Internacional
04 junho 2023 às 22h06

Collor não é o primeiro nem deve ser o último a passar de presidente a presidiário no Brasil

Condenado por corrupção a quase nove anos, o político de 73 anos segue os passos de Lula, Temer e mais cinco ex-chefes de Estado que passaram pela cadeia após o exercício do cargo. Bolsonaro, acossado por todos os lados, pode mesmo ser o próximo.

João Almeida Moreira, São Paulo

O Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu na quarta-feira, 31 de maio, condenar Fernando Collor de Mello a oito anos e dez meses de prisão em regime fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Mas o presidente brasileiro de 1989 a 1991 não foi o primeiro - Lula da Silva, Michel Temer e mais cinco viveram o mesmo drama - nem deve ser o último - Jair Bolsonaro está na mira da polícia - a ter de trocar o conforto do Palácio do Planalto pela agonia de uma cela de cadeia.

Para a maioria dos juízes do tribunal, Collor, de 73 anos, recebeu indevidamente 20 milhões de reais [cerca de 3,7 milhões de euros] em contratos da BR Distribuidora, empresa subsidiária da petrolífera estatal Petrobras, entre 2010 e 2014, para a qual, enquanto dirigente do Partido Trabalhista Brasileiro, fez indicações políticas.

Após seis sessões de julgamento, o resultado da votação, a 25 de maio, terminou com oito votos a dois pela condenação, incluindo o do relator do caso, juiz Edson Fachin, que sugerira pena de 33 anos e 10 meses de prisão para o antigo presidente. Mas o revisor, Alexandre de Moraes, excluiu o crime de associação criminosa, baixou a pena e foi acompanhado pela maioria dos pares.

Além da prisão, Collor vai ficar interditado de exercício de função pública e terá de pagar multa por danos morais. A multa será dividida com Pedro Paulo Ramos e Luís Duarte de Amorim, apontados como braços direitos do antigo presidente, condenados a quatro e a três anos, respetivamente.

Como a defesa deve apresentar "embargos de declaração", a prisão não tem efeitos imediatos.

Fernando Afonso Collor de Mello nasceu em 1949, no Rio de Janeiro, mas foi no estado de Alagoas que construiu meteórica carreira na política. Filho do antigo senador Arnon de Mello, conhecido por ter assassinado em pleno Congresso Nacional, com três tiros, um outro parlamentar, José Kairala, que se colocou à frente de Silvestre Péricles, o alvo dos disparos, Collor foi prefeito de Maceió, deputado federal por Alagoas e governador do estado com menos de 40 anos.

Como governador alagoano, ganhou projeção nacional, ao intitular-se "caçador de marajás" e liderar campanha contra funcionários públicos com salários desproporcionais, e tornou-se candidato à presidência da República, em 1989. Nas eleições, superou pesos pesados da política nacional na primeira volta, bateu Lula, do Partido dos Trabalhadores, na segunda e tornou-se o primeiro presidente eleito após o fim da ditadura militar.

O mandato ficou marcado pelo "Plano Collor", que consistiu, entre outros pontos, na apreensão da poupança dos brasileiros, e por denúncias de corrupção, algumas partindo do próprio irmão do presidente, Pedro, e envolvendo o tesoureiro PC Farias, que controlava uma conta fantasma para pagar despesas pessoais do chefe de Estado e acabaria assassinado num caso ainda não totalmente esclarecido. Na sequência, o presidente acabou alvo de impeachment e substituído pelo vice Itamar Franco.

Em 2006 voltou à política nacional como senador por Alagoas. No ano passado, quando tentava a segunda reeleição e se assumia como efusivo apoiante de Bolsonaro, acabou derrotado.

Bolsonaro, aliás, é a mais recente prova de que existe uma espécie de "maldição" contra ex-presidentes. A 3 de maio a polícia federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa do ex-presidente, em Brasília, para apurar suposta fraude no cartão de vacinação contra a covid-19.

Só em 2023, Bolsonaro está na mira da justiça por causa de um escândalo de desvio de joias sauditas e o do envolvimento nos ataques de 8 de janeiro. Mas, desde 2014, ainda deputado, é suspeito de um total de 25 crimes, por omissão na pandemia, incitamento à violação de uma deputada e outros.

Lula, chefe de Estado de 2003 a 2010 regressado ao poder no ano passado, chegou a ficar preso, de 7 de abril de 2018 a 8 de novembro de 2019, por supostamente ter recebido imóveis no âmbito do esquema de corrupção conhecido como Petrolão e investigado na Lava-Jato.

Em abril de 2021, no entanto, o Supremo anulou as condenações por incompetência da Vara Federal de Curitiba para julgá-las e por não ficar demonstrada a ligação do político com o grupo criminoso que desviou dinheiro da Petrobras. Dois meses depois, considerou ainda ter havido parcialidade do juiz Sergio Moro nos julgamentos. Lula recuperou os direitos políticos, concorreu e venceu a eleição de 2022.

Antes dele, Michel Temer foi acusado, ainda no exercício da presidência, de negociar subornos milionários na qualidade de líder do "quadrilhão do MDB", o seu partido, mas acabou blindado pelo Congresso Nacional, que rejeitou as denúncias. Já fora do cargo, em março de 2019, foi preso preventivamente no Rio de Janeiro pela Lava-Jato no âmbito de que apurava crimes de corrupção nas obras da fábrica nuclear de Angra dos Reis. Em 2022, a justiça de Brasília absolveu-o.

A lista de presidentes que acabam presos não se esgota nos políticos contemporâneos. Após o golpe militar de 1964, Juscelino Kubitschek, acusado de corrupção e aliança com comunistas, teve os direitos políticos suspensos. Em 1967, a participação na Frente Ampla pelo regresso da democracia no Brasil resultou em alguns dias numa cadeia e em meses de prisão domiciliar.

Café Filho, vice-presidente de Getúlio Vargas quando este cometeu suicídio, em 1954, foi cercado por um grupo de militares e preso no apartamento até concordar em pedir a renúncia. Os militares exigiam a posse de Juscelino Kubitschek, o mesmo que prenderiam na década seguinte.

Artur Bernardes, presidente do Brasil entre 1922 e 1926, foi preso em 1932 por apoiar a Revolução Constitucionalista que tentava pôr fim ao governo de Getúlio Vargas. Na sequência, exilou-se por ano e meio em Portugal.

Washington Luiz, que governou de 1926 a 1930, também se exilou na Europa depois de sofrer um golpe de Estado liderado por Vargas e ser levado preso para o Forte de Copacabana.

O marechal Hermes da Fonseca, presidente da República de 1910 a 1914, teve ordem de prisão decretada em 1922 pelo presidente da época, Epitácio Pessoa, por criticar uma medida de intervenção federal em Pernambuco.

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