Internacional
24 setembro 2021 às 21h10

Após 16 anos de Merkel, é a hora de Scholz, Laschet ou Baerbock

Os alemães vão neste domingo às urnas para eleger os deputados que serão depois responsáveis por escolher o próximo (ou a próxima) chanceler. Pela primeira vez, há três candidatos ao cargo, sendo que todos já estiveram à frente das sondagens.

Num parlamento que se espera muito dividido, o sucessor de Angela Merkel terá de conseguir uma maioria para poder governar e nada garante que o candidato do partido que vencer nas urnas possa ser o escolhido.

Em 2003, o semanário Die Zeit apelidou Olaf Scholz de "Scholzomat", juntando o seu apelido à palavra automat. Tudo porque o então secretário-geral do Partido Social-Democrata (SPD) parecia expressar-se como uma máquina, com termos tecnocratas ou burocráticos - na altura tinha de defender as impopulares reformas laborais do chanceler Gerhard Schröder, dentro e fora do partido. A alcunha ficou, com a revista Der Spiegel a considerá-lo recentemente como "a encarnação do tédio na política". Apesar disso, o atual vice-chanceler e ministro das Finanças de Angela Merkel é o favorito à vitória no domingo.

A sua nomeação como candidato do SPD a chanceler em agosto do ano passado, poucos meses após ter perdido a corrida à liderança do partido, foi uma surpresa para muitos. Apesar de ser então o mais popular entre o eleitorado, sempre foi uma figura que gerava divisão dentro do partido, sendo apresentado como de tendência centrista. "Sabemos que esta decisão representa uma reviravolta inesperada para alguns. Pedimos que tenham fé no nosso caminho, que estamos determinados em percorrer juntos", disseram então os líderes do partido, Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans. A avaliar pelas sondagens, onde surge com 25% das intenções de voto, estão prestes ganhar a aposta.

Scholz, filho de trabalhadores têxteis, nasceu há 63 anos em Osnabrück e cresceu em Hamburgo. Juntou-se ao SPD quando tinha 17 anos e chegou a número dois da organização da juventude, Junos. Foi eleito para o parlamento em 1998, tendo até então tido o seu próprio escritório de advogados, especializado em direito empresarial. Em novembro de 2007, juntou-se ao primeiro governo de Merkel como ministro do Trabalho, tendo sido número dois do SPD a partir de 2009 - quando o partido saiu do governo. A partir de 2011 foi presidente da Câmara de Hamburgo, cargo que deixou em 2018 para ser vice-chanceler e ministro das Finanças. Apresenta-se como o verdadeiro herdeiro de Merkel, apesar de ser da oposição.

À frente das Finanças, foi responsável pelo fundo de emergência de 750 mil milhões de euros que o governo criou para ajudar as empresas e os trabalhadores na resposta à covid-19. "Tudo isto é caro, mas não fazer nada seria ainda mais caro", disse Scholz, que não hesitou em romper com a ortodoxia do antecessor, o democrata-cristão Wolfgang Schäuble. A pandemia deu-lhe uma plataforma para brilhar e evitou grandes gafes (ao contrário dos adversários), apesar dos ataques de que foi alvo porque funcionários do seu ministério não terão passado às autoridades informações sobre casos de lavagem de dinheiro. A subir nas sondagens desde julho, foi dado como o vencedor dos três grandes debates televisivos.

A nível pessoal, é casado com a deputada do SPD Britta Ernst.

Questionado numa entrevista se achava que era muitas vezes subestimado, Armin Laschet respondeu que "muitos certamente fizeram mal os cálculos". O líder dos conservadores da União Democrata-Cristã (CDU) de Angela Merkel sabe o que é vencer apesar de não ser o favorito - as gafes na campanha, junto à sua impopularidade, custaram-lhe essa posição - e espera repetir o feito no próximo domingo.

Laschet não era o favorito quando, em 2017, venceu as eleições na Renânia do Norte-Vestefália, o estado mais populoso da Alemanha, formando depois governo com o apoio dos liberais do FDP. E, apesar de ser visto como o mais próximo da posição centrista de Merkel, também não era o favorito nas sondagens quando foi eleito líder da CDU em janeiro, derrotando Friedrich Merz e Norbert Röttgen. Ou o favorito a ser escolhido, em abril, como candidato a chanceler da aliança conservadora CDU/CSU, uma vez que o líder deste último partido, o carismático Markus Söder, era mais popular entre os eleitores.

Filho de um mineiro que se tornou professor, Laschet nasceu há 60 anos em Aachen - junto à fronteira com Bélgica e Países Baixos - e mantém um sotaque (além de falar francês). Na CDU desde a adolescência, estudou Direito em Munique e foi jornalista - dirigiu um jornal católico - antes de entrar na política. Católico fervoroso, conheceu a mulher Susanne no coro da igreja. Têm três filhos.

Foi eleito pela primeira vez para o Bundestag em 1994 e cinco anos depois saltou para o Parlamento Europeu, sendo um europeísta convicto. Em 2005 apostou na política regional, com a pasta da Família, as Mulheres e a Integração no executivo de Jurgen Ruttgen. Ficou então conhecido como "Armin, o turco" pela defesa das políticas de integração dos migrantes, tendo sido um dos poucos que apoiou a abertura das fronteiras na crise migratória de 2015.

Desde 2012 que está à frente da CDU no seu estado, chegando ao poder em 2017. A sua gestão na pandemia chegou a ser criticada por Merkel, quando não quis reintroduzir as restrições na segunda vaga. Mas foram as suas gafes nas trágicas cheias de julho, que afetaram também o seu estado, que lhe custaram apoio nas sondagens - tem cerca de 22%. Primeiro foi apanhado a rir durante um discurso do presidente Frank-Walter Steinmeier numa das zonas afetadas e depois disse que não era por este evento que ia mudar de posição em relação às alterações climáticas - admitindo contudo dias depois que todos tinham um papel a desempenhar nessa luta.

Em abril, quando Annalena Baerbock foi apresentada como a primeira candidata oficial dos Verdes ao cargo de chanceler, o partido subiu até ao primeiro lugar nas sondagens - com quase 30% das intenções de voto. Mas não durou muito. Os holofotes centraram-se de repente na antiga ginasta, que na juventude ganhou três medalhas de bronze no campeonato alemão de trampolins, e que era uma desconhecida na política quando foi eleita colíder dos Verdes em 2018 (junto com Robert Habeck). E surgiram os problemas. Ainda assim, numa corrida que costuma ser a dois - entre o candidato da CDU/CSU e o do SPD - Baerbock quer ter uma palavra a dizer.

Não foram as suas propostas de querer acabar com o carvão ainda antes do prazo atualmente previsto de 2038 ou de querer instaurar um limite de 130 km/h nas autoestradas alemãs que lhe custaram o apoio popular. Foram os ataques à sua credibilidade pessoal. Baerbock, deputada de 40 anos que nunca teve um cargo de governo, foi acusada de incluir algumas imprecisões no seu currículo. Um exemplo: dizia ser membro do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, quando na realidade apoia uma organização alemã que angaria fundos para a agência da ONU.

Depois vieram as notícias de que tinha atrasado o pagamento de impostos num avultado bónus de Natal que recebeu e de que tinha plagiado partes do seu novo livro. E finalmente o uso de uma palavra racista numa entrevista, quando estava precisamente a elogiar um aluno que tinha recusado terminar um trabalho que continha essa palavra. Apesar das desculpas que pediu em cada uma dessas ocasiões, em meados de maio já estava de novo atrás do candidato da CDU/CSU, sendo ultrapassada também já em agosto também pelo do SPD, mantendo uma tendência de queda. Os Verdes nem conseguiram aproveitar o facto de o tema das alterações climáticas ter saltado para o centro do debate eleitoral, após as cheias que causaram quase 200 mil mortos na Alemanha em julho. Nas últimas sondagens, tem 16% das intenções de voto. Apesar de parecer fora das opções para chanceler, terá provavelmente uma palavra a dizer na hora de negociar uma coligação de governo.

Baerbock nasceu em dezembro de 1980 - o mesmo ano em que o seu partido foi fundado - numa pequena localidade nos arredores de Hanôver, na Baixa Saxónia. Em criança os pais levavam-na para os protestos antinuclear e antiguerra, alguns deles organizados pelos Verdes, aos quais se juntou oficialmente só em 2005. Tinha 16 anos quando foi estudar um ano no secundário para os EUA, tirando o curso de Ciência Política e Direito na Universidade de Hamburgo e um mestrado em Direito Internacional na London School of Economics - falando por isso fluentemente o inglês.

A entrada para a política foi em 2013, quando foi eleita deputada para o Parlamento alemão, depois de ter sido assessora de uma eurodeputada e do grupo dos Verdes no Bundestag, além de líder do partido na região de Brandemburgo (nordeste da Alemanha). É nesta zona que vive com o marido e duas filhas desde 2013.

susana.f.salvador@dn.pt