Internacional
08 maio 2021 às 05h00

Eleição de deputada é bálsamo para Boris Johnson e deixa oposição em crise

A região historicamente trabalhista conhecida como muralha vermelha continua a despedaçar-se. Keir Starmer sob fogo na liderança do Labour.

César Avó

"Os trabalhistas tomaram Hartlepool por garantido durante demasiado tempo. Ouvi isto vezes sem conta à porta das casas. As pessoas já estão fartas. E agora, através deste resultado, as pessoas expressaram-se e deixaram claro que está na hora de mudar", disse a nova deputada à Câmara dos Comuns, a conservadora Jill Mortimer.

Na quinta-feira realizou-se uma série de diferentes escrutínios no Reino Unido, dos parlamentos de Gales e Escócia à escolha de autarcas, como o de Londres. Mas o resultado mais surpreendente, até ver - o resultado da capital só deve ser conhecido hoje -, foi o da eleição de Mortimer na cidade portuária do nordeste de Inglaterra. O resultado ofusca a previsível vitória dos nacionalistas na Escócia e o seu impulso pela independência e deixa a liderança do maior partido da oposição fragilizada.

Leia também: Vitória dos independentistas na Escócia pode aprofundar a ferida aberta do Brexit

Nas eleições parlamentares de 2019, o partido de Boris Johnson conseguiu o feito de derrubar a chamada muralha vermelha, tendo capturado 24 circunscrições aos trabalhistas entre o norte de Gales e o extremo nordeste, tendo lucrado com a ambiguidade de Jeremy Corbyn sobre o Brexit.

Os tradicionais eleitores trabalhistas da região em decadência industrial demonstraram a sua frustração ao apoiar a saída do Reino Unido da UE no referendo e voltaram a mostrar confiança em Johnson, que tem prometido investimentos nas áreas mais deprimidas.

O sucessor de Corbyn, que conhecera uma derrota histórica, falhou na primeira eleição, para gáudio dos Tories , que passam a ter 366 deputados em 650 na Câmara dos Comuns, e desespero da liderança trabalhista. Nunca Hartlepool elegera um deputado que não fosse do Labour desde 1974, altura em que foi estabelecida a atual circunscrição, que inclui localidades vizinhas. É preciso recuar a 1959 para encontrar um conservador eleito na região, que era então The Hartlepools.

Keir Starmer assumiu os maus resultados, que também se verificaram nas eleições locais. "Estou amargamente desapontado com o resultado e assumo toda a responsabilidade pelos resultados. E assumirei total responsabilidade pela correção das coisas", disse o líder trabalhista, sem adiantar que coisas nem quando, embora se dê por garantido que o governo-sombra irá ser remodelado. "Isto vai muito para lá de uma remodelação ou de personalidades, trata-se de concentrar o Partido Trabalhista no país e de garantir que eliminamos o fosso com o povo trabalhador", disse ainda.

Em solidariedade com Starmer não se ouviu ninguém, tão ruidoso foi o coro, de todas as fações do partido, a reagir de forma crítica aos resultados. Alguns não veem como Starmer pode dar a volta ao texto. Andrew Adonis, antigo ministro do Trabalho no tempo de Tony Blair e de Gordon Brown, sentenciou que Starmer não está à altura do papel e deveria demitir-se. Num texto assinado no The Times, disse sobre o homem que apoiou para líder no ano passado que é "uma figura de transição - um homem simpático e um bom defensor dos direitos humanos, mas sem capacidades políticas ao mais alto nível" e mostrou-se desiludido por não ter mostrado "capacidade de liderança suficiente e modernizado a visão social-democrata para reformar o Labour", disse o atual membro da Câmara dos Lordes.

DestaquedestaqueBoris Johnson foi a Hartlepool comemorar a vitória histórica e disse que o Reino Unido está a começar a colher os frutos do Brexit.

Também à direita do partido, Peter Mandelson, ex-deputado eleito por Hartlepool entre 1992 e 2004, atribuiu a culpa dos resultados "a dois C, covid e Corbyn".

Se Boris Johnson sofreu durante os primeiros meses da pandemia - o Reino Unido é o país da Europa com mais mortos, para cima de 125 mil - a campanha de vacinação tem sido bem-sucedida e virou o jogo. A chegada à liderança de Starmer coincidiu com um período de emergência nacional, o que apresenta dificuldades extra a quem tem de apresentar alternativas sem pôr em causa o consenso da larga maioria.

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À esquerda, as críticas recaíram sobre a escolha do candidato derrotado, Paul Williams, um homem que fez campanha pela Europa, e que foi criticado pelo vazio de propostas. "O Partido Trabalhista entrou nesta campanha eleitoral... foi como ter uma discussão sem apresentar um argumento", comentou John McDonnell, da ala marxista do partido. "Estamos a regredir em áreas que precisamos de estar a ganhar. A liderança dos trabalhistas precisa de mudar urgentemente de direção", advertiu o deputado Richard Burgon.

A aproveitar o momento, Boris Johnson deslocou-se a Hartlepool e disse que o país está agora a colher os frutos da saída da União Europeia. "Este é um lugar que votou pelo Brexit. Agora que fizemos o Brexit somos capazes de fazer outras coisas", tendo dado como exemplos o "controlo das fronteiras", a oposição ao projeto da superliga europeia de futebol e a campanha de vacinação.

cesar.avo@dn.pt