Cabo Delgado "sempre a recomeçar do zero"
Dois anos após ataque a Palma, situação melhorou junto dos projetos de gás, mas problemas mantêm-se, dizem os Médicos Sem Fronteiras.
A situação em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, está longe de estabilizada e até se agravou nalguns distritos, apesar da melhoria registada junto aos projetos de gás, disseram dirigentes dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) no país. "Estamos longe da estabilidade em Cabo Delgado", referiu Helena Cardellach, coordenadora de emergência dos MSF naquela região, classificando a situação como "uma grave crise, com muito sofrimento e deslocados", já acima de um milhão.
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"É difícil de prever o que vai acontecer, mas o que é claro é que se este conflito acabasse amanhã, as necessidades estariam lá" durante muito tempo, até porque já existiam antes, referiu num evento online dos MSF para assinalar dois anos após o ataque a Palma, o mais mediático da insurgência que dura desde 2017 em Cabo Delgado. O ataque feito por militantes islamistas paralisou os projetos de gás do consórcio liderado pela TotalEnergies, obra que a empresa italiana Saipem diz que vai recomeçar em julho.
"Nalgumas partes da província, como Palma, a situação está um pouco mais estável", mas "noutras está a piorar", detalhou Federica Nogarotto, representante dos MSF em Moçambique. Palma é o distrito onde estão os projetos de gás e que passou a ser guarnecido por tropas do Ruanda. Olhando para a província no seu todo, não se pode dizer que "a quantidade de população em necessidade seja menor que há dois anos". Nogarotto diz que há mais necessidades humanitárias, num cenário em que "o medo continua a movimentar as pessoas".
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No resto da província, as famílias ainda fogem de lugar para lugar devido aos ataques. "Estão sempre a tentar recomeçar do zero", sublinhou Cardellach. Há muitos milhares a regressar a alguns distritos, como Mocímboa da Praia, mas nestas zonas semidestruídas e reconquistadas aos insurgentes, faltam serviços básicos de saúde e outros. Fora de Pemba (capital provincial) e Palma, a presença de serviços de saúde e de ajuda humanitária é reduzida e em muitos pontos do interior resume-se aos Médicos Sem Fronteiras.
A somar a estes problemas, "a situação da saúde mental é crítica", referiu a coordenadora em Cabo Delgado, tendo dado como exemplo o caso de uma criança, hoje com seis anos, forçada a assistir à decapitação do pai, tendo depois recebido a cabeça. A criança está a ser acompanhada pelos MSF. "Agora, começa a sorrir de novo, após várias sessões" quando antes rejeitava interagir com outras pessoas, disse Philip Aruna.
Água é prioridade
O governo moçambicano disse nas Nações Unidas que precisa de 15,6 milhões de euros para recuperar a infraestrutura de abastecimento de água destruída pelos ataques terroristas em Cabo Delgado. "Como a água é uma das necessidades básicas da população para retornar e restabelecer as suas vidas, a recuperação da infraestrutura de abastecimento de água é o principal componente do projeto", disse o ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos de Moçambique, Carlos Mesquita.
De acordo com o governante, a experiência moçambicana provou que garantir o abastecimento de água para comunidades afetadas por conflitos armados é um "elemento crítico para promover a paz e a estabilidade". A intervenção decorreu numa reunião ministerial organizada por Moçambique e Suíça durante a Conferência da Água da ONU, em Nova Iorque.
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