Jair Bolsonaro regressou hoje ao Brasil para "fazer política"
Ex-presidente volta dos EUA a meio do escândalo do desvio das joias sauditas. Mas também após a pior semana de Lula no poder. E na véspera simbólica da celebração do golpe militar de 1964 que instituiu a ditadura no país. Bolsonaro saiu do aeroporto em direção à sede do seu partido.
Depois de três meses na Florida, Jair Bolsonaro voltou esta quinta-feira ao Brasil com o objetivo, segundo o próprio, de "andar pelo país", "fazer política" e "manter de pé a bandeira do conservadorismo".
Relacionados
Enquanto apoiantes aguardavam o ex-presidente brasileiro nas chegadas do aeroporto de Brasília, já Bolsonaro estava a caminho da sede do Partido Liberal (PL), o primeiro destino do antigo chefe de Estado quando chegou ao Brasil.
Até ao momento, já foi recebido por Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, Braga Neto, ex-ministro e ex-candidato a vice, Flávio Bolsonaro, senador e seu filho primogénito, bem como pelo deputado Hélio Lopes.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O regresso do ex-presidente da República surge a meio do escândalo político do desvio de joias da Arábia Saudita, mas também após uma semana terrível do seu sucessor, Lula da Silva. E tem o 59.º aniversário do golpe que instituiu a ditadura no país em 1964, celebrado amanhã em clubes militares, como pano de fundo.
"Bolsonaro voltar na véspera do aniversário do golpe militar não parece coincidência: ele quer desafiar a autoridade de Lula como comandante em chefe e mostrar que tem o seu próprio Exército. Por isso, mesmo tendo em conta que as posições dos clubes militares não vinculam os oficiais no ativo, apenas os na reserva, será um teste de fogo para o governo", resumiu ao DN o politólogo Vinícius Vieira.
O Clube Militar do Rio de Janeiro, entre outros país fora, vai celebrar, com almoço e discursos, os 59 anos do golpe que instituiu a ditadura militar de 1964 até 1985. Um encontro "com a finalidade de celebrar o 59.° aniversário do movimento democrático de 1964", segundo o site da instituição.
De acordo com um artigo da Revista Sociedade Militar, "apesar da rejeição por parte do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas, os membros do Clube Militar já avisaram que não vão recuar, os oficiais advertem que os clubes são instituições privadas com o direito de comemorar o que bem entenderem, desde que isso seja aprovado pelos sócios".
O artigo refere-se à decisão de José Múcio, ministro da Defesa de Lula, de não celebrar o golpe este ano. A decisão, segundo o jornal Folha de S. Paulo, foi acolhida com naturalidade pelos comandantes do Exército, da Força Aérea e da Marinha.
Outro ministro de Lula, o titular dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, estará, inclusivamente, na Terceira Caminhada do Silêncio, um evento em São Paulo que reúne entidades, familiares de mortos, desaparecidos políticos e outras vítimas da ditadura, num ato que, segundo a organização, serve para "descomemorar" o 31 de março.
Essas ações contrastam com as do Governo Bolsonaro ao longo de quatro anos. Logo em 2019, primeiro ano do seu mandato, o ex-presidente pediu que fossem feitas as "comemorações devidas" da data, porque, conforme o porta-voz do Planalto à época, o então presidente não considerava a tomada de poder em 1964 como um golpe.
Para Vinícius Vieira, "o 31 de março torna-se assim o teste mais forte para o Governo Lula, desde o 8 de janeiro, para saber se a anarquia militar ainda opera ou não na prática". "Bolsonaro pode até ser convidado para um evento de algum Clube Militar e provavelmente fará alguma declaração, o que gerará certamente enorme repercussão à qual o governo terá de responder com firmeza de modo a debelar qualquer estímulo golpista."
Contactado pelo DN, o Departamento de Comunicação do Clube Militar do Rio de Janeiro disse que não está prevista a presença de Bolsonaro nas comemorações de amanhã: "Apenas almoço e discursos."
Segurança reforçada
O voo comercial que transportou Bolsonaro chegou por volta das 7.00 horas locais (11.00 de Lisboa) a Brasília. Como Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, e dois deputados convocaram os bolsonaristas para o aeroporto, a Secretaria de Segurança do Distrito Federal está em alerta máximo. Em reunião na terça-feira, as polícias decidiram que Bolsonaro deverá trocar o desembarque principal por uma rota alternativa. Auxiliares do político garantem, porém, que ele não aceitará a orientação por querer desembarcar "nos braços do povo".
Além de Costa Neto, também o general Braga Neto, candidato derrotado a vice-presidente de Bolsonaro, vai receber o ex-chefe de Estado.
Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais de Lula, disse ontem que "esse assunto é da alçada da Segurança do Distrito Federal, o governo não o comenta", mas ainda acrescentou que "Bolsonaro tem muito a se explicar".
Depois de perder as eleições em outubro, Bolsonaro ficou em silêncio, sem reconhecer a vitória de Lula, até ao final de 2022. Na antevéspera da posse do sucessor, a 1 de janeiro de 2023, decidiu viajar para os EUA e alojar-se na casa de um lutador de artes marciais por três meses, que se esgotam agora, sendo mais vezes visto a chorar a derrota do que a fazer oposição, para desilusão do PL. Mas, segunda-feira, ao anunciar o regresso, já mostrou outra disposição chamando até o presidente do Brasil de "nove dedos".
"A economia já começou a sofrer no Brasil, em janeiro cresceu metade do janeiro anterior - de ontem para hoje quatro montadoras de automóveis deram férias coletivas aos seus funcionários, um prenúncio de demissão -, não está havendo procura, o empresariado puxou o travão de mão e o problema é a confiança; o "nove dedos" disse que devemos abandonar os livros de economia, o cara nunca leu um Tio Patinhas na vida e agora fala em abandonar os livros de economia", afirmou Bolsonaro perante apoiantes, segunda-feira, na Florida.
Rivais em crise
Lula, de facto, viveu a pior semana desde a posse: contraiu uma pneumonia que adiou a viagem à China para abril, viu o Comité de Política Monetária manter a taxa de juros em 13,75%, a maior do mundo, ignorando as críticas do Planalto, e ainda desmentiu o próprio ministro da Justiça ao acusar o senador Sergio Moro de fabricar um plano de uma organização criminosa para o executar.
Mas Bolsonaro está em crise há meses: assistiu, em Orlando, aos ataques do 8 de janeiro, repudiados pelo Brasil e pelo mundo, com a consequente prisão do seu ex-ministro da Justiça, e viu-se envolvido num escândalo de desvio de joias do erário público que parece não ter fim.
Depois de ter sido noticiada a tentativa de um ministro de Bolsonaro de driblar a alfândega com um estojo de joias no valor de quase três milhões de euros oferecidas pelo governo da Arábia Saudita, em 2021, soube-se que um segundo estojo passou a barreira do fisco e ficou na posse dele. Já depois de o ex-presidente ter sido obrigado pelas autoridades a devolver o segundo estojo, surgiu notícia de um terceiro, guardado na fazenda do ex-automobilista e notório bolsonarista Nelson Piquet.
dnot@dn.pt
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal