Internacional
31 março 2023 às 08h43

Entenda o caso Trump. Quando pode ser ouvido e as penas que arrisca

Na base da acusação estão pagamentos à atriz Stormy Daniels, alegadamente para a silenciar, antes das eleições de 2016. É o primeiro presidente americano a ser julgado pela Justiça.

AFP

Donald Trump foi indiciado na quinta-feira (30) pela procuradoria de Nova Iorque de um suposto suborno para comprar o silêncio de uma atriz porno em 2016, o que o torna no primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a sentar-se no banco dos réus.

Depois de um grande júri escolhido pela procuradoria ter votado a favor de acusar criminalmente o ex-presidente, o gabinete do procurador Alvin Bragg entrou em contacto com o advogado de defesa "para coordenar sua rendição" em data a determinar.

"Entrámos em contacto com o advogado do sr. Trump para coordenar a sua rendição ao gabinete do procurador de Manhattan para a leitura das acusações", informou o gabinete de Bragg, assinalando que a acusação permanece "selada".

Segundo a CNN, Trump poderá enfrentar até 30 acusações relacionadas com fraude empresarial. O ex-presidente americano, que pretende candidatar-se novamente à Casa Branca em 2024, deve ser indiciado nos próximos dias pela Justiça estadual de Nova Iorque pelo pagamento de 130 mil dólares à atriz porno Stormy Daniels.

"Isto é uma perseguição política e uma interferência no nível mais alto da história em uma eleição", afirmou Trump, em comunicado, acusando os "democratas radicais de esquerda" de "caça às bruxas para destruir o movimento Make America Great Again" (Maga), que ele representa.

A advogada Susan Necheles confirmou à AFP que Trump provavelmente comparecerá a uma audiência na próxima terça-feira.

"Esperamos que a leitura das acusações aconteça na terça-feira", afirmou Necheles num e-mail, sem revelar mais detalhes.

Trump, de 76 anos, chamou em comunicado Alvin Bragg, responsável pelo caso, de ser uma "desgraça", e o acusou-o de fazer "o trabalho sujo" do presidente Joe Biden, cuja vitória nas eleições de 2020 ele nunca reconheceu. Na sua plataforma Truth Social, após qualificar a acusação de "falsa, corrupta e vergonhosa", Trump garantiu: "eles sabem que não posso ter um julgamento justo em Nova Iorque", estado e cidade tradicionalmente democratas.

No mesmo sentido, manifestou-se o seu filho Eric Trump, que considerou o indiciamento do seu pai "uma péssima práxis processual do terceiro mundo" e um "objetivo oportunista contra um oponente político a um ano da campanha".

"Ninguém está acima da lei", disse Clark Brewster, advogado da atriz porno Stormy Daniels, que garante ter mantido uma relação extraconjugal com Donald Trump, o que ele sempre negou.

As reações do lado dos republicanos não tardaram. O presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, afirmou que o procurador de Manhattan "manchou de forma irreparável a imagem" do país numa tentativa de interferir na eleição presidencial, o que, a seu ver, representa "um abuso de poder sem precedentes".

O governador da Flórida, Ron DeSantis, provável rival de Trump nas primárias republicanas, também criticou a tentativa de "instrumentalizar o sistema jurídico" para promover, segundo ele, a agenda política dos democratas.

Já no campo democrata, o congressista Adam Schiff classificou o indiciamento de Trump como um fato "preocupante e sem precedentes".

A polícia mobilizou-se em Manhattan para evitar distúrbios, mas, tanto na Trump Tower da 5ª Avenida, como em frente à procuradoria, havia mais jornalistas do que apoiadores do republicano.

Rumores sobre um possível indiciamento de Trump, que já havia iniciado sua campanha para as primárias do partido, circulavam na imprensa desde o início do mês. Contudo, no dia 18, o candidato conseguiu atrair todas as atenções, ao afirmar na plataforma Truth Social que seria "detido" na terça-feira seguinte e que teria que comparecer diante de um juiz três dias depois. Porém, nada disto aconteceu.

A imprensa americana informou ontem que o grande júri que analisa as provas contra Donald Trump tinha previsto suspender as audiências nas próximas semanas por causa das férias escolares e de outras festividades religiosas, por isso, antes do fim de abril, não se esperava a decisão que veio à tona nesta quinta-feira.

O grande júri tinha que se pronunciar a favor ou contra o indiciamento do ex-presidente. Uma vez indiciado, Trump terá agora que comparecer ao tribunal de Manhattan para que um juiz o notifique sobre a acusação, ficando brevemente "sob custódia" para ser fotografado e passar pela recolha de impressões digitais. Em seguida, teria que se declarar culpado ou inocente das acusações pelas quais é investigado.

A Justiça nova-iorquina tenta esclarecer se Trump é culpado de declaração falsa, uma infração, ou de violar a lei sobre financiamento eleitoral, um delito penal.

O então advogado de Trump e agora inimigo Michael Cohen, que foi ouvido pelo grande júri de Manhattan, contou que ficou encarregue de fazer o pagamento a Stormy Daniels em nome de Trump, que depois o reembolsou.

Se o pagamento não tivesse sido devidamente acreditado, poderia resultar num delito menor por falsificação. Contudo, também existe a possibilidade de violação da lei de financiamento da campanha eleitoral, um crime punível com quatro anos de prisão.

Segundo especialistas em Direito, não será fácil provar estas acusações em tribunal, por isso não há nenhuma certeza de que o ex-presidente possa ser condenado a pena de prisão.

Uma eventual condenação pela Justiça estadual de Nova Iorque não impediria Trump de se candidatar à presidência dos Estados Unidos, segundo o professor de direito John Coffee. Contudo, "teria um efeito estigmatizante", acrescentou.

O magnata é alvo de diversas investigações penais, tanto a nível estadual quanto federal, por supostas irregularidades que poderiam ameaçar a sua corrida à Casa Branca, entre as quais estão as tentativas de reverter a sua derrota na eleição de 2020 no estado da Geórgia.

O que vai acontecer nos próximos dias?

Na noite de quinta-feira, os promotores entraram em contacto com os advogados de Trump para marcar uma data para que ele compareça ao tribunal de Nova York, onde será formalmente notificado da acusação.

Se ele se recusar a comparecer, pode ser preso e depois "extraditado" da Flórida, onde reside, para Nova Iorque, já que cada estado tem seu próprio sistema judicial.

Nesse cenário, o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, disse no Twitter que não cooperaria muito, apesar de a Constituição o proibir de se opor à transferência.

No entanto, de acordo com a imprensa americana, Donald Trump deve concordar em comparecer ao tribunal de Nova York, provavelmente no início da próxima semana.

"Ele será fotografado, suas impressões digitais serão registadas e Trump será apresentado a um juiz que lhe perguntará como ele pretende se defender: ele certamente dirá 'inocente'", explica Carl Tobias, professor de direito da Universidade de Richmond, Virgínia.

Os advogados do ex-presidente devem travar uma batalha jurídica para tentar invalidar a acusação, talvez argumentando que a investigação foi incriminatória ou alegando um problema formal.

Se isso não acontecer, o curso normal da justiça prevê três cenários:

- Que as acusações sejam retiradas, algo relativamente frequente e que pode ocorrer com a chegada de um novo promotor. No entanto, é improvável que aconteça no caso de Trump, devido ao seu impacto.

- Que o réu chegue a um acordo com os promotores e concorde em se declarar culpado para evitar ir a julgamento e assim obter uma sentença mais leve. Isso é ainda menos provável, visto que Trump repete veementemente que não fez nada de errado.

- Que vá a julgamento. No entanto, deve primeiro seguir vários procedimentos e várias audiências preliminares. Mais uma vez, os advogados de Trump provavelmente usarão todas as estratégias possíveis para atrasar os termos.

- Isso o impede de se candidatar para um segundo mandato? Não. Nos Estados Unidos, uma pessoa acusada ou mesmo condenada por um crime pode concorrer a qualquer cargo e ser eleita.

Para servir como funcionário público, a Constituição estabelece apenas uma exceção: ter participado de uma "insurreição" ou de uma "rebelião" contra os Estados Unidos.