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Internacional
26 outubro 2022 às 05h00

Michelle e Janja são estrelas nas campanhas dos maridos

Evangélica fervorosa, mulher de Jair Bolsonaro chamou PT de "partido das trevas" e é inseparável da pastora Damares Alves. A mulher de Lula da Silva, socióloga, partilhou vídeos contra o rival e é amiga de Chico Buarque.

João Almeida Moreira, São Paulo

Isso pode, né? Eu falar de Deus não", escreveu Michelle Bolsonaro, 40 anos, ao comentar publicação de Lula da Silva num terreiro de umbanda, religião brasileira de matriz africana. "Eu aprendi que Deus é sinónimo de amor, compaixão e, sobretudo, de paz e de respeito, não importa qual a religião e qual o credo, a minha vida e a do meu marido sempre foram e sempre serão pautadas por esse princípio", respondeu Rosângela [Janja] da Silva, 56. Numa campanha eleitoral onde a presença das cônjuges dos candidatos foi mais central do que nunca, este foi o único momento em que as duas trocaram farpas diretamente.

Michelle e Janja são ambas do Flamengo, adoram cães e têm sido protagonistas das campanhas eleitorais - as semelhanças de percurso e gostos, no entanto, terminam aí.

Janja, que se casou com Lula em São Paulo em maio deste ano, depois de iniciar em 2018 o namoro, estava ele, viúvo da segunda mulher, na prisão, nasceu numa pequena cidade do Paraná. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), logo aos 16, tirou o curso de sociologia com especialização em história na capital do seu estado, Curitiba, foi professora universitária, assistente da direção de uma empresa pública, a Itaipu, e assessora de comunicação e de relações institucionais de outra, a Eletrobrás, de onde saiu, após 25 anos de carreira, em 2020.

Ela começou a ganhar destaque na imprensa quando o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, após visitar Lula na prisão, disse aos jornalistas que o amigo estava apaixonado "e o seu primeiro projeto ao sair da prisão é casar-se". Já a imprensa havia publicado os primeiros perfis possíveis da, até então, reservada socióloga, quando o hoje candidato, ao sair da prisão, em 2019, a apresentou durante um discurso a apoiantes como "minha Janjinha".

Michelle começou a trabalhar como secretária na Câmara dos Deputados aos 22 anos. Aos 25, passou a assessorar o então meio anónimo Jair Bolsonaro, com quem se casaria, primeiro pelo civil, em 2007, e depois numa cerimónia, em 2013, para 150 convidados, presidida pelo pastor evangélico Silas Malafaia, controverso líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Antes de chegar ao Congresso, concluiu o ensino médio, trabalhou no ramo da produção de eventos, fazendo demonstrações de alimentos e de vinhos em supermercados, e como modelo, carreira que abandonaria a conselho de uma missionária de uma igreja evangélica.

A igreja tornou-se, aliás, um pilar da sua vida, após infância rodeada de pobreza e violência em Ceilândia, maior favela da América Latina, nos arredores de Brasília. Michelle cresceu "num barraco improvisado", conforme definiu a tia Ângela Maria em reportagem do Correio Braziliense, é filha de Paulo Reinaldo, motorista de autocarro reformado, e de Maria da Graça Firmo Ferreira, uma das quatro familiares próximas com problemas com as autoridades.

Graça confessou às autoridades ter falsificado a identidade, por duas vezes, e agrediu - com golpes de pedra na cabeça da vítima - o seu senhorio, Ribamar dos Santos. A sua mãe, avó de Michelle, falecida em 2020 por coronavírus, cumpriu dois anos de cadeia, por tráfico de drogas. Um dos tios maternos está preso preventivamente no Batalhão da Polícia Militar da Papuda por envolvimento com a milícia, segundo o jornal Metrópoles, e outro foi condenado em 2018 a 14 anos de prisão pela violação de duas sobrinhas menores.

A vida de Michelle, mãe de Leticia Marianna, de um primeiro casamento, e de Laura, filha de Bolsonaro, sempre foi tratada com discrição mas, em 2020, foi tornada pública a receção de 21 cheques de Fabrício Queiroz, o operacional do esquema de desvio de dinheiro dos assessores protagonizado pela família Bolsonaro e chamado de "rachadinha".

Mergulhada em ações de caridade nas suas funções de primeira-dama, voltou a escapar dos holofotes até entrar em força na campanha do marido para tentar melhorar a imagem dele no eleitorado feminino. Sempre acompanhada da inseparável pastora Damares Alves, a ex-ministra das Mulheres entretanto eleita senadora que disse nos últimos dias, sem provas, saber de crianças vítimas de exploração sexual a quem eram arrancados os dentes para realizar sexo oral, Michelle chamou o PT de "Partido das Trevas". E Bruna Marquezine, atriz eleitora de Lula, de "feia e vulgar".

Ainda com Damares, visitou as adolescentes venezuelanas que Bolsonaro acusou, erradamente, de serem prostitutas no episódio conhecido como "pintou um clima". "Olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, numa comunidade, pintou um clima, voltei. "Posso entrar na sua casa?" Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida", disse Bolsonaro.

"Não olhe para meu marido, olhe para mim que sou uma serva do Senhor", reagiu Michelle, citando Ester, personagem do Antigo Testamento. A contenção de danos da primeira-dama, porém, não foi totalmente bem-sucedida porque, na sequência, foram publicados mais dois vídeos comprometedores de Bolsonaro sobre o tema - quem os publicou foi Janja.

Janja tinha os perfis das suas redes sociais fechados até à eleição, quando os aproveitou para humanizar a figura de Lula, ora retratando-o em férias, ora filmando-o a abrir-lhe a porta do carro. "Tem como não amar?", legendou.

Ligada ao mundo artístico, é amiga do músico Chico Buarque e da mulher deste, Carol Proner, e foi por ação dela que cantores famosos regravaram o Lula Lá, tema de campanha do PT em 1989 - entretanto, o excesso de voluntarismo de Janja terá irritado, segundo colunas de bastidores, a direção da campanha.

No debate da TV Bandeirantes, Janja chamou a atenção ao bocejar enquanto Bolsonaro discursava sobre as relações de Lula com os regimes da Nicarágua e da Venezuela. E a revista Veja noticiou que ela tem dívidas com o fisco, "que está a regularizar".

Janja ou Michelle, uma delas será primeira-dama até 2026.

dnot@dn.pt