França volta às ruas contra Macron, mas com menos pessoas e violência

Após o caos de quinta-feira, temia-se o que poderia acontecer no 10.º dia de ação contra a reforma das pensões. Confrontos com a polícia repetiram-se, mas em menor número.

As autoridades francesas estavam preparadas para o pior, no 10.º dia de ação contra a reforma das pensões do presidente Emmanuel Macron, mas o nível de violência que se tinha registado no 9.º dia, na última quinta-feira, não se repetiu. Menos pessoas estiveram ontem nas ruas do que o previsto e apesar de novos confrontos entre manifestantes e polícia - um recorde de 13 mil elementos foram destacados, 5500 só em Paris -, a situação esteve mais controlada. A próxima jornada de protesto é a 6 de abril.

Segundo os números do Ministério do Interior, cerca de 740 mil pessoas protestaram ontem em França, 93 mil dos quais na capital de acordo com os dados da câmara municipal. No dia 23 de março, tinham saído às ruas mais de um milhão de pessoas, 119 mil delas em Paris. Os números diferem dos apresentados pelos sindicatos, que só na capital contabilizaram ontem 450 mil manifestantes, falando em dois milhões de pessoas a protestar em todo o país (tinham falado em 3,5 milhões na quinta-feira).

O cenário esteve mais complicado em Nantes, onde a sucursal de um banco foi incendiada junto com caixotes do lixo e os manifestantes atiraram projéteis contra a polícia, que respondeu com gás lacrimogéneo. Em Bordéus, um manifestante e seis polícias ficaram ligeiramente feridos, tendo seis pessoas sido detidas. Pelo menos 19 caixotes do lixo e dois veículos foram incendiados.

Na capital, o gás lacrimogéneo também foi usado quando um grupo de pessoas vestidas de negro e com o rosto coberto, tomaram de assalto uma mercearia. Ao final da tarde, 27 pessoas tinham sido detidas em Paris. Ainda assim, a situação esteve longe da registada na quinta-feira, quando centenas de fogos foram ateados nas ruas da capital e pelo menos 400 polícias ficaram feridos nos confrontos.

Apesar de, em comparação, a situação ter estado mais calma, um em cada cinco inquiridos (18%) apoia o recurso à violência, segundo uma sondagem da Toluna Harris Interactive. Entre os que disseram apoiar os protestos, o número chega aos 25%. As autoridades temem por isso que as manifestações se tornem mais violentas, estando também preocupadas com o facto de cada vez mais jovens estarem a participar nos protestos - ontem houve vários bloqueios em escolas e universidades.

À margem dos protestos, continuam as greves em vários setores, nomeadamente nos transportes e no setor de energia (há estações de serviço sem alguns combustíveis). Contudo, ao final de três semanas consecutivas de greve, os funcionários da recolha de lixo de Paris vão voltar ao trabalho - devendo contudo ainda levar tempo a conseguir limpar as pilhas de lixo que se acumularam ao longo das ruas.

Suspender as alterações?

As manifestações têm-se repetido desde a apresentação do projeto de reforma das pensões de Macron, que implica o aumento da idade em que os franceses deixam de trabalhar dos 62 para os 64 anos. Os protestos ganharam força depois de o governo, liderado por Élisabeth Borne, ter passado a lei sem uma votação final no Parlamento, recorrendo ao artigo 49.3 da Constituição francesa. A reforma das pensões era uma proposta eleitoral de Macron, já no primeiro mandato, com o presidente a insistir que é a única forma de garantir a sustentabilidade do sistema.

Ontem, num artigo de opinião publicado no jornal Le Monde, o professor de Ciência Política Bastien François sugeria a Macron recorrer a um outro artigo da Constituição francesa para acalmar a situação: o artigo 10. Este permitiria ao presidente devolver a lei ao Parlamento, para ser novamente discutida, travando assim a sua promulgação - que é obrigatória. Na prática, seria suspender a aplicação da lei, sendo que esta poderia até nunca ser mais discutida. Tendo em conta a vontade de Macron de avançar com a reforma, esta não parece contudo uma proposta que o presidente vá levar em conta.

Os sindicatos defendem que há outras formas de salvar o sistema de pensões, pedindo ao governo que faça uma "pausa" e repense a situação. Pedem ainda uma "mediação" para o diálogo com o governo. Mas as propostas foram rejeitadas pelo executivo, que se mostra aberto a discutir outros temas exceto a reforma das pensões.

Entretanto, cai a popularidade do presidente, aproximando-se dos valores que alcançou por altura dos protestos dos coletes-amarelos, durante o primeiro mandato (27% de aprovação). Segundo a sondagem Odoxa divulgada ontem, 30% dos inquiridos pensa que Macron é um "bom" presidente, menos seis pontos percentuais no espaço de um mês, enquanto 70% o veem de forma negativa.

susana.f.salvador@dn.pt

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