Internacional
06 maio 2021 às 22h30

Kamala inicia primeira fase do combate às causas da migração

Vice-presidente dos EUA tem a missão de aplacar o fluxo migratório no longo prazo, dias depois de a administração começar a reunir famílias separadas e de pôr fim ao muro de Trump.

César Avó

O presidente do México Manuel López Obrador e a vice-presidente dos EUA reúnem-se hoje em videoconferência e dentro de um mês de forma presencial, no que será a primeira viagem ao exterior de Kamala Harris. Na semana passada, a ex-senadora da Califórnia tinha conversado com o presidente guatemalteco Alejandro Giammattei, que também a receberá na mesma viagem de 7 e 8 de junho. O tema principal das conversações é a migração. "Precisamos do México e o México precisa de nós", reconhece o conselheiro de Joe Biden para a América Latina, Juan Gonzalez, que elogia a "forma construtiva" de abordar o tema, até porque, refere, os interesses de ambos os países estão alinhados.

O número de migrantes que deram entrada nos EUA ao longo da fronteira sul subiu para os níveis mais elevados em quase 20 anos, tendo ultrapassado os 172 mil só em março. Em resposta, a administração abriu mais de uma dúzia de abrigos de emergência para cuidar de números recorde de adolescentes e crianças que chegam sem pais (18 800 só em março).

Com uma "crise na fronteira", como a oposição republicana de pronto apontou, tendo ainda acusado Biden de estimular esse fluxo, o presidente decidiu passar a Kamala Harris a responsabilidade de liderar uma iniciativa com os países a sul, para tentar enfrentar as causas da migração e conter o fluxo.

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Para Kamala Harris, as mudanças demorarão tempo porque o que está em jogo são as causas profundas que levam à migração: a insegurança, falta de perspetivas de futuro e sociedades afetadas pelas alterações climáticas. "Se os desafios "fossem fáceis, já teria sido resolvido há muito tempo. O trabalho que estamos a fazer não se evidenciará da noite para o dia. Vai exigir uma estratégia consistente e a longo prazo", disse.

Para o seu plano surtir algum efeito, Biden pediu ao Congresso 861 milhões de dólares para atacar as causas que impulsionam a imigração irregular da América Central, no quadro do seu plano de 4 mil milhões de dólares para a região.

Uma das preocupações da nova administração foi não só de pôr fim à política "cruel" de Donald Trump, que separava as famílias de migrantes à entrada, mas também a de juntar pais e filhos (em muitos casos as crianças permaneceram e os progenitores foram deportados). "Estamos a tentar descobrir como diabo o que aconteceu", disse Joe Biden na semana passada em entrevista à NBC. "O que aconteceu àquelas crianças quando se separaram? Para onde é que foram? Onde é que estão?", questionou o presidente, embora o mais difícil tenha sido localizar os pais enviados para os países de origem.

Esta foi uma das promessas de campanha de Biden, e o secretário da Segurança Interna Alejandro Mayorkas anunciou na segunda-feira que as primeiras famílias iam começar a estar juntas. "As primeiras famílias que se reúnem esta semana são mães. São filhos. São filhas. São crianças que tinham três anos no momento da separação. São adolescentes que tiveram de viver sem os seus pais durante os seus anos de maior formação", escreveu Mayorkas.

Outra política relacionada com a migração revertida pela equipa de Biden - a construção de um muro (na realidade, uma vedação) ao longo de toda a fronteira com o México. Após a tomada de posse, em janeiro, Joe Biden anunciou a suspensão das obras do muro, uma iniciativa que o democrata classificou como "esbanjadora" e "ineficaz".

Na semana passada, o Pentágono anunciou o cancelamento de todos os projetos de construção fronteiriços que estavam a ser pagos com fundos militares. O ex-presidente ordenou o desvio de 10 mil milhões de dólares dos cofres da Defesa e de programas de combate ao narcotráfico para financiar a vedação depois de o Congresso ter recusado o financiamento do projeto.

"A ação de hoje reflete o empenho contínuo desta administração em defender a nossa nação e apoiar os nossos militares e as suas famílias", disse o porta-voz adjunto do Pentágono ​​​​​​​Jamal Brown.

O muro foi a grande bandeira de Trump, a ideia com que lançou a campanha presidencial em 2015, e que tinha a originalidade de obrigar o México a pagá-lo. Sem surpresas, os mexicanos recusaram a oferta, pelo que depois de a Câmara dos Representantes também o ter feito, Trump utilizou o dinheiro do Pentágono para o projeto. Ainda assim, foram intervencionados 727 quilómetros no total, segundo a agência federal das alfândegas e fronteiras (CBP). Porém, apenas 129 quilómetros do muro foi construído de raiz.

cesar.avo@dn.pt