Estudantes contestam propinas. "Já há quem tenha de optar entre pagar despesas ou comer"

Alunos deslocados enfrentam ainda mais dificuldades para pagar despesas. Pandemia obriga estudantes a procurar apoio para continuar ciclo de estudos. Dia 28 de abril há protesto nacional.

As associações de estudantes AE ESAD (Caldas da Rainha), AE ESTM (Leiria), AE ESTG (Leiria), AE FBAUP (Porto), AE FLUL (Lisboa), AE FCSH (Lisboa), AAUL (Lisboa) e AE ESTA (Abrantes) convocaram um protesto contra o pagamento de propinas, a realizar no dia 28 de abril. Em causa está a "defesa por um ensino justo e democrático".

"A realidade e atualidade da vida dos estudantes e do ensino superior, após cerca de um ano desde o início do surto epidémico da covid-19, revelam as fragilidades e debilidades da situação económica e social do nosso país. A realidade comprova que são inegáveis as dificuldades que os estudantes hoje atravessam e enfrentam, e como tal é inegável que o momento atual exige resoluções aos problemas estruturais do ensino superior. É tempo de dizer basta aos entraves económicos que são as propinas e é tempo de se exigir mais financiamento para a Ação Social Escolar", pode ler-se no manifesto intitulado "É Hora de Avançar, a Propina tem que Acabar!".

Nuno Marques, membro da AE ESTA e um dos impulsionadores do movimento, explica ao DN ter tentado, sem sucesso, reunir-se com o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para debater o fim do pagamento de propinas. "Tomamos esta posição em janeiro quando fizemos um apelo, após uma reunião a nível nacional. Estamos a tentar reunir com o ministro, mas não conseguimos e não sabemos bem porquê. Na última semana estivemos todos em Lisboa e estivemos à frente do Ministério da Educação para fazer um comunicado, mas o ministro não reúne connosco", conta. Nuno Marques relata momentos difíceis pelos quais os estudantes estão a passar, principalmente os que estão deslocados. "Um aluno deslocado, em média, precisa de 6 mil euros por ano para pagar renda (500 euros por mês), comida, material e propinas. Não ter de pagar propinas já seria um alívio enorme", afirma.

O responsável afiança ainda haver "muitos estudantes" em dificuldade" e tem conhecimento de alunos que têm de "optar entre pagar despesas ou comer". "Sabemos que há um restaurante das Caldas que está a dar refeições aos estudantes em dificuldade. Temos conhecimento de casos preocupantes, de alunos que vão chumbar de ano por falta de pagamento das propinas e muitos que pensam desistir do curso por não conseguirem fazer face às despesas", relata.

"Agora sei o que é fome envergonhada"

É o caso de Catarina, aluna de 2.º ano de um curso de Enfermagem, que não quis identificar-se por se sentir "envergonhada". "Falam muito na fome envergonhada e agora sei o que é isso. Os meus pais tinham um pequeno restaurante familiar que tem estado fechado. Deixámos de conseguir pagar as contas e optei por congelar a matrícula. Estou a tentar arranjar emprego para juntar dinheiro para as propinas, mas nesta altura não consigo em lado nenhum", conta. Nuno Marques relembra que a falta de pagamento de propinas invalida a passagem de ano letivo. Uma situação que "inúmeros alunos estão a enfrentar". "Temos um estudante que recorreu aos nossos serviços de ação social porque não conseguia pagar desde novembro. Foi pressionado pelos serviços académicos. Com propinas em atraso tem de repetir o ano. Há um tempo limite para pagar e já aconteceu em várias faculdades. Já houve estudantes proibidos de frequentar aulas", diz.

Nuno Marques acredita numa adesão massiva ao protesto de dia 28 de abril, em vários pontos do país, e espera que a pressão seja "suficiente para conseguir reunir com o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior". "Estamos a organizar os protestos de forma a cumprir as regras da DGS e acreditamos que os alunos vão comparecer às manifestações. É um assunto de grande importância para a comunidade estudantil e que implica a continuidade dos estudos para muitos", sublinha, acreditando que a situação precária dos alunos irá aumentar com a crise económica que vai atingir mais famílias.

Petição contra aumento das propinas dos mestrados

Em agosto do ano passado, antes do arranque de um novo ano letivo, um grupo de estudantes criou uma petição para tentar evitar o aumento de propinas de mestrado, à semelhança do que foi feito com os alunos de licenciatura.

"Os alunos de mestrado da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, inclusive aqueles que se encontravam numa altura de transição para o que seria o seu último ano, em que realizariam estágio ou tese, foram confrontados com aumentos anuais das suas propinas em valores que variam entre 50€ e 1687,50 euros. Deste modo, a anuidade da propina poderia chegar a 1625 euros para estudantes nacionais, 2812,5 euros para estudantes internacionais CPLP e 4687,50 euros para estudantes internacionais", pode ler-se na petição. A criação de um teto máximo para propinas foi chumbada pelo PS e pela direita.

Marcelo Rebelo de Sousa promulgou depois a criação de um mecanismo para pagar propinas a estudantes de ensino superior em dificuldades financeiras, garantindo que mantêm direitos como o acesso a bolsas de estudo. Segundo o diploma, a adesão ao mecanismo é feita a pedido do aluno e não invalida a eventual atribuição de bolsas. Os alunos mantêm, também, o acesso a todos os atos administrativos, como a emissão de diplomas e certidões. Recorde-se que, há dois anos, o Parlamento rejeitou os dois projetos de lei apresentados por Bloco de Esquerda e PCP que previam o fim das propinas no ensino superior até 2023.

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