Cimeira pela Democracia de Biden arranca a falar de guerra e com críticas da Rússia e China

Presidente dos EUA abre esta quarta-feira a reunião que inclui 121 países, estando prevista também uma intervenção do secretário-geral das Nações Unidas. Mas os trabalhos já começaram, com Kuleba a discursar em vez de Zelensky

A guerra da Ucrânia serviu de ponto de partida para a segunda Cimeira pela Democracia, um projeto do presidente dos EUA, Joe Biden, para a qual 121 países foram convidados a participar de forma virtual. Rússia e China, dois dos países que ficaram de fora, não esconderam as críticas ao evento que dizem ter como objetivo dividir o mundo e ser uma "manifestação de práticas neocoloniais" por parte dos norte-americanos.

Desde a primeira Cimeira para a Democracia, organizada em dezembro de 2021, a Rússia invadiu a Ucrânia. E como a guerra é uma das maiores ameaças à democracia, o segundo encontro virtual começou precisamente com um painel dedicado à "paz justa e duradoura na Ucrânia", com os intervenientes a defender o plano de dez pontos de Kiev para a alcançar.

"Nenhuma outra nação quer a paz mais do que a Ucrânia, mas a paz a qualquer custo é uma ilusão. Para a paz durar, precisa de ser justa", lembrou o chefe da diplomacia ucraniano, Dmytro Kuleba, reiterando que o fim da agressão russa e a restauração da integridade territorial da Ucrânia são "condições essenciais para a paz". Kuleba discursou no lugar do presidente Volodymyr Zelensky, que por estar a visitar as várias frentes de batalha - ontem esteve em Sumy - não pôde participar como previsto.

"Nesta luta, estamos a defender todo o mundo democrático", indicou Kuleba, avisando que qualquer cedência "ao agressor" servirá apenas para "encorajar" a Rússia a intensificar os seus "ataques à democracia", dando-lhe tempo e espaço para restabelecer a sua capacidade militar e retomar a sua ofensiva". "Quero que fique claro, a Rússia tem que retirar de cada centímetro quadrado do território ucraniano. Não deve haver mal entendidos em relação ao que a palavra retirada implica", defendeu.

Kuleba insistiu no plano de dez pontos para a paz, apresentado no passado por Zelensky. Este plano começa na segurança nuclear e termina na confirmação do fim da guerra, e inclui a libertação dos presos de guerra e a devolução das crianças deportadas para a Rússia, a criação de um tribunal especial para lidar com os crimes de guerra e a retirada total das forças russas do território ucraniano, entre outras coisas.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, foi o anfitrião do primeiro dia de trabalhos - os debates entre os presidentes serão ao longo desta quarta-feira. Blinken reiterou que apesar de todos desejarem "que as armas se calem", simples apelos a um cessar-fogo não são a solução, já que isso só dará tempo e espaço à Rússia para se recompor e voltar a atacar. E lembrou que "a guerra pode terminar amanhã" e que basta o presidente russo, Vladimir Putin, retirar as suas forças da Ucrânia.

Críticas de Pequim e Moscovo

Desde a primeira Cimeira para a Democracia, o mundo tornou-se mais autocrático. Segundo o último relatório do instituto de pesquisa V-Dem, 72% da população mundial (5,7 mil milhões de pessoas) vivia numa autocracia no ano passado, dos quais 2,2 mil milhões (28%) em autocracias fechadas (onde nem sequer há eleições). Só mil milhões de pessoas (13%) vivem em democracias liberais.

Apesar deste cenário, Biden convidou os líderes de 121 países para a cimeira virtual deste ano, mais oito do que na inaugural - Bósnia-Herzegovina, Costa do Marfim, Gâmbia, Honduras, Liechtenstein, Mauritânia, Moçambique e Tanzânia. Mas as ausências são igualmente importantes, não havendo lugar para Rússia, China, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Hungria (o único país da União Europeia que ficou de fora) ou Singapura.

O Departamento de Estado recusou explicar os critérios para a escolha dos convidados. "Não estamos à procura de definir que países são ou não democracias", disse um porta-voz, citado pela AFP. "Pretendemos ser inclusivos e representativos de uma lista de países com diversidade regional e socioeconómica", acrescentou.

Para Moscovo, esta cimeira visa apenas servir os interesses globais de Washington, com a porta-voz do Ministério de Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, a dizer que espera muitas declarações antirrussas e "hipocrisia pomposa" do encontro de três dias. "Acreditamos ser o cúmulo da hipocrisia da parte das autoridades norte-americanas reivindicar a liderança na promoção dos valores democráticos numa escala global quando a sua reputação nesta área não pode sequer ser considerada dúbia, está completamente destruída", referiu num comunicado.

A Rússia considerou também "lamentável" que o secretário-geral da ONU, António Guterres, vá participar na sessão inaugural do encontro, junto com Biden e os líderes dos outros países coanfitriões. Depois das críticas de que os trabalhos em dezembro de 2021 se focaram demasiado nos EUA - numa altura em que Biden queria reiterar o papel de Washington no mundo após quatro anos da Administração de Donald Trump e dos eventos da invasão do Capitólio -, o formato mudou para incluir quatro coanfitriões, um de cada continente: Coreia do Sul, Costa Rica, Países Baixos e Zâmbia.

Pequim também criticou o evento: "Apesar dos muitos problemas em casa, os EUA estão a realizar outra Cimeira pela Democracia em nome da promoção da democracia, um evento que descaradamente traça uma linha ideológica entre países e cria divisões no mundo. O ato viola o espírito da democracia e revela ainda mais a busca dos EUA pela primazia por detrás da fachada da democracia", afirmou a porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning.

susana.f.salvador@dn.pt

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