Media expõem ciberguerra russa no dia em que jornalista dos EUA é preso
Vulkan Files mostram como uma empresa subcontratada pelo regime desenvolvia programas de desinformação, deteção de vulnerabilidades em sistemas informáticos e treino de ataques a infraestruturas.
Um funcionário de uma empresa russa de cibersegurança, em desacordo com a invasão do seu país à Ucrânia, passou milhares de documentos a um jornalista do Süddeutsche Zeitung. O resultado da análise dos ficheiros, cuja veracidade foi atestada por serviços de informações ocidentais e empresas de cibersegurança, demonstram que a NTC Vulkan trabalhou para agências russas em atividades como ciberataques e campanhas de desinformação, mas também para poder causar o caos nas infraestruturas, ao atacar uma rede elétrica ou um aeroporto. Horas antes, e sem relação aparente com o caso, as autoridades russas prenderam o correspondente do Wall Street Journal em Moscovo Evan Gershkovich, por suspeitas de espionagem.
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"A empresa está a fazer coisas más, e o governo russo é cobarde e está errado", disse o funcionário que forneceu os documentos ao jornalista alemão pouco depois da invasão da Ucrânia. O russo, que falou com o jornalista através de uma aplicação de chat encriptada, afirmou-se "zangado com a invasão da Ucrânia e com as coisas terríveis que estão a acontecer ali" e mostrou esperança de que a informação que iria partilhar mostre "o que está a acontecer atrás de portas fechadas".
O jornalista alemão ficou na posse de mais de 5000 páginas de documentos, datados entre 2016 e 2021, entre manuais, fichas técnicas e pormenores sobre o software que a Vulkan concebeu para os militares e os serviços secretos russos, mas também emails internos, registos financeiros e contratos. Fazia parte das funções da empresa subcontratada desenvolver programas para criar falsas páginas nas redes sociais e software para identificar vulnerabilidades em sistemas informáticos em todo o mundo para possíveis alvos futuros.
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Perante a magnitude e a complexidade dos documentos, o alemão partilhou-os com o consórcio de jornalistas de investigação Paper Trail Media, responsáveis, entre outros, pelos Panama Papers. Coordenados pela Der Spiegel, jornalistas do Le Monde, The Washington Post, The Guardian, Der Standard, etc. revelam ao fim de um ano de investigação alguns negócios até aqui secretos das agências militares e de espionagem da Rússia. Estes incluem trabalhos para o Sandworm, um grupo de hackers ao serviço do Estado russo, suspeito de ter causado apagões na Ucrânia, lançado o NotPetya, o malware que em 2017 virou de avesso os sistemas operativos Windows e causou milhares de milhões de prejuízos, ou ainda de estarem na origem dos Macronleaks, uma tentativa de interferir nas eleições presidenciais francesas, também em 2017.
Os documentos incidem luz sobre dois projetos, Amezit e Skan, que têm como objetivo realizar campanhas de desinformação nas redes sociais através de sistemas automatizados para criar perfis falsos, e a criar um mapa de alvos vulneráveis à pirataria. Um outro programa da Vulkan, Crystal-2, tem ferramentas para a prática de ataques informáticos a infraestruturas críticas, incluindo as redes de energia e de transporte.
A decisão de um tribunal russo de proceder à detenção preventiva do jornalista Evan Gerskovich, por suspeitas de espionagem, e sem a presença do seu advogado, levou o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken a mostrar-se "extremamente preocupado", e a condenar a política do Kremlin de "intimidar, reprimir e punir as vozes dos jornalistas e da sociedade civil". Já Karine Jean-Pierre, porta-voz da Casa Branca, disse que a acusação é "ridícula".
O jornalista, de 31 anos, começou a trabalhar na Rússia em 2017, primeiro no Moscow Times, depois na AFP. Foi detido em Ecaterimburgo, onde fazia uma reportagem sobre como é que a "operação militar especial" estava a ser vista pelos cidadãos.
Pai em fuga detido na Bielorrússia
A saga de Alexei Moskalyov chegou ao seu termo, ao ser detido em Minsk, capital da Bielorrússia. Há pouco mais de um ano, a sua filha Masha, então com 12 anos, ousou criar uma mensagem contra a guerra durante uma aula em que foi pedido à turma desenhos de apoio ao exército russo na Ucrânia.

A partir daí a vida de ambos foi virada do avesso: casa revistada, interrogatórios, multado por desacreditar o exército russo em comentários nas redes sociais e a filha recusou voltar à escola. Perante o cerco, ambos procuraram refúgio numa vila nos arredores da sua terra, Yefremov, na região de Tula, a sul de Moscovo. Mas Moskalyov, de 54 anos, acabou por ser localizado pela polícia no dia 1 de março. Masha foi enviada para um "centro de reabilitação" e o pai ficou em prisão domiciliária. Fugira um dia antes de ter sido condenado à revelia a dois anos de prisão.
Von der Leyen avisa Pequim
A forma como a China vai encarar a guerra na Ucrânia vai determinar os laços da União Europeia com Pequim, afirmou a presidente da Comissão Europeia. "Qualquer plano de paz que consolide de facto as anexações russas não é simplesmente um plano viável", afirmou Ursula von der Leyen num discurso em Bruxelas que antecede a sua visita e a do presidente francês Emmanuel Macron à China.
"Temos de ser francos sobre este ponto: a forma como a China continua a interagir com a guerra de Putin será um fator determinante para o avanço das relações UE-China". A dirigente disse ainda que a UE não deseja dissociar-se de Pequim, mas sim diminuir os riscos da relação bilateral.
cesar.avo@dn.pt