Cessar-fogo falha e Putin diz que sanções são declaração de guerra
Acusações mútuas por não ter sido possível a retirada de civis de Mariupol. Blinken reuniu na fronteira com homólogo ucraniano.
O presidente russo, Vladimir Putin, comparou este sábado as sanções internacionais contra a Rússia a uma declaração de guerra e avisou que haverá "consequências colossais e catastróficas não só para a Europa mas para todo o mundo" se a NATO criar uma zona de exclusão aérea na Ucrânia. No terreno, o cessar-fogo temporário para permitir a retirada de civis de duas cidades no sul do país falhou, com ambas as partes a acusarem-se mutuamente de serem as responsáveis por essa situação.
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Numa reunião no Kremlin com funcionários da companhia aérea russa Aeroflot (que vai suspender todos os voos internacionais), Putin disse que a decisão de empreender a operação militar na Ucrânia foi "muito difícil". O presidente mantém ainda que a culpa de tudo é dos líderes ucranianos. "Se continuam a fazer o que estão a fazer, estão a pôr em causa o futuro do Estado ucraniano", avisou. "Se isso acontecer, ficará na consciência deles", acrescentou.
O presidente russo criticou ainda as sanções ocidentais contra a Rússia, considerando-as como "uma declaração de guerra". As mesmas passam por medidas financeiras, como a retirada de vários bancos russos do sistema Swift, que facilita as transferências, mas também têm como alvo indivíduos específicos, os chamados oligarcas com ligações ao Kremlin. Além disso, várias empresas internacionais anunciaram a suspensão da venda dos seus produtos na Rússia, desde a Apple ou a Microsoft passando pela Zara, Prada ou Puma, só para dar alguns exemplos.
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O presidente russo recebeu em Moscovo o primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, num encontro de quase três horas, que não foi anunciado com antecedência. Bennett é um dos líderes mundiais que ainda não condenou a invasão da Ucrânia, sublinhando as boas relações que mantém com a Rússia, sendo o primeiro a visitar o Kremlin desde a invasão (o primeiro-ministro paquistanês esteve em Moscovo no dia seguinte, numa visita que já estava prevista). Após a reunião com Putin, Bennett falou ao telefone com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Ao contrário do que tem sido habitual, este não deu conta desse contacto no Twitter. Zelensky esteve ainda em contacto com os senadores norte-americanos, que lhe prometeram mais 10 mil milhões de dólares de apoio.
Blinken na fronteira
O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken visitou a fronteira entre a Polónia e a Ucrânia e encontrou-se no posto fronteiriço de Korczowa-Krakovets com o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba. "Espero que as pessoas da Ucrânia possam ver isto como uma clara manifestação de que temos amigos que literalmente ficam ao nosso lado", disse Kuleba. "O mundo inteiro está ao lado da Ucrânia, tal como eu estou aqui na Ucrânia com o meu amigo, o meu colega", disse, por seu lado, Blinken, que apelidou a liderança de Zelensky e do próprio Kuleba de "inspiradora".
O chefe da diplomacia ucraniano disse ter pedido aos EUA caças e sistemas de defesa aéreos. E considerou um "sinal de fraqueza" o facto de a NATO recusar implementar uma zona de exclusão aérea na Ucrânia. "Estamos numa fase onde ainda podemos dizer "não, não vamos fazer isto" , mas o tempo virá", afirmou. A reunião, envolta em medidas de segurança, terá durado 45 minutos.
Blinken viajou também para a localidade polaca de Rzeszow, onde se comprometeu com mais 2,75 mil milhões de dólares de ajuda para os refugiados. Quase 1,4 milhões de pessoas já fugiram da guerra na Ucrânia, metade das quais para a Polónia. "O povo polaco sabe o quão importante é defender a liberdade", disse Blinken, que visitou um centro que acolhe três mil refugiados. "A Polónia está a fazer um trabalho vital na resposta a esta crise", acrescentou, após reunir com o chefe da diplomacia do país, Zbigniew Rau.
Falha corredor humanitário
"Os corredores humanitários não existem porque a Rússia violou os acordos", disse Kuleba em conferência de imprensa. Durante a manhã, a Rússia tinha anunciado um cessar-fogo temporário para permitir corredores humanitários e a saída dos civis de Mariupol e Volnovakha, no Sul da Ucrânia. Contudo, os ataques continuaram, com cada um dos lados a culpar o outro.
O ministro da Defesa russo, Igor Konashenkov, disse que, "devido à falta de vontade do lado ucraniano" e de os habitantes estarem a ser mantidos "por grupos nacionalistas como escudos humanos", as operações ofensivas seriam retomadas às 17h00 locais. Inicialmente, os ucranianos tinham dito que começariam a retirada dos cidadãos ao meio-dia, mas acabaram por cancelar a operação "por razões de segurança", já que os russos continuavam a bombardear.
Apesar do aparente falhanço do cessar-fogo negociado na segunda ronda de negociações para permitir a retirada de civis das cidades mais atingidas, ucranianos e russos vão voltar a sentar-se à mesma mesa na segunda-feira. A informação foi avançada por um dos membros da delegação ucraniana, David Arakhamia, no Facebook. Seguindo o molde que tem sido habitual, o encontro deverá ocorrer na Bielorrússia, mas a informação ainda não foi confirmada.
No terreno continuaram os bombardeamentos em Kharkhiv (Carcóvia) e os avanços a partir das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, no Leste. A Sul, o porto de Odessa continua nas mãos dos ucranianos, mas existe o receio de um eventual ataque anfíbio da Rússia desde o mar Negro.
Europa sai à rua em apoio
Em várias cidades europeias houve manifestações de apoio à Ucrânia e palavras de ordem para que a Rússia ponha fim à invasão. Só em França eram esperados 25 mil manifestantes em mais de 100 cidades, enquanto na maior cidade suíça, Zurique, os organizadores acreditam que tenham participado 40 mil pessoas na manifestação. "Parem a guerra" e "Paz" eram as mensagens nos cartazes.
Na marcha em Roma, segundo a AFP, as palavras de ordem eram contra Putin, mas também a NATO. "Nenhuma base, nenhum soldado, a Itália fora da NATO", cantaram os manifestantes, lembrando que a paz não pode ser alcançada enviando armas para um dos países em guerra (os países europeus estão a enviar armas para a Ucrânia).
Mas o protesto mais surpreendente foi na cidade portuária de Kherson, a primeira a cair esta semana nas mãos dos russos. Cerca de duas mil pessoas desfilaram no centro da cidade, gritando "russos vão para casa" e "Kherson é Ucrânia". Brandiam bandeiras ucranianas e cantavam o hino, segundo a BBC, dizendo que havia vídeos a circular nas redes sociais que mostravam as tropas russas a disparar para o ar de forma a impedir a multidão de se aproximar.
susana.f.salvador@dn.pt