António Vitorino registou destruição "muito pior" na Turquia do que na Ucrânia
António Vitorino fez uma antecipação do Diálogo Internacional sobre as Migrações 2023, que decorrerá na quinta e sexta-feira. O diretor-geral da OIM confessa que o cenário de destruição causado pelo sismo na Turquia supera vários "teatros de guerra" que presenciou. Acerca da Ucrânia refere que uma das maiores preocupações da comunidade internacional tem sido a deslocação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.
O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), António Vitorino, admitiu que o cenário de destruição pós-sismo na Turquia é "muito pior" do que na Ucrânia.
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"Devo confessar que fiquei muito impressionado com o que vi na Turquia, porque eu nunca tinha visto um cenário de tão grande devastação como aquele que presenciei. Na realidade, a fúria da natureza é inimaginável e embora eu tenha estado já em vários teatros de guerra e de destruição pela guerra, como por exemplo na Ucrânia, na realidade a destruição na Turquia é muito pior", disse o português.
António Vitorino esteve este mês na Turquia para aprofundar a cooperação com o Governo turco na resposta de emergência e nos esforços de recuperação a longo prazo, incluindo no apoio aos milhões de pessoas afetadas pelo sismo e na garantia de que irão conseguir reconstruir a vida.
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"As suas casas desapareceram em 60 segundos de um tremor de terra. O sofrimento das pessoas é enorme e, portanto, há a necessidade não só de apoiar com assistência humanitária as pessoas que foram atingidas pelo terremoto, mas também de começar a reconstrução de cidades inteiras que foram arrasadas. Neste momento, o financiamento da comunidade internacional é muito insuficiente", avaliou o diretor-geral da OIM.
Em fevereiro, a agência que integra o sistema da ONU fez um apelo para a angariação de 161 milhões de dólares (148,6 milhões de euros), para apoiar as populações afetadas pelos sismos e respetivas réplicas na Turquia e na Síria. Contudo, as contribuições internacionais pedidas pela OIM só atingiram 30 por cento do valor solicitado.
"As necessidades no terreno são enormes e vai ser necessário continuar a insistir para que os países doadores se possam mobilizar para apoiar quer a Turquia, que a Síria, na assistência às pessoas afetadas e na própria reconstrução do país", sublinhou.
Ucrânia: País conseguiu ultrapassar pior do inverno
O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM) considerou que houve condições para que os ucranianos "ultrapassassem o período mais difícil do inverno", apesar dos obstáculos e da incerteza com a invasão russa.
"A situação na Ucrânia mantém-se caracterizada por uma grande incerteza em virtude da evolução da situação da guerra. As boas notícias são que durante o inverno foi possível criar condições - apesar de todos os obstáculos, designadamente a falta de acesso a eletricidade - para que as comunidades na Ucrânia ultrapassassem o período mais difícil do inverno", disse António Vitorino.
Contudo, e apesar do fim do inverno, o português frisou que se colocam agora questões de outra natureza, como a reconstrução ou o apoio contínuo às pessoas internamente deslocadas, que continuam a "necessitar de tudo".
"Estamos a falar de 5,4 milhões de pessoas deslocadas internamente. Mesmo aquelas que regressam aos lugares de origem necessitam de apoio alimentar, de acesso à água, de roupas e também de apoio financeiro para poderem viver. Em segundo lugar, a nossa preocupação é também criar as condições para aqueles que regressam para reconstruírem as suas vidas", indicou.
"E isso implica reconstruir o país que ficou destruído pelo conflito, designadamente as instalações coletivas, a distribuição da energia ou da água, mas também as escolas e locais de trabalho. Pôr a funcionar um conjunto de pequenas e médias empresas que podem criar emprego. Isso é essencial para retomar a vida quotidiana na Ucrânia", salientou o líder da OIM.
Ao ordenar a invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, o Presidente russo, Vladimir Putin, desencadeou uma guerra que fez, num ano, dezenas de milhares de mortos, devastou cidades e afundou a economia do país.
Após o desenrolar do conflito, uma das maiores preocupações da comunidade internacional tem sido a deslocação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.
Nesse sentido, a presidente da Comissão Europeia anunciou na semana passada uma iniciativa conjunta com o primeiro-ministro da Polónia e com o apoio das Nações Unidas, para resgatar as mais de 16.000 crianças raptadas pela Federação Russa.
Questionado sobre se a OIM poderá apoiar esses esforços, António Vitorino afirmou que apoia a decisão tomada pelas Nações Unidas no sentido de se juntar à Comissão Europeia e à Polónia para exigir o regresso dessas crianças, mas observou que a sua organização não tem acesso aos ucranianos que estão em território russo.
"Portanto, o nosso apoio é um apoio de sustentação da reivindicação e do pedido feito às autoridades russas", frisou.
Em entrevista à Lusa no escritório da OIM em Nova Iorque, António Vitorino fez uma antecipação do Diálogo Internacional sobre as Migrações 2023, que decorrerá na quinta e sexta-feira e cujo propósito primordial é identificar os pontos das migrações que são relevantes para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
De acordo com o líder da OIM, o foco estará no papel da juventude e das alterações climáticas, na importância da cobertura universal em cuidados de saúde, "que deve incluir os migrantes independentemente do seu estatuto legal", e no papel dos imigrantes para o desenvolvimento das próprias sociedades de acolhimento.
"Em quarto lugar, o papel das diásporas, isto é, dos imigrantes que contribuem para o desenvolvimento dos seus próprios países de origem, não apenas através das remessas financeiras, que são muito importantes em muitos países, incluindo em Portugal, mas também em termos de transferência de conhecimentos, de experiência e de tecnologia", referiu.
"No fundo, trata-se de um conjunto de áreas onde as migrações podem dar um contributo positivo para os objetivos do Desenvolvimento Sustentável", acrescentou o português.
A expectativa de António Vitorino é que deste encontro, que terá lugar em Nova Iorque, resultem recomendações que a OIM possa levar à Conferência sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que terá lugar na mesma cidade norte-americana em setembro deste ano.
2023 pode ser "ano terrível" no Mediterrâneo
O número de pessoas que morreram em 2023 a tentar atravessar o Mediterrâneo antecipa "um ano terrível" para a crise migratória, alertou.
António Vitorino assinalou que nos primeiros três meses do ano houve "um número de mortos acima do registado no mesmo período no ano anterior".
Para o português, o fim das mortes no Mediterrâneo passa por "impedir as pessoas de entrarem nos barcos" de travessia.
"O Mediterrâneo é uma das rotas mais perigosas do mundo e, infelizmente, como nós temos visto nestas últimas semanas, sucedem-se os naufrágios e as mortes. A Comissão Europeia apresentou uma proposta recentemente no sentido de que os Estados europeus têm que tomar uma decisão sobre as operações de busca e salvamento que não podem ser deixadas exclusivamente à iniciativa das organizações não-governamentais e têm que criar um sistema de previsibilidade de desembarque, portos de desembarque para as pessoas que são salvas do mar", disse.
"Obviamente que só será possível pôr fim às mortes no Mediterrâneo se se impedir as pessoas de entrarem nos barcos, porque é aí que se joga o essencial. Infelizmente, nem sempre - no caso da Líbia - isso tem sido possível. E nós vemos um número crescente de chegadas a Itália. Neste momento, as chegadas a Itália, oriundas do norte de África - não só, mas sobretudo da Líbia - está três vezes acima do número de chegadas no mesmo período do ano anterior", observou.