistas. A inflação baixou cinco pontos em cinco meses e a taxa de variação média anual está estável e é a mais baixa da Europa toda.
Estudam novas descidas do IVA para outros produtos, como a carne ou o peixe?
Todas as medidas têm um impacto muito significativo sobre as receitas. Mobilizámos já 45 mil milhões de euros de recursos públicos. Vamos seguir as medidas que consideramos que podem ter maior impacto em cada momento. É o que estamos a fazer desde 2020, com resultado positivo.
Até quando o governo vai conseguir manter estas medidas para combater a inflação?
Temos procedimentos automáticos para as retirar. A bonificação dos combustíveis deixou de ser geral para ficar só em alguns setores e depois vai desaparecer. O nosso planeamento é estabelecer um marco para o primeiro semestre do ano, mas com mecanismos para retirar as medidas no segundo. Trabalhamos num cenário de melhoria no segundo semestre, tal e como Banco de Espanha e o BCE.
Espanha aplicou um imposto extraordinário sobre a banca. Depois de ver os altos lucros das entidades financeiras, ponderam novas taxas?
Vamos ver como resulta a recolha do imposto. Os dados que vemos de grandes lucros e altos salários na banca confirmam que fizemos bem e que o setor tem margem para pagar, sem necessidade de repercutir nos seus clientes. Penso que os bancos sabem que devem ajudar e fariam bem em acompanhar e apoiar as famílias espanholas neste momento, por razões financeiras e de reputação.
O governo acordou há dias uma nova subida do salário mínimo até os 1080 euros, sem o apoio do patronato.
Quando acabar a legislatura o salário mínimo terá subido quase 50% em Espanha, num contexto de criação de emprego e melhoria das condições laborais. É um momento importante de dignificação do trabalho que ajuda sobretudo os jovens e as mulheres. Cumprimos o nosso compromisso de levar o salário mínimo até 60% do salário médio, segundo as recomendações internacionais.
Está Espanha a aproveitar a grande oportunidade que representam os fundos europeus?
O ritmo de execução é muito forte. Há convocatórias de uns 2000 milhões de euros ao mês, investimentos que não se poderiam ter feito nunca. O plano de recuperação já está a ter um impacto muito elevado na economia espanhola e isso explica a força do investimento, a criação de emprego. Como governo agilizamos ao máximo os processos, mas penso que não é realista pensar que se pode agilizar ainda mais sem pôr em risco o controlo. Por aí não vamos passar. Estes fundos demonstraram que em Espanha há um ecossistema empresarial muito forte. Não só as grandes empresas, também há médias e pequenas empresas muito boas. E projetos muito bons que estavam à espera de investimentos para passar a ser uma realidade.
É um ano de eleições. Que balanço faz da legislatura?
O meu balanço é muito positivo. Graças ao impulso de Espanha e Portugal, a Europa respondeu bem à pandemia em termos sociais, de proteção ...conseguimos ter uma base sólida para a recuperação. O objetivo é seguir um caminho de crescimento e criação de emprego, com uma melhoria do Estado de bem-estar, e aproveitar os fundos europeus para investir no futuro das gerações mais jovens.
Foi o primeiro governo de coligação na democracia espanhola. Como é que as diferenças entre partidos prejudicou o seu trabalho?
Trato de não deixar que o barulho me prejudique. Tivemos tanto para fazer, tanto trabalho... concentrei-me no que de verdade é importante. Trato de me abstrair das controvérsias. Muitas delas não existem.
É melhor governar sozinho?
De certeza que é mais cómodo governar sozinho, mas penso que o balanço deste governo é extremamente positivo. Desde 2018 seguimos uma política económica coerente, baseada na responsabilidade fiscal, justiça social, reformas estruturais progressistas. Tem tido bons resultados. Demonstramos a nossa capacidade de gestão, e isso é o que interessa e o que os cidadãos vão valorizar.
O que sente que aportou Nadia Calviño?
Há um trabalho em equipa, mas penso que o presidente Sánchez sabia muito bem o que queria de mim quando me trouxe de Bruxelas. Realizamos uma política económica responsável, com uma boa capacidade de gestão e um reforço do papel de Espanha no cenário europeu e internacional e da confiança no país por parte dos agentes económicos e sociais.