Kiev em cimeira com UE a sonhar com uma via rápida de integração

Charles Michel, Ursula von der Leyen e 15 comissários viajaram para Kiev, sinal de solidariedade e de um caminho comum, embora não à velocidade pretendida pelos ucranianos, que dão mostras de luta contra a corrupção para responder aos critérios de adesão.

A maior delegação a visitar Kiev desde o início da invasão para a 24.ª cimeira entre a União Europeia e a Ucrânia, mas a primeira vez em que Bruxelas mantém conversações numa zona de conflito. Num encontro carregado de simbolismo, as autoridades ucranianas prepararam o terreno com uma operação anticorrupção que culminou ontem com a detenção do ex-vice-ministro da Defesa. Da cimeira não se espera qualquer anúncio bombástico sobre a integração do país, apesar de o seu primeiro-ministro reiterar que estará pronto a entrar no clube dentro de dois anos.

No terreno: o presidente do Conselho Europeu, a presidente da Comissão e 15 comissários. Perante o presidente Zelensky e a equipa governamental, Ursula von der Leyen mostrou-se convencida de que a Comissão Europeia vai ajudar a Ucrânia a aproximar-se da adesão, "até ao dia em que a bandeira ucraniana será hasteada onde deveria estar, em frente ao edifício Berlaymont", referência à sede da Comissão. Ao longe, os deputados ao Parlamento Europeu aprovaram uma resolução a instar a Comissão a iniciar as negociações o quanto antes e apoie um roteiro com as próximas etapas para permitir a adesão da Ucrânia ao mercado único.

A resolução, que teve apenas 36 votos contra, reforçou que a adesão é um processo baseado no mérito e como tal Kiev tem de executar as reformas exigidas de alinhamento com os padrões europeus. Em junho, meses depois do pedido formal de candidatura à UE, Kiev recebeu o estatuto de candidato, tendo de começar por preencher sete critérios, os quais passam por reformas judiciárias, legislação anticorrupção e contra a lavagem de dinheiro, uma nova lei do audiovisual, a adoção de uma lei de combate às oligarquias e uma emenda à lei sobre as minorias.

Em entrevista a antecipar a cimeira, o primeiro-ministro Denis Shmyhal voltou a afirmar que o país vai estar pronto para aderir numa via rápida, a partir do final de 2024. "A decisão não nos cabe a nós. Mas estamos prontos a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance", declarou à Der Spiegel. Shmyhal destacou a luta contra a corrupção, um dos pontos essenciais para a adesão.

Nos últimos dias, houve uma sucessão de demissões, detenções e buscas, caso das realizadas na quarta-feira na casa do bilionário Igor Kolomoyskyi, o homem que lançou a série O Servo do Povo e que apoiou a candidatura de Zelensky (e ao mesmo tempo a de Yulia Timoshenko). Ou na detenção, na quinta-feira, do até há dias vice-ministro da Defesa Viacheslav Shapovalov, acusado de fazer pressão sobre contratos com preços inflacionados e de comprar produtos como coletes à prova de bala de baixa qualidade.

A presidente da Comissão aproveitou para elogiar as instituições por combaterem a corrupção e ao líder ucraniano por "reagir tão rapidamente a nível político para garantir que a luta contra a corrupção está a produzir resultados palpáveis".

No entanto, e apesar do esforço das autoridades, o sentimento geral em Bruxelas é que uma adesão acelerada como a ambicionada por Shmyhal é irrealista. "Não haverá uma adesão rápida para a Ucrânia, mas é importante oferecer incentivos para continuar as reformas e resolver os problemas atuais", disse Rosa Balfour, diretora do Carnegie Europe, à Deutsche Welle.

A cimeira de hoje, precedida na véspera por uma reunião entre ministros ucranianos e comissários europeus, vai explorar outros temas: a resposta da UE à guerra da Rússia (mais sanções, tal como Zelensky pediu à chegada da delegação europeia e von der Leyen prometeu, ao dizer que o décimo pacote vai chegar antes do aniversário da invasão); as iniciativas da Ucrânia para a paz (o plano de dez pontos de Zelensky) e a responsabilização russa (a criação de um tribunal para os crimes de guerra); a cooperação para a reconstrução, energia e conectividade; e ainda a segurança alimentar global.

E ainda...


Putin e os tanques alemães

"É inacreditável, mas é verdade. Estamos novamente a ser ameaçados por tanques alemães Leopard", referiu Vladimir Putin durante as comemorações da vitória da batalha de Estalinegrado. "Uma e outra vez somos forçados a repelir a agressão do Ocidente", disse, traçando um paralelismo entre a invasão nazi à URSS e a invasão ditada pelo Kremlin à Ucrânia. "Não estamos a enviar tanques para as suas fronteiras, mas temos algo com que responder, e não se trata apenas de usar veículos blindados. Todos devem compreender isto."

Lavrov e a "questão russa"

Já o ministro dos Negócios Estrangeiros voltou a fazer da Rússia uma vítima comparando a "solução final" nazi para a "questão judaica" - o Holocausto -, com uma alegada conspiração ocidental contra os russos. "Isto não é racismo, não é nazismo, não é uma tentativa de resolver "a questão russa"?", questionou Sergei Lavrov após ter acusado Ursula von der Leyen de querer que o seu país recue "muitas décadas". A presidente da Comissão tem dito que as sanções deixam a economia russa face a "uma década de retrocesso".

Wallace não exclui caças

Para o ministro da Defesa do Reino Unido, "não há varinha mágica neste conflito horrendo", mas num aparente volte-face abriu a perspetiva de o seu país enviar aviões de combate para a Ucrânia. "Uma coisa que aprendi no último ano é a não descartar nada", disse Ben Wallace sobre os caças. Um porta-voz do primeiro-ministro Rishi Sunak dissera que o envio dos caças Typhoon ou F-35 "não é prático" horas depois de Joe Biden ter rejeitado a ideia de fornecer F-16 a Kiev.

Viena expulsa e é pressionada

A Áustria anunciou a expulsão de quatro diplomatas russos, incluindo dois credenciados na ONU em Viena, no dia em que se soube que o país, sede da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa, está a ser pressionado para impedir a presença da delegação russa na próxima assembleia, nos dias 23 e 24. "A participação dos parlamentares russos na sessão de Viena seria lida na Rússia como a sua legitimação indireta e um regresso ao habitual", lê-se numa carta assinada por deputados de 20 países da OSCE. A Áustria expulsou em 2020 um diplomata russo acusado de espionagem.

cesar.avo@dn.pt

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