Ser deputado. Tal pai, tal filha
Adriano Moreira e António Marques Mendes cruzaram-se nos corredores de São Bento nos tumultuosos anos 80. Agora, as suas duas filhas, Isabel e Maria Clara, estão a caminho da Assembleia da República.
A história do deputado que teve um filho que chegou a deputado, há décadas que deixou de fazer notícia pelos corredores de São Bento. Mais difícil é encontrar histórias de parlamentares que viram as filhas seguir os seus passos até à Assembleia da República.
Antónia Almeida Santos, filha do histórico presidente do PS, é um caso, mas singular. Pelo menos, até às próximas eleições. Nas listas dos dois maiores partidos estão duas mulheres que encaixam no dito perfil. Isabel Moreira e Clara Marques Mendes correm para o lugar que os homens que lhes deram o apelido ocuparam nas primeiras décadas da democracia.
Adriano Moreira e António Marques Mendes cruzaram-se em São Bento, durante os tumultuosos anos 80. O segundo, autarca e político social-democrata, vê agora a filha mais nova seguir as suas pisadas - e as do irmão e ex-líder do PSD, Luís Marques Mendes - até à bancada laranja. O primeiro, ex-ministro do Ultramar de Salazar e, mais tarde, líder do CDS, pelo contrário, "deixou-a fugir" para o PS.
No dia em que foi desafiada a entrar nas listas socialistas por Lisboa, Isabel Moreira foi a casa do seu pai e fez um brinde com vinho tinto. "Contei-lhe que tinha sido convidada como independente. Ele respondeu que era o tipo de função que tinha tudo a ver comigo. Que não esperava de mim outra coisa, nem duvidava de que o partido fosse o PS. Estava lá ele e a minha mãe, apenas, e os três fizemos um brinde. Com vinho tinto."
Ao lado de Ferro Rodrigues, Isabel Moreira fez, com a entrega das listas pelo círculo de Lisboa, a última etapa de um longo percurso de aproximação ao PS. A jurista afirmou-se como uma das vozes da sociedade civil para causas fracturantes e, mais tarde, antes de chegar à Fundação Aga Khan para o Desenvolvimento, foi assessora jurídica do Luís Amado nos Negócios Estrangeiros.
Quem olha para os números tatuados no braço esquerdo 080110, a data da aprovação da lei do casamento homossexual, não diz que é filha de um antigo ministro do Estado Novo - um homem que teve uma ascensão tão impressionante que, conta--se, Salazar o temeu - e que na democracia deu o rosto da democracia cristã. Ela relativiza. Afinal, Adriano Moreira também foi preso pelo PIDE e teve uma irmã comunista. "É isso, sair do ramalhete, que torna a conversa em família mais colorida lá em casa. Quando vejo o que ele fez, tenho a certeza de que, mesmo que as soluções concretas sejam diferentes, agiu sempre por um princípio de justiça."
Na biografia desta jurista radical na defesa dos direitos individuais, o antigo líder do CDS surge como o homem que a ensinou a gostar de política. "Lembro-me, quando tinha 11 anos, - sei a idade de cor porque eram as eleições de 1987 e o meu pai era candidato, seguia freneticamente os telejornais. Não percebia nada, claro, mas prestava uma atenção que não era nada normal. Não sei se é genética, os meus irmãos não têm. Eu herdei do meu pai o bichinho da política."
Isabel Moreira nasceu no Rio de Janeiro, para onde o pai foi saneado no furor revolucionário, no dia em que foi aprovada a Constituição da República, 2 de Abril de 1976. Só aos dois anos pisou Portugal. Os pais inscreveram-na num Colégio da Opus Dei com medo da "bagunça" da escola pública, mas repressão sexual e da "individualidade" tiveram nela um efeito "contraproducente": afastaram-na de Deus.
"Não sei dizer com que idade é que tomei consciência de que pensava diferente do meu pai. Quando a família é de um determinado meio não é de um dia para o outro que acordamos diferentes. O ponto de viragem foi, talvez, no 12.º ano, quando aprendi filosofia, mas continuou depois quando comecei a estudar Direito e senti empatia por correntes diferentes das do meu pai."
Virou à esquerda na idade adulta, mas não se afastou. O homem que lhe emprestou alguns traços do rosto e a ansiedade por mudar as coisas é um seguidor fiel, atento e orgulhoso do percurso da filha. Na apresentação do livro O Casamento Civil entre Pessoas do Mesmo Sexo, onde está o parecer jurídico de Isabel a favor, conta-se que no final, aos convidados, o pai perguntava: "Ela é fantástica, não é?"
Pela cabeça de Clara Marques Mendes nunca tinha passado a ideia de ser deputada. Foi com surpresa que há um mês recebeu o convite do presidente da Comissão Política de Fafe para entrar nas listas do PSD por Braga num lugar elegível.
Falou com o pai António e o irmão Luís. Disseram-lhe que fosse ela a decidir pela sua cabeça. Ela respondeu que sim.
Clara gosta de deixar claro que não tem currículo político. "Sou do PSD desde jovem, mas não militante. Faço parte do enorme grupo de cidadãos que acompanham a vida do PSD, sofrem com as suas derrotas, rejubilam com as suas vitórias, mas não são profissionais da política. Sou aquilo a que se pode chamar uma 'laranjinha não encartada'."
Nascida no ano de 1970 - já Salazar tinha caído da cadeira - a tempo de ficar na memória com o dia da morte de Sá Carneiro, Clara Marques Mendes cresceu a ver o pai no Parlamento e depois à frente da Câmara de Fafe. A vida de António Marques Mendes fazia com que "as conversas quotidianas em casa incluíssem com regularidade assuntos do País e do partido". Mas, na família e até agora, só o irmão Luís seguiu o caminho da política chegando a líder do PSD.
Marques Mendes foi ao Governo de Cavaco Silva depois de deixar para trás o escritório de advogados do pai em Fafe. É nesse o mesmo escritório que Clara trabalha desde que se formou em 1998.
A candidata a deputada confessa uma grande admiração pelo irmão, mas não tem como plano seguir o mesmo caminho. Por enquanto só faz uma promessa: "A esta questão posso dizer apenas que, se for eleita, levarei o meu mandato muito a sério."