Maurícia. Chá de baunilha para radicais livres

Mala de viagem (115). Um retrato muito pessoal das Maurícias.

Imagine-se uma refeição no meio de uma plantação de chá no arquipélago das Maurícias, conhecido oficialmente como República da Maurícia. A Bois Cheri Tea Factory é um dos produtores. Localiza-se no sul desta ilha a maior do país, descoberta por portugueses em 1505, mas que nunca chegou a ser colonizada pelo nosso reino. Hoje em dia, a Rota do Chá está devidamente organizada como produto turístico. Aquele produtor remonta a 1892 e tem mais de 250 hectares, incluindo o museu e a fábrica, os quais permitem aos visitantes aprender sobre a arte e a ciência do chá - o cultivo, o processo produtivo e a venda em caixas de muitas cores. A envolvente natural produz em nós um relaxamento tranquilo e uma paz de espírito. O chá de assinatura é o de baunilha, apesar de haver no fim da visita uma degustação de diferentes sabores, mesmo antes da refeição no restaurante. Nessa sessão explicativa, em inglês, soube que a produção se baseia no chá preto misturado com chá do Ceilão importado do Sri Lanka e sabores de baunilha da África do Sul, para produzir um delicioso chá preto de baunilha. As suas principais propriedades são calmantes, afrodisíacas, antissépticas, aromatizantes e digestivas, além de ser fonte de minerais importantes para a saúde, como cálcio e potássio. O chá de baunilha é rico em antioxidantes, especialmente a vanilina, que não apenas fortalecem a imunidade, mas também combatem os radicais livres que são os principais responsáveis pelo "stress", que é a causa do envelhecimento precoce da pele. O chá também pode ser de grande ajuda para quem sofre de insónia, pois é naturalmente calmante e ajuda a garantir um sono mais calmo e relaxante. Além disso, a baunilha estimula a serotonina, a hormona da felicidade, responsável pelos pensamentos bons e pela sensação de bem-estar. Porém, nesta visita, o melhor estava para vir. No Le Bois Chéri, onde almocei, fiquei sentado numa das mesas com uma vista soberba da costa sul da ilha, com terrenos férteis da plantação do chá, um grande lago e animais livres. Poucos minutos depois, uma outra visitante sentou-se na mesa do lado. Ambos sós, a comprovar que nem um nem outro estávamos em lua-de-mel, uma das razões para se visitar as Maurícias. Quando veio o repasto solicitado, reparei que a escolha tinha sido a mesma: frango marinado em molho de chá de baunilha, com "dhal", arroz e os condimentos-padrão de alguns pratos locais. A paisagem e a música eram calmantes. De vez em quando olhávamo-nos, na certeza de que pelo menos tínhamos um gosto em comum. Até que, no final do prato principal, ela se virou por completo na minha direção para me fazer uma pergunta, a que logo acedi. Nesse momento, reparei melhor nos seus traços corporais. Pele ligeiramente morena da cor dos nativos da ilha, olhos vivos e sorriso enigmático. "Donde vem e o que pensa do que vê na ilha?", lançou a pergunta prometida em francês. Respondi que chegara de Portugal e me tinha interessado muito aquela experiência em que me encontrava, semelhante à que tinha tido na ilha de S. Miguel, nos Açores. Deu-se a conhecer como originária dali, mas que tinha saído para estudar em Paris e, naquela altura, cursava um mestrado. O tema da sua dissertação seria, precisamente, a produção de chá na Maurícia. Porém, a minha dica ao falar dos Açores despertou-lhe atenção: "Gostaria de escolher um caso em cada parte do mundo para os comparar", parecendo-lhe bem a hipótese dos Açores como exemplo europeu. Disse-me depois que os seus avós trabalharam naquela exploração, mas que os seus pais já tinham estudado em Port Louis, a capital, onde viviam. Ela partira para uma vida radicalmente diferente daquela que poderia ter se permanecesse no país; e eu estava numa das minhas viagens mais radicais, porque foi feita sem preparação, disse-lhe. Afinal, o chá de baunilha ali estava a cumprir a sua função, desta vez não para combater os radicais livres do "stress" de que vos falei atrás mas para nos compensar, a nós, outros radicais livres. Paradoxalmente, como o chá é afrodisíaco mas também cura a insónia, convém que esta história fique radicalmente por aqui, deixando à imaginação do leitor sobre qual terá sido o efeito mais eficaz naquele dia.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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