Internacional
24 abril 2021 às 05h00

A filha do industrial do açúcar que azedou a campanha em Madrid

Primeiro foi a utilização de um cartaz xenófobo. Agora deu a entender que Pablo Iglesias, ameaçado de morte, estaria a mentir. Rocío Monasterio, do Vox, é a candidata sem travões para o governo da região de Madrid.

César Avó

Uma eleição inesperada, nascida de jogadas palacianas entre o Partido Popular (PP) e o Ciudadanos, surpreendente, por ter como candidato o até então vice-primeiro-ministro Pablo Iglesias, e agora, iniciada a campanha, encrespada pelos métodos utilizados pela extrema-direita e pela resposta da extrema-esquerda.

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Quem parece beneficiar é a presidente demissionária e candidata do PP, Isabel Díaz Ayuso. Conhecida pela falta de contenção e tiradas controversas, Ayuso passará a ser vista como um modelo de moderação e está lançada para vencer o sufrágio de 4 de maio, embora as sondagens apontem para o cenário de uma aliança com o Vox de forma a chegar à maioria absoluta na assembleia regional.

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A protagonista pelo extremar de posições é a candidata do Vox, Rocío Monasterio, cuja campanha é acompanhada muito de perto pelo líder da formação, Santiago Abascal. Monasterio saiu do anonimato quando encabeçou a lista do Vox nas eleições anteriores, em 2019, materializando a entrada na política em 2012, ao mesmo tempo que o marido, Iván Espinosa de los Monteros - atual porta-voz do Vox no parlamento -, pela mão de Abascal.

Até então Rocío Monasterio exercia arquitetura em gabinete próprio. Há dois anos ficou a saber-se que assinou projetos quando ainda não tinha concluído o curso da Universidade Politécnica de Madrid e que desenhou lofts em edifícios sem licença de habitação. Defendeu-se então alegando que a decisão da finalidade dos edifícios era dos compradores.

Nascida em Madrid em 1974, Monasterio tem ascendência asturiana e cubana - o pai, Antonio Monasterio, era dono da Central de Azúcar del Golfo, localizada em Cienfuegos e nacionalizada por Fidel Castro em 1961, o que aliado à perseguição a alguns empresários, o levou a estabelecer-se na capital espanhola. Em pleno franquismo, o empresário trocou o açúcar pelo frango frito e levou a rede de fast food Kentucky Fried Chicken (KFC) para Espanha.

A campanha de Rocío Monasterio para as eleições de 4 de maio começou por dar que falar devido a um cartaz, de conteúdo falso e xenófobo. "Um mena 4700 euros por mês; a tua avó 426 euros de pensão por mês" lê-se no cartaz espalhado em meios de transporte e estações de metro. "Mena" significa menor estrangeiro desacompanhado. A mensagem levou à condenação de várias forças políticas. "Isto tem apenas um nome: fascismo. Não podemos permitir que estes criminosos governem em Madrid", reagiu então Pablo Iglesias.

A procuradoria pediu que o cartaz fosse retirado, pedido rejeitado em primeira instância por um juiz. O El Diario descobriu que a fotografia que o ilustra, retirada de um banco de imagens, foi tirada no Bangladesh e o visado não é menor. Mais: o valor de 4700 euros é uma fabricação. Migrante menor algum recebe ajudas diretas; um valor parecido, mas por seis meses, é quanto custa o funcionamento do centro de acolhimento por menor (incluídos todos os gastos, como o de pessoal), segundo as contas daquela publicação.

Durante o único debate televisivo - os seguintes foram entretanto cancelados -, Monasterio, com estilo incisivo e sorridente, defendeu-se, atacando: "Acham errado da minha parte colocar um cartaz com o que custa: 4.700 euro? Em Espanha parece que é crime de ódio dizer a verdade e mostrar a lista de acordos governamentais onde pagaram os lugares dos mena. Eles querem negar o óbvio", atirou.

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Ainda no debate transmitido pela Telemadrid, e que a maioria dos espetadores deu como vencedora Díaz Ayuso, a candidata do Vox deu como exemplo de insegurança o caso de uma velhinha que não podia ir às compras, caso contrário a sua casa era ocupada.

No dia seguinte, novo debate, agora na rádio Cadena Ser. Pablo Iglesias, que horas antes recebera uma ameaça de morte (tal como o ministro do Interior e a diretora da Guardia Civil) ouvira as declarações incendiárias de Monasterio, nas quais se mostrava com dúvidas de que a ameaça era verdadeira, uma vez que, alegava, o governo e Iglesias têm historial de mentiras.

Tendo no início do debate pedido a retratação de Monasterio, ao que esta respondeu de forma agressiva, Iglesias dirigiu-se à moderadora afirmando que era um "erro branquear esta gente" ao permitir a continuação do debate. Iglesias levantou-se. O debate prosseguiu, mas após a pausa publicitária os candidatos do PSOE e Más Madrid juntaram-se ao da Unidas Podemos.

Mais tarde, Monasterio condenou as ameaças de morte a Iglesias, mas voltou a atacá-lo no Twitter: "Iniciámos a campanha a fazer o que prometemos para a legislatura: expulsar Pablo Iglesias."

cesar.avo@dn.pt