EUA menorizam incidente com drone. Para Kiev foi provocação russa

Washington diz que o drone caído no Mar Negro terá sido atingido de forma "não intencional" e que "não procura um conflito com a Rússia". Ucranianos fazem outra leitura.

Os responsáveis pela pasta da Defesa dos Estados Unidos e da Rússia, Lloyd Austin e Sergei Shoigu, falaram ao telefone, o que aconteceu pela primeira vez desde outubro, no que poderá ser uma tentativa por parte de Washington de sanar o incidente relacionado com a queda de um drone - derrubado por um caça russo, segundo os EUA - nas águas do Mar Negro. Já a Ucrânia crê que o ocorrido é uma mensagem de Vladimir Putin de que está disposto a "expandir o conflito".

"Não vou falar pelo ministro Shoigu nem entrar nos pormenores da nossa discussão. Vou apenas reiterar que os Estados Unidos irão voar e agir onde o direito internacional o permitir. Levamos muito a sério qualquer potencial de escalada, por isso acredito que é importante manter as linhas de comunicação abertas. Penso que isso ajudará a evitar que os erros de cálculo prossigam", disse Austin, que presidiu à décima reunião do formato Ramstein, na qual os ministros da Defesa dos 30 aliados da NATO e de outros 14 países participaram para coordenar a assistência militar à Ucrânia.

O chefe do Estado-Maior dos EUA, general Mark Milley, disse que também espera falar com o homólogo russo, Valery Gerasimov. Questionado pelos jornalistas, Milley escusou-se a comentar se a colisão foi um "ato de guerra" de Moscovo. "Não procuramos um conflito com a Rússia." Na mesma linha, o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse que o incidente deu-se de forma "provavelmente não intencional".

Opinião diferente tem o secretário de Defesa e Segurança Nacional da Ucrânia, Oleksiy Danilov. O incidente, "provocado pela Rússia no Mar Negro, representa uma mensagem de Putin sobre a disponibilidade para expandir a zona de conflito com o envolvimento de outras partes".

Já o Ministério da Defesa russo, em comunicado, disse que Moscovo "não está interessado" numa escalada, mas que vai "continuar a responder proporcionalmente a todas as provocações". Os russos declararam "restrições aéreas" na região do Mar Negro desde o lançamento da "operação militar especial", o que não foi reconhecido internacionalmente. "Os voos de drones estratégicos norte-americanos na costa da Crimeia são de natureza provocadora", disse o comunicado, onde se lê ainda que a causa do incidente foi "o incumprimento das restrições aéreas".

Na véspera, Moscovo rejeitou a versão norte-americana de que um dos dois Su-27 teria largado combustível para cima do Reaper e depois atingido a sua hélice. "O dispositivo ficou fora de controlo em resultado de manobras bruscas e depois caiu", afirmou o Ministério da Defesa russo.

Enquanto o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov se lamentava do "deplorável estado das relações bilaterais" entre Rússia e EUA e mostrava abertura ao "diálogo construtivo", o secretário do Conselho de Segurança Nacional, Nikolai Patrushev, afirmou que a presença da aeronave não tripulada MQ-9 Reaper na região é "prova" de que os EUA estão a "participar diretamente" na guerra.

Patrushev anunciou que os militares russos irão tentar resgatar o drone. Não para devolver o aparelho aos norte-americanos, mas para explorar as "possibilidades técnicas", como disse o diretor dos serviços de informações externas Sergei Naryshkin. O general Milley disse que os EUA sabem o local onde o Reaper caiu - 56 milhas náuticas a sudoeste do extremo sul da Crimeia, segundo um funcionário da Defesa ouvido pelo Washington Post - e que nada de importante ficou à disposição de quem apanhar os destroços.

O Mar Negro tem sido local de fricções entre a Rússia e os países ocidentais: no ano passado os britânicos queixaram-se de que um caça russo disparou um míssil ao lado de um avião espião seu. De acordo com Londres, Moscovo alegou então uma avaria técnica. No ano anterior, um contratorpedeiro britânico recebeu tiros de aviso ao passar ao largo da costa da Crimeia. E em agosto de 2020, também na mesma zona, um B52 da Força Aérea dos EUA foi intercetado por dois Su-27 russos, que passaram muito perto do bombardeiro.

E ainda


Sanções fazem mossa

As sanções internacionais à Rússia começam a fazer efeito na economia. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), as receitas petrolíferas russas em fevereiro foram 42% inferiores às do mesmo período do ano anterior, apesar de Moscovo ter vendido um volume semelhante. Isto representa uma quebra de 8,4 mil milhões de dólares num mês. Na véspera, Vladimir Putin reconheceu o impacto na economia: "Temos de admitir que esses que nos desejam mal estão a contar com o facto de que a médio prazo irão criar-nos problemas. Tal perigo existe realmente, compreendemos isto."

FMI elogia progressos de Kiev

O Fundo Monetário Internacional informou que após reuniões mantidas entre os dias 8 e 15 em Varsóvia com funcionários ucranianos, Kiev fez "muito bons progressos" num conjunto de políticas que poderão abrir a porta a um novo programa de empréstimos. A Ucrânia pretende um financiamento de 20 mil milhões de dólares. O representante do FMI naquele país, Vahram Stepanyan, disse que as discussões deverão ser concluídas nos "próximos dias".

Turquia pressiona para acordo dos cereais

Depois de na segunda-feira a Rússia ter sugerido aceitar a extensão da iniciativa dos cereais no Mar Negro com a Turquia e as Nações Unidas por 60 dias - metade do tempo que estava em discussão -, a Ucrânia recusou a proposta. No entanto, o ministro da Defesa da Turquia, Hulusi Akar, disse que as negociações iriam continuar, e "em linha com a versão inicial do acordo", ou seja, uma extensão de 120 dias. O acordo atual é válido até sábado.

Nova Deli contra "paralisia"

O diplomata indiano Amitabh Kant, negociador do G20 - Nova Deli preside ao grupo - lamentou que "uma única guerra" possa "paralisar o mundo inteiro", tendo apelado para uma ação urgente.

Kiev convida DeSantis

A diplomacia ucraniana convidou o governador da Florida Ron DeSantis a visitar o país. O pré-candidato republicano à presidência classificou a invasão russa como uma "disputa territorial" e disse que a ajuda dos EUA à Ucrânia não faz parte dos "interesses vitais" do país.

cesar.avo@dn.pt

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