Internacional
22 maio 2023 às 22h14

Russos contra russos. Belgorod entra em "estado antiterrorista"

Soldados de grupos de oposição a Putin dizem ter tomado controlo de duas povoações russas depois de terem passado posto fronteiriço. Governador aciona regime de exceção.

Enquanto Kiev assegura que as suas tropas conhecem alguns avanços nos flancos de Bakhmut e que ainda mantêm o controlo de uma pequena parte da cidade, voluntários russos munidos de veículos blindados fizeram uma incursão em território russo na região de Belgorod, com o objetivo anunciado de "libertar o território" do Kremlin e de criar uma faixa de segurança para o território ucraniano na região a norte de Kharkiv.

O governador da região de Belgorod acusou um grupo de sabotadores ucranianos de entrar em território russo na segunda-feira de manhã e que os militares russos, os serviços fronteiriços e os serviços de informações estavam "a tomar as medidas necessárias para eliminar o inimigo". Horas depois, Vyacheslav Gladkov anunciou que a região tinha sido colocada em estado de antiterrorismo, o que implica restrições de movimento e a suspensão de atividades que envolvem substâncias perigosas. Mas quer as autoridades ucranianas quer os vídeos disponibilizados pelos próprios protagonistas apontam para uma ação realizada por dois grupos de militantes russos em oposição ao regime de Vladimir Putin: o Corpo de Voluntários Russos e a Legião Liberdade para a Rússia.

Os pormenores ainda são escassos, mas tudo aponta para que os homens armados tenham entrado pela força no posto fronteiriço de Kozinka, a noroeste da cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia. Fazendo uso de veículo blindados - que poderão ter sido tomados na fronteira - afirmam ter tomado o controlo das povoações de Kozinka e Gora-Podol e relatos de combates em Grayvoron. Segundo o governador da região, havia oito feridos a lamentar, três deles no posto fronteiriço.

Já à noite, a Legião Liberdade para a Rússia publicou um vídeo no qual um dos militantes, entre seis fardados e armados, explicou ao que vêm. "Queremos que as nossas crianças cresçam em paz e tenham liberdade para que possam viajar, estudar e ser felizes num país livre", diz. "Isso não acontece na Rússia atual de Putin, apodrecida pela corrupção, mentira, censura, restrições às liberdades e repressões (...) num país ditatorial em que as crianças são separadas dos pais por fazerem apelos para a paz e em que jovens têm sentenças de prisão perpétua", continuou, e que o "objetivo final" é a Praça Vermelha. "A Rússia será livre", clamou.

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As autoridades russas levaram a ameaça a sério. O governador Gladkov disse que estavam a retirar pessoas da área e enquanto dizia confiar nos militares para "concluírem a tarefa" em breve, anunciou o acionamento do estado antiterrorista - uma situação que vigorou na Chechénia durante a guerra civil.

A Ucrânia negou qualquer envolvimento no assunto, horas depois de Dnipro ter sido bombardeada com 16 mísseis e 20 drones. Kiev também rejeitou a alegação russa de que controla na totalidade Bakhmut e diz continuar a batalha a norte e a sul. Do lado russo, o líder do grupo Wagner avisou que os seus mercenários vão deixar os escombros da cidade nos próximos dias, até 1 de junho. Yevgeny Prigozhin aproveitou para voltar a criticar as chefias militares russas.

Em Bruxelas, o ministro dos Negócios Estrangeiros português declarou que o país está disponível para formar pilotos ucranianos ao abrigo da coligação internacional que se está a estabelecer para Kiev poder recorrer aos aviões de caça F-16. "Nós temos pilotos e formadores muito bons, e estão disponíveis para trabalhar com colegas de outros países que têm também F-16 para dar formação a pilotos ucranianos", disse João Gomes Cravinho, à saída de uma reunião dos chefes da diplomacia da UE.

Porém, o ministro fechou a porta, para já, à possibilidade de enviar aeronaves ao dizer que "Portugal não tem um número ilimitado de aviões". Ou antes: "Temos aqueles de que precisamos para cumprir as nossas obrigações nacionais e também na NATO, portanto, para já essa questão não se coloca."

Ainda assim, esclareceu que uma decisão dessas só será tomada depois de analisada com o primeiro-ministro António Costa e a ministra da Defesa Helena Carreiras, e em coordenação com os aliados da NATO. "A expectativa é que não sejam caças nossos." Em contrapartida, Gomes Cravinho - que recebeu na semana passada o homólogo ucraniano Dmytro Kuleba -, disse haver abertura para "ouvir os pedidos da parte ucraniana" sobre peças para manutenção dos aviões.

O vice-ministro russo da Ciência e do Ensino Superior que morreu no sábado durante uma viagem de regresso ao seu país, era crítico da guerra e do caminho que o país estava a tomar. Pyotr Kucherenko, de 46 anos, sentiu-se mal durante o voo em que seguia a delegação russa proveniente de Cuba. O avião aterrou de emergência num aeroporto no sul da Rússia, mas os médicos não conseguiram salvá-lo.

Ao saber do sucedido, o amigo e jornalista Roman Super contou terem falado dias antes de este ter deixado a Rússia na sequência da invasão da Ucrânia. Kucherenko terá dito que era impossível fazer o mesmo, porque teria o passaporte confiscado. "E não há mundo que fique contente por ver um vice-ministro russo depois desta invasão fascista", terá desabafado.

Em fevereiro, a funcionária militar Marina Yankina caiu de 16 andares em São Petersburgo depois de ter criticado as perdas na Ucrânia.

cesar.avo@dn.pt