Internacional
27 maio 2022 às 21h17

Kiev volta a pedir armamento para travar avanço russo no leste 

Progresso do exército russo é lento, mas destruidor e inexorável: está perto de tomar toda a região de Lugansk, enquanto dirigentes ucranianos alertam para falta de apoio concreto.

Pouco a pouco, a Rússia vai avançando no leste da Ucrânia. Em menos de uma semana as suas forças tomaram a segunda cidade, Lyman, e depois de três dias de intensos bombardeamentos em Severodonetsk, as tropas ucranianas deverão recuar para não ficarem rodeadas por todos os lados, como aconteceu em Mariupol. Perante os ganhos russos, o presidente ucraniano acusa Moscovo de "querer reduzir a cinzas" as cidades visadas enquanto se mostra frustrado pela incapacidade de a União Europeia avançar com o sexto pacote de sanções à Rússia. O seu ministro dos Negócios Estrangeiros diz que a situação no leste do país "é muito pior do que as pessoas pensam" e voltou a pedir armas ao Ocidente.

No espaço de horas mudou a perceção sobre a guerra que caminha para os cem dias. Segundo a Reuters, Washington e Kiev discutiram um cenário que preocupava os norte-americanos, a possibilidade de a Ucrânia atacar alvos dentro do território da Federação Russa. "Estamos preocupados com a escalada", comentava um funcionário norte-americano, depois de Moscovo ter dito ao Ocidente que fornecer à Ucrânia armas capazes de atingir o território russo seria "um passo sério no sentido de uma escalada inaceitável".

Agora, com Mariupol capturada pelos russos, estes concentraram forças no leste - ainda que recorrendo a tanques antigos, com 50 anos, como notam os serviços de informações britânicos - e o objetivo é para já capturar Severodonetsk e Lisichansk para depois ficar caminho aberto até Kramatorsk, o atual centro administrativo da região. O governador de Lugansk disse que as forças ucranianas podem ser forçadas a fazer uma retirada das referidas cidades sob cerco. "Teremos força e recursos suficientes para nos defendermos", disse Serhiy Gaiday. "No entanto, é possível que, para não sermos cercados, tenhamos de nos retirar."

Horas antes, o autarca da cidade onde morreram pelo menos 1500 pessoas desde 24 de fevereiro afirmou que "os residentes de Severodonetsk já esqueceram quando a cidade ficou em silêncio durante pelo menos meia hora". Os russos, continuou Oleksandr Stryuk, "estão a atacar continuamente bairros residenciais". Segundo a estimativa do autarca, os bombardeamentos pesados danificaram cerca de 90% das habitações da cidade que antes da guerra tinha cem mil habitantes.

DestaquedestaqueBoris Johnson reiterou importância do apoio à Ucrânia e, ao dizer que não é possível negociar com Vladimir Putin, comparou-o a um crocodilo.

A estratégia passará também por continuar a pressão psicológica e a destruição de alvos noutras regiões. Tal como na véspera atingira Kharkiv, Moscovo apontou desta vez baterias para Dnipro. Pelo menos 10 pessoas tinham sido mortas e 30 feridas por um míssil balístico que atingiu instalações da Guarda Nacional.

O site russo Meduza noticiou que o Kremlin não desistiu de tomar Kiev e que acredita numa vitória antes do outono. As fontes não identificadas dizem acreditar que a Europa se cansará da ajuda à Ucrânia e que acabará por chegar a acordo com Moscovo antes do inverno em relação ao fornecimento de gás e de petróleo.

Volodymyr Zelensky, que está convidado a participar na reunião especial do Conselho Europeu na segunda-feira, que versa sobre a Ucrânia e a defesa da Europa, não se conteve na sua mensagem vídeo diária, tendo perguntado: "Durante quantas mais semanas irá a União Europeia tentar chegar a acordo sobre um sexto pacote [de sanções]?". Horas depois, ao falar com indonésios, o presidente ucraniano disse que um apoio "unânime e honesto" à Ucrânia poderia pôr fim ao conflito em semanas em vez de meses.

"Se o mundo estiver verdadeiramente unido e honesto acerca desta agressão russa contra o nosso Estado soberano, a velocidade para pôr fim a esta guerra será medida em semanas." Zelensky, tal como o chefe da diplomacia Dmytro Kuleba, voltaram a solicitar armamento pesado ao Ocidente para que o seu país possa conter o invasor. "Se realmente se preocupam com a Ucrânia, enviem armas, armas e mais armas", instou Kuleba.

Kiev tem pedido nos últimos dias sistemas de lançamento múltiplo de foguetes, mas a administração Biden mostrou-se hesitante. O primeiro-ministro britânico Boris Johnson disse ser "absolutamente essencial" continuar a apoiar a Ucrânia e que não é possível negociar com Putin. "Como se pode negociar com um crocodilo quando este está a comer-nos a perna esquerda?".

Também o embaixador ucraniano em Berlim voltou a pressionar o governo alemão, ao dizer-se dececionado com a falta de mais apoios. "Militarmente, a Ucrânia está simplesmente a ser deixada para trás por Berlim", lamentou Andriy Melnyk em declarações ao Bild.

O chefe da diplomacia russa acusou a Alemanha de reabilitar o nazismo e desvalorizar o papel da União Soviética na II Guerra. Sergei Lavrov insurgiu-se contra o projeto anunciado pela ministra alemã da Cultura de construir um centro de documentação sobre a ocupação nazi. "A sua estrutura está concebida que não só subestima de todas as formas a contribuição da URSS e dos povos da URSS para a derrota do fascismo alemão, mas também esconde os crimes do Terceiro Reich entre os povos soviéticos", alegou.

Lavrov aproveitou para vitimizar o regime: "O Ocidente declarou guerra contra nós, contra todo o mundo russo. A cultura do cancelamento da Rússia e de tudo o que está ligado ao nosso país está a atingir o absurdo."

cesar.avo@dn.pt