A política portuguesa tem um novo Sá Carneiro
Trinta anos depois do desastre de Camarate, um primo do antigo primeiro-ministro chegou à "primeira divisão da política" pela mão do novo líder do PSD Pedro Passos Coelho
É uma história com três décadas: na noite de 4 de Dezembro de 1980, num desastre de avião mal explicado, morreu em Camarate, Francisco Sá Car-neiro. Desde então, não faltou quem que se intitulasse herdeiro político do fundador do PSD. Mas o apelido nortenho desapareceu da política. O filho do antigo primeiro-ministro, Francisco como o pai, nunca se deixou enfeitiçar pela política. E os poucos primos filiados no par-tido laranja nunca foram além das bases. Até agora. Trinta anos de- pois de Camarate, há um novo Sá Carneiro na "primeira divisão" da política portuguesa.
Carlos Sá Carneiro aceitou o convite de Passos Coelho e há semanas trocou o escritório de advogados e casa de família em Braga por um quarto de hotel na capital e o cargo de adjunto do novo líder laranja, na São Caetano à Lapa.
"É um nome pesado," reconhece em conversa na sede laranja, que tem à entrada um retrato do seu primo. "As pessoas esperam sempre muito de nós e temos de corresponder a essas expectativas."
Embora os Sá Carneiro sejam, por vezes, considerados um clã - uma espécie de Kennedy à portuguesa -, o nome não tem uma longa tradição. A sua história começa em meados do século XIX com Albino Sá Carneiro, o chefe de uma família remediada, de Famalicão.
Mas foi o seu filho quem mais fez pela descendência. Joaquim - que, conta-se, copiou as sebentas à mão para fazer curso de direito - teve 17 filhos, numa casa tão grande que, mais tarde, foi transformada em escola. Um deles era José Gualber-to, pai de Francisco, que trocou Barcelos pelo Porto. Outro era Ale-xandre, que teve uma filha, Isabel, que lhe deu um neto: Carlos.
Quando Francisco Sá Carneiro morreu em Camarate, Carlos tinha acabado de fazer sete anos. O advogado assegura que o seu primo era um homem muito reservado e lembra-se de estar com ele na Foz do Porto e na casa da família. Mas há outra imagem que nunca esqueceu: "O Francisco a baixar o som da televisão quando ouvia Álvaro Cunhal a falar. A seguir ao 25 de Abril, havia simpatias e ódios e as ideologias estavam mais agitadas. Ele odiava o Cunhal."
Carlos nasceu em Braga, a 6 de Novembro de 1973, meses antes do 25 de Abril. À teimosia de um Escor-pião juntou o longo nariz da família. Teve uma educação católica que começou, na primária, num colégio de freiras, passou, na secundária, por um colégio de padres, e só terminou na Universidade Católica - onde entrou à segunda tentativa, por culpa de um acidente de moto.
Hesitava entre Direito e Econo-mia. Escolheu a primeira, mas depois equilibrou as coisas quando se especializou em direito fiscal. Tirou três pós-graduações mais tarde, para responder ao "vício", e começou a fazer um doutoramento, que está à espera pela tese.
Casado e pai de filhos, adepto do Sporting Clube de Braga a tempo inteiro e do Benfica nas horas vagas, Carlos sempre interveio politicamente, mas nos últimos anos rejeitou algumas propostas para entrar na vida partidária.
A resistência, que é regra na família, foi quebrada com o convite de Pedro Passos Coelho. Mas, mesmo agora, Carlos continua a chamar-se de advogado.
"Gosto muito da minha profissão, sou um emprestado à políti-ca", afirma antes de confessar a admiração por Passos Coelho. "Acho que vai ser o terceiro grande lí- der do PSD, depois de Cavaco e do Francisco." A rapidez com que elogia o novo líder laranja contrasta com a hesitação sobre o seu futuro. Promete integrar a equipa de Passos, "aqui e em qualquer outro lado".
Se isso o levará ao Governo. Não sabe e não responde.