Internacional
24 junho 2021 às 05h00

A mesma divisão e mais desunião cinco anos após referendo do Brexit

Impacto económico da saída da UE esconde-se atrás da crise causada pela pandemia, mas Boris diz que recuperação mostrará o potencial da soberania reconquistada.

Cinco anos depois do referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia, os britânicos parecem tão divididos como na altura, o impacto económico ainda é difícil de perceber por causa da pandemia, mas a desunião parece maior com pressões para um novo referendo independentista na Escócia e problemas na Irlanda do Norte. A relação entre o Reino Unido e os restantes 27 também está tensa, ainda a recuperar de anos de negociações difíceis.

"Há cinco anos, os britânicos tomaram a decisão importante de deixar a União Europeia e recuperar o controlo do nosso destino", disse o primeiro-ministro Boris Johnson, que foi o rosto da campanha a favor do Brexit no referendo de 23 de junho de 2016. "Agora, enquanto recuperamos desta pandemia, vamos aproveitar o verdadeiro potencial da nossa reconquistada soberania para unir e fazer progredir o nosso Reino Unido."

Mas cinco anos depois, os britânicos continuam tão divididos como na altura do referendo - a opção de "sair" da UE venceu com 51,89%, com o "ficar" a ter 48,11%. Uma sondagem da Savanta ComRes revela que 51% dos eleitores votaria agora para ficar na UE, contra 49% que continuaria a optar por sair. Questionados noutra sondagem, da Redfield & Wilton, sobre se tinha sido tomada a decisão correta em 2016, 45% dos inquiridos disseram que sim e 44% discordaram (12% responderam não saber). No caso dos que já tinham idade para votar há cinco anos, o estudo perguntou se desejavam mudar de ideias. E só 11% disseram que sim.

O referendo convocado pelo então primeiro-ministro David Cameron foi em junho de 2016, mas o que se seguiu foi um longo processo que começou oficialmente em maio de 2017, quando a sua sucessora no número 10 de Downing Street, Theresa May, acionou o artigo 50 do Tratado de Lisboa notificando o Conselho Europeu da intenção do Reino Unido de sair. Após longos meses de negociações entre Londres e Bruxelas e de adiar de prazos, com a entrada de um novo chefe de governo, Boris Johnson, o processo só ficou concluído a 31 de dezembro de 2020, com o fim do período de transição durante o qual o Reino Unido ainda fez parte do mercado único e esteve sujeito às regras europeias.

Um dos argumentos usados pela campanha a favor de continuar na UE era o impacto económico que sair teria. Mas esse impacto tem sido camuflado pela crise desencadeada pela pandemia - se bem que 48% dos britânicos acreditam que estar fora os ajudou a lidar melhor com a covid-19, nomeadamente na questão da vacinação. Ainda assim, há indicadores que mostram que a relação económica entre os dois blocos mudou. Desde janeiro, dados oficiais do governo britânico mostram que as trocas comerciais com a UE caíram 23%. O economista e investigador do Centro de Estudos sobre o Brexit, David Hearne, defendeu contudo que será preciso esperar até "mais para o fim da década para saber o verdadeiro impacto" da saída da UE.

Um dos argumentos do campo do Brexit era que sair iria abrir a porta a acordos comerciais mais vantajosos com o resto do mundo. Dentro da UE, tinha garantidos 40 acordos comerciais com mais de 70 países. Até agora, o Reino Unido já assinou com os mesmos termos com 66 países (tendo entretanto já renegociado com três deles - Noruega, Islândia e Liechtenstein) e renegociou também o acordo com com o Japão. O acordo comercial com a Austrália, assinado este mês, foi o primeiro negociado do zero - a previsão é que aumente o PIB em 500 milhões de libras em 15 anos.

A saída do Reino Unido do mercado único europeu abriu um problema na Irlanda, onde o objetivo era evitar uma fronteira física entre República da Irlanda (que é um dos 27 estados membros da UE) e Irlanda do Norte. A solução foi um protocolo que, na prática, mantém esta última dentro da união aduaneira, obrigando a verificação de determinadas mercadorias que entram vindas da Grã-Bretanha. Isto é algo que os unionistas (os que defendem a continuação da ligação a Londres) dizem não ser sustentável - ainda para mais quando Bruxelas está a criticar o facto de o Reino Unido não estar a fazer essas verificações no que diz respeito, por exemplo, a carnes frescas.

No meio do caos, o partido unionista DUP nomeou na terça-feira o terceiro líder no espaço de um mês, Jeffrey Donaldson, que substitui Ewin Poots que tinha sucedido a Arlene Foster. Poots demitiu-se depois de críticas internas à nomeação de um aliado, Paul Givan, para ser chefe do governo da Irlanda do Norte. A confusão com o Brexit fez aumentar o debate sobre uma eventual reunificação da Irlanda.

Na Escócia, os independentistas fazem pressão para um segundo referendo. Algo que o governo britânico continua a negar - ainda ontem Michael Gove, ministro responsável pela estratégia de união entre as quatro nações que compõem o Reino Unido, reiterou que é "uma loucura" falar de um novo referendo. A líder do executivo escocês, Nicola Sturgeon, prometeu um até ao final de 2023.

A relação entre os britânicos e os restantes 27 também está tensa, com uma sondagem da Redfield & Wilton em quatro países (Alemanha, França, Espanha e Itália) a revelar que muitos acreditam que a UE está a "castigar" o Reino Unido por ter saído. A ministra do Interior britânica, Pritti Patel, denunciou ontem que alguns britânicos têm visto os seus direitos negados na UE (acesso a emprego ou a benefícios sociais), pedindo a Bruxelas que respeite as suas obrigações.

susana.f.salvador@dn.pt