Internacional
09 dezembro 2022 às 23h50

Lula coloca primeiras peças no puzzle governamental

Haddad, na Fazenda, entre as primeiras escolhas do presidente eleito, num arranjo que tem ​​​​​​​de agradar ao PT, a velhos e novos aliados, além de obedecer a quotas e satisfazer cobiças regionais.

João Almeida Moreira, São Paulo

Peço aos companheiros hoje anunciados para trabalharem mais do que alguma vez trabalharam", disse Lula, ao antecipar em quatro dias o anúncio do primeiro pacote de ministros do novo governo. Numa cerimónia esta sexta-feira em Brasília, o presidente eleito escolheu Fernando Haddad para a Fazenda, principal das pastas económicas, e Rui Costa para a Casa Civil, principal das pastas políticas, dois dos barões do PT. Mas, num executivo que se prevê muito heterogéneo, nomeou ainda um membro de um partido aliado para a Justiça e Segurança Pública, um independente para as Relações Exteriores e um nome de direita para a Defesa.

A Flávio Dino serão pedidas mudanças na Justiça e, sobretudo, na Segurança Pública, com a revisão de leis armamentistas do governo de Jair Bolsonaro, a Mauro Vieira será pedida uma guinada radical na diplomacia levada a cabo pelo governo cessante e a José Múcio o estabelecimento de pontes entre o novo executivo e as Forças Armadas.

"O governo anterior preferiu fanfarronice, falar, falar e falar, e governar pouco, vamos divulgar, sem pirotecnias, o estado em que Bolsonaro deixou o país", continuou Lula. "Entretanto, segundo sondagem, 95% das pessoas disseram achar que o governo vai dar certo, nós não temos o direito de fraudar as expectativas de um país à espera de ar puro, à espera do novo país que vai nascer a partir de 1 de janeiro de 2023", concluiu.

De todas, a pasta da Fazenda (ou Finanças, em Portugal), é considerada prioritária por sinalizar o essencial do projeto para os próximos quatro anos. Haddad, um político acusado de não ter compromisso com a contenção de gastos públicos, faz o mercado torcer o nariz, razão pela qual, nomes mais palatáveis à bolsa de valores, para o ministério do Planeamento e para a pasta da Indústria, Comércio e Serviços devem seguir-se. Especula-se que Pérsio Arida ou André Lara Rezende, economistas ortodoxos da equipa que, sob liderança de Fernando Henrique Cardoso, instituíram o real como moeda nos anos 90, sejam incluídos. No governo cessante, Paulo Guedes, poderoso ministro de Bolsonaro, tutelou os três ministérios no guarda-chuva da Economia.

Formar um governo é desafiador em qualquer lugar mas mais ainda no Brasil, país com dezenas de partidos, 14 deles aliados tradicionais ou de circunstância do novo governo, e em que as cinco regiões - Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul - buscam espaço. Além do mais, por estar em rutura total com o do antecessor, de Bolsonaro, o de Lula deve dar sinais de progressismo e diversidade na forma de mais ministras mulheres e mais ministros negros ou indígenas.

"Para já, só há homens, devem perguntar-se vocês. Calma, daqui a uns dias vocês vão ver mais mulheres aqui do que homens e muitos afrodescendentes", comentou Lula no anúncio.

O Ministério das Cidades é um dilema para o eleito. Por ter orçamento generoso, a pasta que cuida do saneamento, da moradia e dos transportes locais é cobiçada, desde logo, pelo PT. Mas velhos aliados, PSB e PSOL, já sugeriram a Lula nomes de ministros, Márcio França e Guilherme Boulos, respetivamente. O MDB, importante aliado recente, também está atento. E o "centrão", grupo de deputados que troca apoio parlamentar por poder, já colocou o ministério na sua lista de "presentes de Natal". Em paralelo, a pasta pode ser útil para ajudar a cumprir as tais quotas feminina, racial e regional prometidas em campanha.

O puzzle é tão complicado que envolve até casais: como na Casa Civil, principal pasta de coordenação política, Lula nomeou Rui Costa, do PT da Bahia, em detrimento de Wellington Dias, do PT do Piauí, para não desiludir este último e o estado dele, a deputada piauiense Rejane Dias, mulher de Wellington, pode ser a indicada para o Ministério da Mulher.

Com Lula, a ordem, para acomodar a ampla base de apoio, é fatiar, daí que o governo deva ter mais 14 pastas do que o anterior. Além de voltarem os ministérios da Cultura e do Desporto e de nascer o dos Povos Originários.

Para cada uma das vagas, incluindo para este último, a concorrência é alta: Joênia Wapichana e Sonia Guajajara, ambas deputadas de origem indígena, são faladas para o ministério, a primeira ocuparia uma vaga do Rede, a segunda do PSOL. Se escolhida Guajajara, o PSOL perde provavelmente o Ministério das Cidades, se eleita Wapichana, sobraria apenas mais uma vaga para o Rede, ao que tudo indica o Ambiente, a que concorrem a deputada ecologista Marina Silva e o senador Randolfe Rodrigues, os principais nomes do partido.

Na Agricultura, o neo-aliado PSD quer impor Carlos Fávaro mas nomear Neri Geller, por ser do PP, partido que apoiou Bolsonaro, pode ser mais útil a Lula do ponto de vista parlamentar. Sílvio Almeida, professor universitário e advogado negro, por associar competência a diversidade, é candidato a uma pasta social.

A Simone Tebet está reservado um ministério, que tanto pode ser a Educação como o Desenvolvimento Regional, desde a campanha. E na Cultura, além do ex-ministro da pasta Juca Ferreira e da senadora Jandira Feghali, são especulados nomes de artistas, como Chico César ou Daniela Mercury.

dnot@dn.pt