Tanzânia. "The City of Rock", o berço de Freddie Mercury
Mala de viagem (176). Um retrato muito pessoal da Tanzânia

Nenhuma visita ao "continente negro" está completa sem passar algum tempo nas regiões que circundam o lago Vitória. Estendendo-se por três países africanos - Tanzânia, Quénia e Uganda -, o Vitória é o maior lago de África, o maior lago tropical do mundo e o segundo maior de água doce. De santuários a cavernas, de planícies abertas a florestas tropicais, de cidades movimentadas a sítios arqueológicos, esta região é uma das mais dinâmicas de África. Na jornada em que repeti o Egito e viajei pelo Sudão, pelo Sudão do Sul, pelo Quénia e pela Uganda, vi a Tanzânia do outro lado do lago. Tocar nas águas foi como tocar nas que banham o outro lado, na Tanzânia e no Quénia. O meu olhar apenas permitiu vislumbrar ao longe as margens da Tanzânia e a cidade de Mwanza, a segunda maior do país, depois de Dar-es-Salaam, a capital. A sua economia gira em torno da pesca. O "ir pescar" é um modo de vida de todas as comunidades existentes nas margens do lago, e a de Mwanza não é exceção. Os pescadores da cidade saem todos os dias com as suas redes, esperando a grande pescaria, designadamente da perca do Nilo, que chega a Portugal, ao contrário da tilápia, que também é encontrada no lago, mas apenas vendida localmente. Mwanza é conhecida como "The City of Rock", não do género musical (ou talvez sim), mas por causa das pedras enormes por toda parte. Vistas aéreas dão-nos uma paisagem, dentro e em redor da cidade, bastante acidentada e irregular, onde até se construíram casas em locais rochosos e íngremes, por razões económicas. Ali, as pedras são grandes, e há filhos da terra que se tornaram assim. Desta terra de pedras, houve uma preciosa, que deu nome ao rei do "rock", Freddie Mercury. Ele nasceu Farrokh Bulsara, precisamente em Stone Town, no arquipélago de Zanzibar, e viveu lá em criança e adolescente (1946-1964). Os seus antepassados eram originários da Pérsia e viveram na Índia. O seu pai, Bomi Bulsara, veio de Bulsar, em Gujarat, e mudou-se para Zanzibar, exercendo no Supremo Tribunal como funcionário do Estado britânico. Ele casou-se com Jer, na Índia, e levou-a para Zanzibar, onde nasceu o enorme cantor que viria a ser Freddie. Porém, a família teve de fugir depois de os ingleses abandonarem o território, mudando-se para Middlesex, na Inglaterra. Freddie estudou e escreveu música nesses anos seguintes até que formou o grupo Queen, em 1970, com o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor. Presentemente, as referências ao cantor, na sua terra natalícia, são pífias, embora já haja uma corrente de fãs britânicos e americanos que ali se deslocam em peregrinação. A homossexualidade nunca foi bem-vista na Tanzânia, porque é oposta aos limites culturais que o Governo do Zanzibar procura impor. Claro que isso não impediu os residentes de colherem benefícios económicos desta associação entre o cantor e a sua terra natal, até porque, apesar do seu controverso estilo de vida, há um orgulho patente nos rostos das gentes daquela ilha por terem como filho alguém que atingiu o nível internacional na indústria da música, depois de crescer naquelas ruas. A família morava numa casa com vista para o mar, na parte histórica da cidade, no meio do labirinto de vielas estreitas repletas de bazares e mesquitas, que perduram.
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Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.