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O filme 'Autobiografia de Nicolae Ceausescu'

Retrato de um tirano pela sua propaganda

Em 1992, o realizador romeno Andrei Ujica assinou, com o alemão Haroun Farocki, o documentário Videograms of a Revolution, sobre a queda do regime de Ceausescu, em Dezembro de 1989, composto por imagens feitas ou por cidadãos anónimos, ou por operadores de câmara da televisão estatal romena e de cadeias internacionais. No seu novo e aclamado documentário, Autobiografia de Nicolae Ceausescu, estreado esta semana em Portugal, Ujica adoptou o ponto de vista antípoda do utilizado em Videograms of a Revolution, lançando apenas imagens de propaganda feitas pelo aparelho estatal durante os quase 25 anos em que Ceausescu esteve no poder, para contar a história do ditador sem narrador nem entrevistas ou depoimentos. Autobiografia de Andrei Ceausescu, Videograms of a Revolution e Out of the Present, de 1995 (sobre o cosmonauta soviético Sergei Krikalyov, que depois de passar 10 meses na estação espacial MIR, voltou à Terra e já não tinha país, porque a URSS tinha-se desintegrado), formam uma trilogia sobre a queda no comunismo na Europa de Leste. Trilogia essa que Andrei Ujica não tinha planeado, e que acabou por ter existência retroactiva, como o realizador disse ao DN: "Esta trilogia foi feita de trás para a frente, porque a certa altura percebi que os três documentários tinham uma coerência estilística e temática." Ujica e dois assistentes pesquisaram mais de mil imagens preservadas nos arquivos oficiais, rodadas em circunstâncias públicas e situações privadas, para chegar às três horas de filme que formam este colossal documentário. "Todas estas imagens foram geradas pelo próprio Ceausescu, já que o seu sistema de propaganda estava encarregue de registar a sua vida. Foi-lhe ordenado que cultivassem a imagem dele e fizeram-no com toda a dedicação. Este filme só pode ser considerado uma autobiografia, porque espelha a perspectiva de Ceausescu, mostrando o mundo através dos seus olhos. Ele vivia mesmo naquela realidade", acrescenta Ujica. E é uma realidade feita de cerimónias público-partidárias e visitas internacionais (dos EUA à Coreia do Norte, passando por Inglaterra), de adulação cerrada e culto da personalidade constante, mas também de festas e férias em família ou com os membros do seu círculo íntimo. O documentário é balizado por imagens de Nicolae Ceausescu e da mulher Elena a serem interrogados, poucos dias antes do seu julgamento e execução, em 25 de Dezembro de 1989. Na Roménia, Autobiografia de Nicolae Ceausescu teve estreia nacional numa sala de Bucareste onde o ditador comunista fez muitos discursos políticos.

Gente

ver ouvir e ler

Ver. Em tempo de férias, levamos esta coluna a viajar. E assim, semana após semana, aqui vemos, ouvimos e lemos propostas de outras paragens. Hoje numa viagem que, por enquanto, está apenas ao alcance das nossas leituras, filmes e canções, que o turismo espacial já inventa passeios orbitais, mas ainda não leva ninguém à Lua. Mas é lá que vamos hoje. O cinema visita-a desde os dias de Méliès. E por lá viveu já muitos momentos, das aventuras dos dias de Destination Moon (1950), de Irving Pichel, às inesquecíveis sequências filmadas por Stanley Kubrick no segmento "lunar" do seu 2001: Odisseia no Espaço. Primeira longa-metragem de Duncan Jones, Moon - O Outro Lado da Lua (2009) fez o cinema regressar recentemente ao satélite natural da Terra numa aventura que explora sobretudo o clima de solidão em que vive o único astronauta que assegura a manutenção diária de uma pequena base lunar com fins comerciais. Criado pelo realizador tendo já em mente o actor Sam Rockwell para o papel protagonista, Moon assinala ainda um reencontro do cinema com uma ficção científica mais centrada numa ideia de argumento (mais próxima portanto da literatura do género) que de uma exposição de malabarismos de efeitos visuais (que nos últimos tempos tem imperado nestes domínios da produção cinematográfica).

Em viagem

Uma cidadelano meio da cidade

Não deve haver cantinho mais visitado em Copenhaga (capital da Dinamarca) que a estátua da Pequena Sereia que mora, discretamente, sobre uma rocha, a poucos centímetros da costa... Autocarros de turistas, uns atrás dos outros, ali param diariamente para a fotografia que se leva de regresso a casa. E com agenda pensada ao minuto, poucos adivinham que, mesmo atrás de si, mora um dos espaços mais belos da cidade e que por tudo justifica uma visita. Trata-se da chamada Cidadela, uma fortificação originalmente desenhada no século como parte da estrutura defensiva da cidade.