Internacional
13 agosto 2022 às 22h11

"Vices" escolhidos. Lula com chuchu, puros sangues e dobradinha feminina

Líder das sondagens opta por rival, Bolsonaro por general fiel, Ciro por solução caseira e Tebet por outra mulher. No país de Sarney, Itamar e Temer, o número dois é coisa séria

João Almeida Moreira, São Paulo

Depois de meses de especulação, Lula da Silva, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes, Simone Tebet e demais concorrentes ao cargo de presidente da República nas eleições de outubro no Brasil apresentaram os seus candidatos a vice-presidente recorrendo a estratégias diferentes. Lula quis agregar um velho rival. Bolsonaro, que tenta a reeleição, priorizou a lealdade dentro do governo. Ciro Gomes encontrou no próprio partido a mulher que tanto procurou. E Simone Tebet decidiu-se por um dueto no feminino. Quem escolheu melhor?

Num país em que só nos 37 anos desde a redemocratização três vice-presidentes - José Sarney, devido à morte de Tancredo Neves, em 1985, Itamar Franco, assumindo o cargo do destituído Collor de Mello, em 1992, e Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 - chegaram ao poder, a escolha do número dois é pensada com minúcia: busca-se alguém fiel e com sintonia ideológica, por um lado, mas que agregue recursos, tempo de antena e, eventualmente, votos, por outro.

Autor do livro A Mão e A Luva - o que Elege um Presidente, publicado em maio deste ano, o cientista político Alberto Carlos Almeida afirma que "vice-presidente não ganha votos, quem ganha é o candidato a presidente, o vice, pelo menos no Brasil e do ponto de vista eleitoral, não muda nada, a maior parte dos eleitores não sabe quem é o vice, só quem acompanha a política intensivamente". "Agora, o vice importa muito pela sinalização que transmite, pela aliança que representa, pela governabilidade que possibilita, aí sim, é relevante", diz ao DN.

Essas foram as principais preocupações de Lula, do PT, ao chamar para o seu lado Geraldo Alckmin, um dos mais destacados barões do PSDB, maior adversário do PT por décadas, e candidato à presidência em 2006 numa feroz batalha eleitoral contra o próprio Lula. Na ocasião, os "petistas" não hesitaram em chamar o rival de "picolé de chuchu", uma alcunha pejorativa imaginada pelo humorista José Simão para sublinhar a suposta falta de carisma de Alckmin - o picolé (sorvete) quer-se doce e o chuchu é tido como o mais sensaborão dos legumes.

Em atos de campanha, Lula e Alckmin, hoje no PSB, aliado nacional do PT, têm brincado com a situação. "Esta aliança é uma das grandes novidades políticas deste país", disse o candidato a presidente. "Já fomos adversários: agora ele tem esse jeitão de bonzinho mas não era assim na campanha de 2006, eu estou com as canelas machucadas até hoje mas eu e ele resolvemos relegar isso para segundo plano e compor uma lista", continuou.

"Caneladas passam, é preciso olhar para o futuro", respondeu o candidato a vice, para quem o prato da moda na culinária brasileira em 2022 vai ser "lula com chuchu", fazendo piada com a própria alcunha.

"Esta junção não aconteceria se nós não tivéssemos convicção da nossa responsabilidade, até porque estamos pegando um Brasil um pouco pior do que o que eu peguei em 2003, com uma agravante, que é a falta de credibilidade internacional", sublinhou Lula. E, já se precavendo da repetição dos problemas na relação Dilma-Temer, prometeu que o seu vice-presidente "vai ser tratado como um presidente".

A campanha de Bolsonaro, do PL, chegou a pensar, como a de Lula, num nome que agregasse: como nas sondagens, o atual presidente perde para o rival entre o público feminino e o do Nordeste, uma mulher, como a ministra da Agricultura Tereza Cristina, rosto do setor agropecuário, muito próximo ao governo, e um nordestino, como o titular do Turismo, Gilson Machado, natural do Recife e conhecido por tocar o Ave Maria de Gounod ao acordeão em homenagem aos mortos por covid-19, eram vistos como soluções interessantes.

Mas, ainda abalado com relação tumultuada com o general Hamilton Mourão, vice-presidente no primeiro mandato, priorizou a lealdade. "[O Mourão] por vezes, atrapalha um pouco a gente, mas o vice é igual a cunhado: você casa e tem que aturar o cunhado do teu lado, não pode mandar o cunhado embora", desabafava o presidente da República em julho do ano passado. Acabou por escolher um outro general, Braga Netto, numa lista chamada no Brasil de "puro sangue" por candidatos a presidente e vice pertencerem ao mesmo partido, o PL.

"Tínhamos outros excelentes nomes, como a Tereza Cristina, o general Augusto Heleno [ministro da Segurança Institucional] quase foi meu vice lá atrás, entre tantas pessoas maravilhosas, fantásticas, gostaria de indicar dez, mas escolho o general Braga Netto, que tem uma vida de 45 anos de serviço na caserna, veio para o nosso governo, pegou a difícil missão da Casa Civil durante a pandemia, foi para o Ministério da Defesa, é uma pessoa que admiro muito".

Em edição de quinta-feira do jornal O Estado de S. Paulo noticiou, entretanto, que Braga Netto recebeu salários de um milhão de reais [perto de 200 mil euros] nos dois meses mais duros da pandemia no Brasil. O exército justificou-os com "indemnizações".

Ciro Gomes, do PDT, disse pretender uma mulher a seu lado - em 2018 escolheu a senadora Katia Abreu, ligada à agricultura - e que a dos seus sonhos seria a ambientalista e ex-candidata presidencial Marina Silva, do Rede. "[Marina] tem todos os talentos para ser uma grande presidente do Brasil, pode ajudar-nos a dar essa rebeldia de esperança que o Brasil precisa", opinou Ciro. Ela, porém, optou por concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados e o candidato virou-se, também, para uma aliança "puro sangue" ao lado de Ana Paula Matos, vice-prefeita de Salvador e militante do PDT.

"Escolhemos a Ana Paula com o maior entusiasmo por um conjunto de valores e virtudes, como atributos pessoais, ser uma mulher negra, de origem humilde, que fez a sua luta contra todos os estigmas, um ato de vitórias sucessiva, ela vai circular o país representando como fazer um governo feminino", afirmou Ciro.

Mas feminina mesmo é a candidatura à presidência de Simone Tebet, do MDB, e à vice-presidência de Mara Gabrilli, do PSDB, ambas senadoras. No ato que anunciou Gabrilli como número dois de Tebet, no entanto, foram os comentários considerados machistas dos políticos homens dos partidos que apoiam a coligação que ganharam as manchetes.

"Ela [Mara Gabrilli] também traz para a nossa campanha junto com a Simone a mensagem de que só o amor e a docilidade da mulher podem unir de novo esse país", disse o senador Tasso Jereissati, do PSDB. José Serra, do mesmo partido, notou que "elas se produziram hoje, nisso eu presto atenção e o Tasso presta muita atenção também". Para Roberto Freire, presidente do Cidadania, "a dupla é histórica" porque "ter dois homens como candidatos é a lógica".

De resto, destaque para duas candidaturas de última hora a presidente (e, portanto, a vice) nas eleições brasileiras: no União Brasil, a senadora Soraya Thronicke, acompanhada do economista Marcos Cintra, avança no lugar do presidente do partido, Luciano Bivar, que se havia imposto a Sergio Moro como concorrente ao Planalto mas afinal tentará apenas vaga como deputado; e Roberto Jefferson, controverso deputado do PTB, mesmo em prisão domiciliar, candidata-se à chefia de estado acompanhado por Kelmon Souza, um padre ortodoxo.

Geraldo Alckmin (PSB)

Vice de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Médico

69 anos

Foi vereador, deputado e, por quatro mandatos, governador de São Paulo. Em 2006, concorreu à presidência, pelo PSDB, contra o próprio Lula, e ficou em segundo. E em 2018, voltou a concorrer, novamente pelo PSDB, ficando em quarto

Walter Braga Netto (PL)

Vice de Jair Bolsonaro (PL)

General do Exército

65 anos

Foi ministro da Casa Civil e da Defesa do atual governo. Antes de entrar na política, chefiou uma intervenção federal no Rio de Janeiro no governo Temer

Ana Paula Matos (PDT)

Vice de Ciro Gomes (PDT)

Advogada

44 anos

Mestre em administração pública, funcionária da Petrobras, é vice-prefeita de Salvador, capital da Bahia. Foi escolhida por Ciro no último dia do prazo

Mara Gabrilli (PSDB)

Vice de Simone Tebet (MDB)

Senadora

54 anos

Tetraplégica após acidente de viação sofrido aos 21 anos, é a cara no Congresso da luta pelos direitos das pessoas com deficiência, causa que defende também em cargo na ONU. Antes de chegar ao senado, foi deputada e vereadora

Fátima Pérola Neggra (Pros)

Vice de Pablo Marçal (Pros)

Cabo da polícia militar

52 anos

Foi a escolhida para integrar a campanha do coach Pablo Marçal, cuja candidatura ainda está em dúvida porque a nova direção do Pros prefere apoiar Lula

Tiago Mitraud (Novo)

Vice de Felipe d"Avila (Novo)

Empresário

35 anos

O vice na lista do liberal Felipe d"Avila é deputado federal por Minas Gerais

Marcos Cintra (União Brasil)

Vice de Soraya Thronicke (União Brasil)

Economista

76 anos

Ex-vereador e deputado federal por São Paulo, no início do governo Jair Bolsonaro ocupou o cargo de secretário da Receita Federal

Samara Martins (UP)

Vice de Leonardo Péricles (UP)

Dentista

34 anos

Milita em movimentos sociais como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas e o Movimento de Mulheres Olga Benário.

Antonio Alves (PCB)

Vice de Sofia Manzano (PCB)

Jornalista

43 anos

É militante de movimentos sociais e trabalha no Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Piauí

Kunã Yporã (PSTU)

Vice de Vera Lúcia (PSTU)

Educadora popular

39 anos

Na segunda lista totalmente feminina, a indígena do Maranhão, que também responde pelo nome Raquel Tremembé, integra a Secretaria Executiva Nacional do Centro Sindical Popular

Barbosa Bravo (DC)

Vice de José Maria Eymael (DC)

Economista

75 anos

Professor universitário, foi prefeito de São Gonçalo, segundo maior município do Rio de Janeiro, entre 1993 e 1996

Kelmon Souza (PTB)

Vice de Roberto Jefferson (PTB)

Padre ortodoxo

69 anos

"Conservador de direita", como se autodenomina, luta contra a "cristofobia"