Ex-mulher de autor de relatório acusa-se para o salvar

Demitido ontem pelo PSOE da direção do think tank do PSOE por suspeita de burla, Carlos Mulas-Granados vê ex-mulher acorrer em seu socorro

Como diria Shakespeare, o enredo adensa-se. A novela do economista do PSOE acusado pelo seu partido de inventar uma colunista americana para arredondar o seu salário como diretor da Fundacion Ideas, think tank do partido socialista espanhol do qual foi ontem demitido pelo vice-presidente Juan Caldera, teve hoje um acrescento dramático. A ex-mulher de C5arlos Mulas-Granados, que é um dos co-autores do relatório do FMI sobre Portugal e colaborou na feitura de vários programas eleitorais do PSOE, enviou um comunicado aos jornais em que diz ter sido ela a criar Amy Martin, a colunista fantasma, e que o ex-cônjuge de nada suspeitava, só tendo por ela sido informado ontem, depois de demitido e já "sob uma cascata de ataques à sua honra". Isto apesar de o próprio, quando questionado pelo diário El Mundo (que a partir de segunda-feira revelou a história que custou o lugar a Mulas), ter dito que vira Amy Martin "uma vez" e ter agradecido à mesma a colaboração num artigo seu de fevereiro de 2011.

Irene Zoe Almeida - é o nome da ex-mulher de Mulas - confessa ter criado o pseudónimo como "experiência ficcional" e apresta-se a devolver os valores recebidos, que diz ter inscrito nas suas declarações de impostos, apesar de considerar que tinha direito a eles por corresponderem a trabalho efetivamente feito e não ter feito nada de mal: "O uso de um pseudónimo não tem nada de mal, até é bastante habitual, e os trabalhos efetuados por Amy Martin para a Fundación Ideas existem". Zoe Almeida reconhece ter criado o logo para Amy, arranjado uma foto para a personagem e até que tencionava manter essa criação para sempre (ao ponto de, diz, estar a escrever um livro em nome de Amy). Adianta também que ao longo da colaboração falou pelo telefone com membros da fundação (supõe-se que em inglês, já que era suposto ser americana) mas não esclarece se alguma vez trocou palavras por esse meio, e na qualidade de Amy Martin, com o ex-marido, de quem diz estar "separada física e sentimentalmente desde 2009" e considera estar a ser vítima de perseguição injusta e cruel, apesar de se tratar "do homem mais honesto, trabalhador e admirável que conheci na vida".

Sem esclarecimento no comunicado fica, porém, uma das questões essenciais: como é que uma estrangeira e completa desconhecida, sem qualquer trabalho publicado noutros meios ou obra para mostrar, foi contratada, sem sequer nunca ter sido avistada em carne e osso, pela fundação que por acaso era dirigida pelo ex-marido, e logo para escrever artigos especializados e "auxiliar" no trabalho de outros colaboradores com "artigos base", principescamente pagos a 16 cêntimos o caracter (para se ter uma ideia, um artigo de 5000 caracteres, como este, renderia 800 euros; como o típico artigo no site da Fundação é maior, não é difícil perceber que em dois anos, de 2010 a início de 2012, tenha empochado 50 mil euros em colaborações). Para não falar do facto de, na estória que Zoe Almeida agora vem contar, não parecer existir o mínimo de noção do quanto aquilo a que intitula de "jogo literário" se parece com uma vulgar fraude e como seria inevitável que, caso a trapaça fosse descoberta, o ex-marido fosse suspeito de colaborar nela.

Acresce que o El Mundo afirma ter em seu poder documentação que prova existirem trabalhos de Amy Martin que se confundem com os de Mulas: "A factura emitida pela articulista fantasma em 12 de setembro de 2011 à Fundação é de 742,88 euros -sem contar com IVA- por um artigo sobre agências de rating que não chegou a ser publicado. No entanto, umas semanas antes, a 6 de agosto de 2011, o próprio Mulas publico no diário 'Público' um artigo intitulado Às voltas com as agências de rating'. Em 3 de março desse ano, Casanovas & Lynch [a agência literária que representava Amy, e que também representa Irene] cobrou para Amy 1.401 euros por "assesoria para o artigo sobre os sindicatos e social democracia no século XXI", que o diretor da Fundação tinha escrito no mês anterior."

O DN no dia 17 noticiou o facto de Mulas-Granados, há anos um feroz crítico da austeridade (lançou mesmo uma campanha intitulada "A austeridade não funciona") e tendo até, como consultor do FMI, assinado artigos a defender políticas de expansão orçamental como melhor reação às crises financeiras, subscrever agora um relatório hiperausteritário sobre Portugal. Contactado diretamente através do seu mail e telefone na Universidad Complutense para explicar a aparente contradição, não respondeu. As perguntas foram esta semana colocadas através do serviço de imprensa do FMI, mas ainda não houve reação. Até ao momento, de resto, Mulas-Granados nada disse sobre a sua demissão nem sobre as declarações da ex-mulher.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG