Internacional
07 agosto 2022 às 22h12

Bolsonaro tem medo de ser preso se perder as eleições

Acusado de múltiplos crimes, o presidente do Brasil cita caso semelhante na vizinha Bolívia e diz que "prefere morrer" a ser detido. Aliados já procuram garantir-lhe imunidade vitalícia.

João Almeida Moreira, São Paulo

Jair Bolsonaro vem confidenciando ao seu núcleo mais próximo que teme ser preso em caso de derrota nas eleições de outubro. O presidente da República brasileiro, acusado de cerca de 20 crimes e alvo de 160 pedidos de impeachment mas protegido pela imunidade parlamentar do cargo e por uma aliança com o presidente da Câmara dos Deputados, receia que a sua sorte jurídica mude após o sufrágio em que o rival Lula da Silva, de acordo com as sondagens, é o favorito.

O próprio Bolsonaro verbalizou publicamente o temor, ao traçar paralelo com o destino da advogada Jeanine Añez, que se proclamou presidente da Bolívia após a queda do socialista Evo Morales, em 2019, e acabou detida com o regresso da esquerda ao poder, em 2020. "A turma dela perdeu as eleições, voltou a turma do Evo Morales. E o que aconteceu? Ela foi presa preventivamente. E agora foram confirmados 10 anos de cadeia para ela (...) Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo".

Em privado, o presidente tem sido ainda mais dramático, segundo relatos da imprensa. "Jair Bolsonaro assustou um interlocutor neste fim de semana, quando descreveu o que vê como uma conspiração para levá-lo à prisão, no cenário de derrota na sua tentativa de reeleição", noticiou Guilherme Amado, colunista do jornal Metrópoles. "Agitado, falando de maneira descontrolada, Bolsonaro causou impacto em especial quando disse qual seria a sua reação caso a polícia batesse à sua porta para executar uma ordem de prisão: "Eu atiro para matar, mas ninguém me leva preso. Prefiro morrer"".

Em coluna no jornal Folha de S. Paulo, a jornalista Mônica Bergamo cita relatos de quatro aliados do presidente. "Ele tem demonstrado nervosismo e repetido frases semelhantes à que disse num discurso no dia 7 de setembro do ano passado, num ato na Avenida Paulista, em São Paulo: "Nunca serei preso". Na mesma ocasião, ele afirmou que poderia sair do Palácio "preso, morto ou com a vitória". A primeira hipótese estaria descartada. Nas conversas em Brasília, ele também teria dito, na mesma linha do discurso em São Paulo, que pode haver "morte" caso tentem prendê-lo", escreveu a colunista.

Ouvido pelo DN, Michael Mohallem, professor do Instituto de Direito da PUC, do Rio de Janeiro, concordou que há motivos de sobra para processar Bolsonaro e recordou que dois ex-presidentes, Lula e Michel Temer, acabaram detidos depois de saírem dos cargos - mas num contexto diferente.

"Como jurista, vejo muitos crimes cometidos por Bolsonaro, não só de responsabilidade, que são os que possibilitam impeachment, como também crimes comuns e crimes cometidos antes do mandato, como peculato e corrupção no caso da rachadinha, entre outros, por isso, ao sair do cargo, é possível, sim, que ele, sem estar blindado pelo procurador-geral da República, como vem estando, possa ser investigado e, em última análise, detido".

"Entretanto, o momento do país é outro em relação à época em que Lula e Temer foram detidos, naquela altura os juízes sentiam-se motivados para prender políticos, até sem provas fortes, depois disso, num caso em que é quase impossível encontrar provas mais fortes, como o do senador Flávio Bolsonaro, acusado de corrupção e outros crimes, a tendência da justiça tem sido a de anular investigações, ou seja, se Bolsonaro for processado, como deve ser, a prisão deve demorar por estarmos noutro contexto no país".

Em paralelo aos temores de Bolsonaro, corre uma negociação no poder legislativo, liderada por parlamentares aliados ao governo, no sentido de alterar a Constituição, criar o cargo de "senador vitalício" para ex-presidentes da República e blindar definitivamente Bolsonaro.

"Como um presidente depois de sair do cargo perde o foro privilegiado, basta ter pela frente um juiz antipático para ser preso em virtude de alguma morte cometida na pandemia por negligência do poder público ou por outro crime, como as ações dele ligadas à milícia do Rio de Janeiro", diz ao DN o cientista político Vinícius Vieira.

"Para evitá-lo, portanto, ele precisa ou de ser reeleito, o que parece muito difícil, ou de ser tornado senador vitalício, algo que causa má imagem porque é um expediente à Pinochet, ou então, como vem sendo especulado por colegas cientistas políticos, de fugir para um país como os Emirados Árabes Unidos ou outra ditadura do Golfo".

"O nó que ata a democracia brasileira não está no medo do Bolsonaro ser preso mas sim na forma como as instituições brasileiras, nos poderes legislativo e judicial, vão reagir à tentativa do presidente de tentar uma imunidade preventiva", disse o comentador político Josias de Souza, no portal UOL. "Aliados do presidente percorrem Brasília à procura de uma solução mal cheirosa que permita a Bolsonaro ter imunidade e impunidade e que consolidaria o Brasil como uma subdemocracia".

"Se as elites brasileiras fizerem mais um acordo por cima para livrar Bolsonaro de responder à Justiça quando deixar a Presidência, creio que ficaríamos perto da hora de desistir do Brasil", reagiu Plínio Bortolotti, colunista do jornal O Povo e da rádio CBN.

A maioria dos crimes de que Bolsonaro é acusado resultaram de denúncia do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, na hora da demissão, e na conclusão da CPI da covid, mas parte já foi arquivada por Augusto Aras ou Lindôra Araújo, os procuradores-gerais da República, ambos próximos do presidente. Além disso, cerca de 160 pedidos de impeachment estão na gaveta de Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados aliado do governo.

Também os filhos políticos do presidente, Flávio, Carlos e Eduardo, e o filho empresário Jair Renan têm a justiça à perna no caso de corrupção de desvio do salário dos assessores conhecido como rachadinha, em inquérito sobre propagação de fake news e investigações de tráfico de influência e lavagem de dinheiro, respetivamente. O escândalo que envolvia a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que recebeu na sua conta cheques de Fabrício Queiroz, o operacional das rachadinhas que esteve escondido na casa do advogado de Bolsonaro, foi, entretanto, arquivado pela procuradoria-geral.

dnot@dn.pt